O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais (Sindifisco-MG) denunciou, nesta terça-feira (30/9), um suposto esquema articulado de pequenas, médias e grandes mineradoras do país, com forte atuação em Minas Gerais, de sonegação bilionária de receitas públicas. Em relatório produzido pelo Observatório de Estudos Econômicos e Tributários da entidade, especialistas apontam uma fraude fiscal estimada em cerca de R$ 35 bilhões no país, resultante da não quitação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) entre 2019 e 2023. Em Minas Gerais, as perdas passariam de R$ 2,2 bilhões ao ano em CFEM supostamente sonegada.
A denúncia ocorre, segundo o presidente do Sindifisco-MG, Matias Bakir Faria Freitas, como forma de pressionar o governo estadual a reforçar a fiscalização da Secretaria de Estado de Fazenda (SEF) e criar uma tributação específica para compensar as perdas. A ANM admitiu, em nota, que enfrenta índices “significativos de inadimplência e de sonegação”. O governo de Minas, no entanto, negou as informações fornecidas pelo Sindifisco e as classificou como “infundadas e irresponsáveis”. Similarmente, o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) lamentou a "denúncia genérica" e a ausência de informações, "em especial quem são e onde estão os ditos sonegadores", disse em nota.
O relatório descreve como grandes empresas teriam conseguido sonegar a CFEM, que é uma compensação financeira devida pelas mineradoras à União, estados e municípios pela exploração de recursos minerais. Segundo a investigação do Sindifisco-MG, essas companhias venderiam o minério a preço muito abaixo do mercado para uma filial localizada em paraíso fiscal (com pouca ou nenhuma tributação). Assim, a CFEM incidiria sobre um valor subfaturado. Em seguida, a subsidiária revenderia o minério ao verdadeiro comprador internacional pelo preço de mercado, muito mais alto, obtendo lucro não tributado no Brasil.
O sindicato cita a Suíça como principal paraíso fiscal. “O estudo, a partir das vias de exportação do Ministério do Comércio Exterior, mostra que o maior importador de minério de ferro do Brasil era a Suíça: 85,9% do minério foi destinado ao país. Onde a Suíça colocou tanto minério de ferro? Isso é uma prática comum de sonegação. A nota fiscal vai para a Suíça, mas o minério segue para o país onde realmente foi comprado”, explica a auditora filiada ao Sindifisco, Eulália Alvarenga. “Embora os principais destinos físicos do minério de ferro brasileiro sejam China, Malásia e Japão, de 2017 a 2020, quase 90% do valor exportado foi adquirido por empresas sediadas na Suíça”, completa trecho do relatório.
Conforme o levantamento, em Minas Gerais, as perdas passariam de R$ 2,2 bilhões ao ano apenas em CFEM sonegada. “A sonegação da CEFEM, de forma resumida, fica clara quando vemos que, hoje, o Brasil arrecada anualmente R$ 7,4 bilhões. Pela nossa estimativa, o valor deveria estar na casa de R$ 12, R$ 13 bilhões. Ou seja, há uma sonegação de 40%”, desenha o auditor aposentado, economista e coordenador do Sindifisco-MG, Francisco Diniz.
Estado e IBRAM negam denúncias
Em nota, a Secretaria de Estado de Fazenda (SEF) negou as informações divulgadas pelos servidores da pasta por meio do sindicato. “O planejamento fiscal é devidamente realizado pela Secretaria, com transparência e conforme todas as deliberações legais. A SEF utiliza tecnologia avançada para o eficiente acompanhamento da arrecadação do Estado, considerando os tributos a receber de todos os setores, sem exceção”, afirma.
O órgão afirma ainda que a arrecadação do ICMS em Minas Gerais tem crescido e ampliado a participação do estado no "bolo nacional". “Em 2024, Minas Gerais alcançou 10,1% na participação nacional, enquanto em 2015 o número chegava a 9,5%”.
Já o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) afirma que, no que se refere às empresas associadas, desconhece que operem em “paraísos fiscais”. “Algumas dessas companhias possuem filiais, todas legais e em conformidade com as regras locais e seus respectivos programas de compliance”, alega.
O IBRAM acrescenta que “sempre se posicionou contra a sonegação em qualquer atividade, defende que a fiscalização seja feita com rigor e que organizações que eventualmente adotem tal prática estejam sujeitas às sanções legais”.
Fiscalização
O Sindifisco-MG também alega que o prejuízo seria potencializado por falhas da fiscalização. O relatório cita que a Agência Nacional de Mineração (ANM) teria mais de 30.000 processos relacionados à fiscalização e cobrança de tributos e compensações do setor de mineração para análise, mas somente quatro fiscais com competência legal para estudá-los. Desde 2014, foi calculada uma perda de R$ 4 bilhões apenas por prescrição de processos que não foram cobrados a tempo. Em Minas Gerais, a categoria denuncia um suposto “desmonte” na Secretaria de Estado de Fazenda (SEF).
“A denúncia do Sindifisco é um problema seríssimo na Secretaria de Estado de Fazenda (SEF), porque o governo não tem conseguido manter a estrutura necessária para que seja feito o combate à sonegação fiscal. Nós temos uma reforma tributária que já é realidade no nosso país, e vários estados promoveram a reestruturação do fisco. Em Minas, não vemos nenhuma iniciativa do governo para estruturar a SEF e os auditores fiscais. Há, na verdade, um desmonte. A duras penas, promovemos um concurso público e nomeamos 430 auditores fiscais em 2023. Nesse tempo, já perdemos 100 para outros estados com melhores condições de trabalho”, afirma o presidente do Sindifisco-MG, Matias Bakir Faria Freitas.
A ANM diz que “o fortalecimento da fiscalização da CFEM é um desafio estrutural no país, conforme apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Levantamento recente do órgão identificou índices significativos de inadimplência e de sonegação, cenário que a Agência já vem enfrentando com medidas estruturadas”. Entre as ações, o órgão cita a recomposição do quadro de servidores — com a nomeação de 216 novos profissionais, sendo 41 destinados à Superintendência de Arrecadação e Fiscalização de Receitas —, a criação da Plataforma de Gestão de Recursos Minerais em parceria com o Serpro e a integração de bases fiscais para ampliar o monitoramento. “Em agosto, a área de arrecadação também foi reestruturada, com coordenações específicas para inteligência fiscalizatória e estratégias arrecadatórias”, explica.
Já a SEF conta que “para reforçar a equipe de profissionais, a SEF realizou concurso público, recentemente, incluindo outros 431 auditores fiscais nos quadros da secretaria”.
Sindicato propõe reforma na tributação
O relatório do Sindifisco-MG propõe a criação de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) Mineral para reformar a tributação do setor de mineração. A CIDE incidiria sobre a receita bruta da produção mineral beneficiada, com alíquotas diferenciadas por tipo de minério — por exemplo, 7% para minério de ferro, 2% para ouro, etc. A expectativa seria elevar a arrecadação do setor, estimando uma receita anual adicional de R$ 16,3 bilhões. Os recursos seriam repartidos majoritariamente entre estados (75%) e municípios produtores e afetados.
“A CIDE Mineral tem como objetivo recompor parte das perdas decorrentes da sonegação. Se todos os gargalos forem fechados — e o relatório propõe iniciativas nesse sentido —, a CIDE poderá arrecadar até R$ 30 bilhões por ano no Brasil. Em Minas Gerais, a dificuldade é maior, mas, no geral, a arrecadação poderia alcançar cerca de R$ 13 bilhões ao ano, valor que já seria duas vezes maior que a arrecadação atual do estado”, afirma o auditor aposentado, economista e coordenador do Sindifisco-MG, Francisco Diniz.