Sexo

A maioria sai de casa antes dos 18 

Prostituição é uma das poucas saídas para adolescentes

Por Bárbara Ferreira
Publicado em 15 de março de 2015 | 03:00
 
 
 
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A violência que cerca a vida das travestis muitas vezes não se restringe ao aspecto físico – para a maioria delas, começa em casa, quando são expulsas ao iniciar a transformação, o que acontece, em geral, antes dos 18 anos. Ser expulsa pela família é algo comum entre elas, que, por isso, têm a rua e a prostituição como porto seguro e fonte de sustento. De acordo com pesquisa realizada pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a saída de casa acontece entre os 9 e os 17 anos.

Sem qualificação profissional, enfrentando o preconceito e ainda muito jovens, a saída é o mercado do sexo e a união. Corriqueiramente, elas dividem imóveis ou moram em pensões, com outras travestis. Ali, formam novas “famílias”, isentas da reprovação. “Normalmente, elas vão para casas coletivas e pensões, e para o trabalho na prostituição. Até porque, nessa idade, ainda é muito cedo para ter qualificação e se inserir no mercado de trabalho. Isso significa a saída da escola. É um ciclo que se retroalimenta do preconceito e produz vulnerabilidade muito séria”, explica o psicólogo e coordenador do NUH, Marco Aurélio Máximo Prado.

Anyky Lima, 59, conseguiu certa autonomia, vive engajada com a militância e tem sua própria casa. Mas nem sempre foi assim. Ela conta que foi expulsa pelos pais aos 12 anos e teve que se virar para conseguir se manter. “Saí de casa e fui acolhida por outras trans, em Bangu (no Rio de Janeiro). Ali mesmo, em um chafariz, fui batizada com meu nome social. Fizeram uma festa, e, ali, deixei o meu antigo nome. O batismo é uma tradição no Brasil e acontece até hoje. A classe é unida, e a gente acaba se tornando uma família”, conta.

Bárbara, 19, se transformou há apenas três semanas. Com a empolgação que cerca a nova vida e a liberdade de se vestir e se portar como sempre quis, também há o medo, a insegurança e a falta da família. “Eu pretendo voltar para casa um dia e me mostrar, mas só depois que eu completar a minha transformação. Aqui eu estou tendo apoio e ajuda das outras meninas”, conta a jovem. Antes de se tornar Bárbara, a jovem já se relacionava com rapazes e se prostituía. No entanto, a experiência era como michê e por meio de sites. As ruas, ela ganha agora.

Dificuldades. Além de Bárbara, a reportagem de O TEMPO falou com outras quatro travestis, e, em todos os relatos, a saída de casa é relacionada com o início da prostituição. Brenda Prado, 30, afirma com veemência que “o primeiro programa ninguém esquece”.

Ela fugiu de casa aos 16 anos, para se libertar da opressão em que vivia. “Minha mãe ficou louca, foi atrás de mim, mas eu precisava daquilo. Saí de casa e fui parar na casa de uma cafetina. E foi muito difícil. Já passei por várias coisas, inclusive um cliente que insistia em pagar R$ 10 para cada pedra de crack que eu fumasse. Recusei. No entanto, como precisava do dinheiro, em vez de fumar, eu ia na boca e buscava as pedras para ele. A cada uma que trazia, ganhava os R$ 10”.

Evelyn Cristina, 21, começou a se prostituir aos 15, também quando saiu de casa. “A saída de casa é sempre muito difícil e parte da família. Com o tempo, a gente até entende um pouco. Ou a gente sai de casa e se prostitui ou fica à mercê da opressão. Esse momento é uma busca por nossa identidade, por nossos sonhos”, conta.

Elas relatam que aprendem a se maquiar, a tomar hormônios e a se “bombar” com silicone, umas com as outras. E, aos poucos, se tornam uma grande família. O retorno financeiro, às vezes, até acontece, e a maioria “compra” novamente o amor da família. Mas quando isso ocorre, elas já não são mais jovens e já aprenderam a lidar com a vida.

Silicone
Um dos maiores fatores de risco para a saúde das travestis é o silicone industrial. Usado normalmente na manutenção de carros, ele não é apropriado para o organismo humano. Para atingir formas mais femininas, quase todas as travestis fazem a aplicação desse tipo de silicone, o que elas chamam de se “bombar”. Ele parece um óleo e é aplicado em clínicas clandestinas ou por “bombadeiras”.

À vista
Muitas travestis vivem de cidade em cidade, e tantas outras morrem muito cedo. Com isso, segundo relato delas, a maioria dos bens materiais é adquirida à vista. “Até para colocar silicone temos que pagar na hora. Os médicos acham que podemos morrer e não dar o dinheiro”, relata Anyky Lima. Segundo ela, alguns bancos já aceitam abrir contas com o nome social delas, o que facilita a vida financeira.

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