NOVOS TEMPOS

Ano novo: recomeço ou angústia? Memória afetiva molda sentimento de cada um

Época de final de ano provoca um mix de sentimentos da nostalgia a esperança; especialistas dão dicas de como ter uma virada de ano mais leve

Por Isabela Abalen, Juliana Siqueira e Milena Geovana
Publicado em 01 de janeiro de 2024 | 03:00
 
 
 
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5, 4, 3, 2, 1. Entre a contagem regressiva e o desejo de “Feliz Ano Novo” cabe uma infinidade de sentimentos. Cinco segundos são suficientes para que a mente recapitule um ano inteiro: perdas, conquistas, caminhos percorridos, lutas pessoais e coletivas. É nesse pequeno momento que o verdadeiro sentimento da virada de ano é revelado. Por seis Réveillons seguidos, Williana Matias, de 44, carregou um peso em segredo: o luto de dois, três, por fim, sete abortos involuntários. Durante a contagem regressiva, a dor solitária das partidas. Nos abraços de felicitações, o sonho de gestar um filho. 

“Uma vez, perdi um bebê próximo ao Natal. Foi muito difícil, porque eu não contava para ninguém, nem para a família. Tive muita angústia de não estar vivendo aquela magia, aquela felicidade. Estava só. Mesmo sorrindo, aquela ferida estava alí, me culpando, latente no meu peito”, desabafa a consultora de Imagem e Estilo. Quando rememora cada passagem de ano, no entanto, Williana encontra um sentimento dúbio: era nesses momentos que, apesar das dores, conseguia fortalecer a fé e fazer planos. “Eu tentava juntar os meus cacos e renovar as esperanças. Venho de uma família grande, com oito irmãos. Nosso fim de ano sempre foi simples, mas muito importante, então lembrava disso para me fortalecer”, conta. 

De fato, a conexão com as memórias, cheiros e sabores das festas de Réveillon marcam como cada um sente a passagem do tempo, de acordo com a neurocientista do SUPERA - Ginástica para o cérebro, Livia Ciacci. A especialista afirma que o fim do ano conta com uma porção de elementos que criam uma atmosfera mágica, no entanto, embora exista todo esse fator vivido coletivamente, a percepção da época passa também pela interpretação de cada um. 

Segundo Livia, é aí que entram as experiências vividas ao longo da vida. “No fim do ano, há rituais de cunho religioso, espiritual, familiares. Em cada pessoa, tudo isso vai criando memórias, desde criança. Se as lembranças são felizes, as pessoas terão esse sentimento de alegria, de querer comemorar o novo ano. Já outras podem ter memórias tristes e um sentimento de angústia nessa época. O sentimento de todos deve ser respeitado”, diz.

A chegada do filho Theo, 4, salvou o espírito de fim e começo do ano na casa de Williana

Williana Matias, de 44, com seu filho, Theo Matias, 4. Foto: Lais Gouvêa

Para Williana, após seis anos de mais luto do que vida, a chegada do seu filho Theo Matias, hoje com quatro anos, salvou o espírito de fim e começo de ano na sua casa. “Eu digo que ele é o meu sol. Ele chegou depois da tempestade. Meu filho veio saudável, abençoado e no seu tempo. Sinto que são oito filhos em um”, se emociona. A memória afetiva é o laço que une a família. “Eu lembro da minha infância, de como minha mãe fazia a festa, e como eu amava aquilo tudo. Com o Theo, montamos a decoração juntos, brincamos com os parentes, celebramos com uma ceia tradicional e farta. Quero que ele cresça se lembrando disso”, continua a consultora. 

Matriarca é vista como “felicidade” para que família siga com a tradição de festa

Os finais de ano mudaram muito na família de Paula Leal, de 29, depois que sua mãe, Mônica Nilo Leal Nunes, partiu há 10 anos. A designer gráfico e artista conta que a palavra “felicidade” definiria bem a sua mãe, que era uma mulher que amava samba, cozinhar e receber as pessoas de braços abertos. As festas de final de ano eram os momentos que Mônica mais amava, e agora o mês de dezembro desperta a saudade na família. “Dezembro aqui em casa, principalmente para mim e minhas irmãs, é muito ruim. Até porque foi o mês que a gente perdeu a minha mãe. E ela amava o Natal. Então, para a gente, foi perdendo o sentido, porque ela não está”, lamenta.

Era ao redor da comida feita pela matriarca que a família de Paula se reunia e compartilhava afeto. A feijoada de Mônica conquistou um lugar especial na memória afetiva da família. “Cozinhar era uma coisa muito forte da minha mãe. Ela cozinhava de um jeito que eu acho que quem conheceu ela nunca viu igual. A feijoada mesmo. Já comemos 1.001 feijoadas e nenhuma chega perto da que ela fazia”, diz. 

Paula Leal, de 29, com sua mãe, Mônica Nilo Leal Nunes, que partiu há 10 anos

Paula Leal, de 29, com sua mãe, Mônica Nilo Leal Nunes. Foto: Arquivo pessoal

O amor pela cozinha foi uma das coisas que Paula herdou da mãe, além da ligação com o samba. A matriarca era apaixonada por Zeca Pagodinho, artista que virou tatuagem no corpo da filha. Depois de 10 anos da perda, a dor ainda é a mesma, mas, aos poucos, a família ressignifica essa época do ano. “A gente já ressignifica, porque o luto precisa parar de doer, e a vida continuar. Porque o luto não deixa ninguém vivo não. O luto dói, te paralisa, e a gente tem que aprender a ressignificar ele, dar outro sentido. Para isso, eu penso muito no que ela (a mãe) gostaria que eu fosse, sabe? De ser a pessoa de quem ela teria orgulho”, desabafa, emocionada. 

Novos tempos, novos sonhos

O psicólogo Thales Coutinho concorda que o Ano Novo pode ter significados diferentes para cada um. No entanto, o que costuma ser algo natural para quase todos é fazer uma retrospectiva dos meses vividos. Isso costuma acontecer poucas vezes no ano, apenas em datas marcantes e que sugerem “fim de ciclo”.

“Mesmo sendo uma data qualquer no calendário, 31 de dezembro tem uma representação muito diferente de qualquer outra. É uma representação análoga somente à nossa data de aniversário, que também tem um efeito mágico, um efeito que a gente fica até mais solícito para determinadas coisas que as pessoas nos pedem. É uma data muito mais pró-social nesse sentido, por causa desse sentimento de finalização de um ciclo”, diz ele.

Esse fim de ciclo e a importância dele também são destacados por Livia Ciacci. Conforme ela explica, o corpo e a mente humana trabalham sempre com esses encerramentos, inclusive com a noção de noite/dia. “Esse fechamento é importante para planejar um novo ciclo, diminuir a sensação de cansaço. Há um papel motivador muito grande”, ressalta Livia.

É o que sente a consultora Williana. A chegada do seu filho não cessou com os seus sonhos, que ficam mais fortes a cada início de ano. “Eu quero para minha vida outras conquistas, e a chegada de janeiro me traz sim uma esperança renovada. Estou passando por uma transição de carreira, e, em 2024, quero me consolidar como empreendedora. Além disso, nessa época, busco muito o meu sentido da vida. Como eu quero ser, como posso ser uma pessoa melhor. Tenho um propósito de ajudar outras mulheres. Para mim, é assim que fazemos um história bonita da nossa vida”, diz. 

Psicólogo dá dica para resoluções de Ano Novo

Nesta época, é comum que as pessoas façam diversas resoluções e promessas. No entanto, para que elas não se tornem frustrações no decorrer do novo ano, é preciso alguns cuidados. O psicólogo Thales Coutinho recomenda certa razoabilidade na hora de projetar uma nova etapa.

“Em vez de fazer metas que sejam muito megalomaníacas, se a pessoa fizer coisas mais fáceis de cumprir, mais tranquilas, a chance de ela ir cumprindo e ficando menos frustrada, mais orgulhosa do cumprimento das atividades, é maior”, aconselha.

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