“O luto é uma espécie de gestação. Quando a gente perde alguém, a gente morre de uma certa forma. Uma parte de nós vai morrer e vamos ter que renascer para uma vida e um contexto diferente, porque não vamos ter mais aquela pessoa e vamos precisar aprender a viver novamente sem ela”. É assim que a publicitária e escritora Cris Pàz define o luto, processo que já viveu em cinco momentos da vida.
O primeiro deles aos 24 anos, quando perdeu a mãe, vítima de um câncer. “Na época não se falava muito em cuidados paliativos e a minha mãe sofreu muito. Fez quimioterapia até a última semana, de uma maneira que não precisava mais, não era necessária essa luta pela vida a qualquer custo”, lembra. Mas ainda que houvesse essa busca pela cura, a família também já se preparava e tentava preparar Cris para a partida da mãe.
“Sou filha de médico e meu pai tentou nos preparar, mas eu rebatia dizendo que a gente não se prepara para morte, se prepara para a vida. Eu evitava matá-la antes da hora, ainda morava com os meus pais e ficava questionando como eu podia ficar repetindo que ela ia morrer se estava convivendo com ela”, conta.
Ter acompanhado a doença e as dificuldades do tratamento da mãe, porém, fez com que Cris conhecesse também outras facetas do luto. “A gente tem a tendência de ter um alívio quando a morte acontece, porque a pessoa deixa de sofrer. Mas depois vem a dor da falta”, diz. A autora reconhece, porém, que não se permitiu viver de forma plena o luto tanto quando perdeu a mãe. Estava preocupada em poupar o pai, de quem se aproximou muito após a perda.
Anos depois veio mais uma experiência semelhante. Cris teve que se despedir dele por conta de um câncer. “O primeiro aprendizado que tive com essas perdas foi de que o luto precisa ser vivido. Não dá pra evitar e não acho que ele tenha fases. Temos a sensação de que ele é uma coisa que vai terminar, mas se a falta é definitiva, não tem como o luto terminar. É uma companhia que você passa a ter”, avalia.
O processo se repetiu ainda outras duas vezes, quando ela perdeu dois bebês, ainda durante a gestação, e após alguns anos, quando precisou se despedir do namorado, Gui. Na época, ela estava grávida de um filho dele. “Eu estava muito feliz, o Francisco estava na minha barriga e, quando estava com sete meses, o Gui teve uma morte súbita, aos 38 anos. A gente morava em casas separadas, senti a falta dele e mandei um e-mail e ele não respondeu. Naquela época não tinha WhatsApp e eu fui descobrindo aos poucos. Fui atrás da notícia e tive a possibilidade de construí-la gradativamente na minha cabeça”, recorda.
Os lutos que havia vivido antes da perda do pai de seu filho foram importantes para que ela pudesse lidar novamente com a morte de alguém que amava. Mas ainda assim, havia algo diferente. Cris Pàz experimentava a tristeza em um momento em que vivia a felicidade da chegada do primeiro filho. “Fui escolhida pela vida para viver um paradoxo: ‘como assim, no auge da alegria, eu perco o pai desse filho?’ Era uma mistura de sentimentos muito grandes. Mas ao longo do tempo, fui percebendo que era possível ser alegre no luto. A gente costuma achar que ele é um processo de completa infelicidade, mas não é. Como eu não me sentiria absolutamente feliz com o nascimento do meu filho?, questiona.
Foi na tentativa de lidar com os sentimentos conflitantes que Cris decidiu escrever uma carta para o filho. “Minha intuição me mandou fazer isso e essa carta me trouxe grandes aprendizados. O primeiro foi que a vida não pode ser controlada e que o luto também depende da gente, do que vamos fazer com ele”. No caso da autora, ela tinha decidido falar sobre o luto, falar sobre quem tinha perdido, falar sobre a dor que sentia e transformar tudo aquilo em alguma outra coisa. No caso de Cris, as cartas viraram um blog que tocou e ressoou na vida de várias outras pessoas.
Caminhos
Ressignificar o sofrimento pode ser um caminho importante para lidar com o processo de luto. Mas vale lembrar que esse momento é sentido de forma muito individual e que não existem regras definitivas para lidar com a fase. É isso o que pontua o psiquiatra Rodrigo Almeida. “A forma como as pessoas lidam ou ressignificam o luto pode ser boa ou ruim dependendo de quais processos essas atitudes alimentam. Se escrever ou conversar ajuda a seguir o curso natural do sofrimento, é bom. Mas se a mesma conversa ou escrita alimenta a ruminação e autocrítica, por exemplo, pode entrar como um fator complicador do processo”, explica.
Segundo o psiquiatra, ter uma atitude aberta de aceitação das experiências emocionais e da própria perda, por mais dolorosa que seja, permite que a emoção siga seu curso natural e, a partir disso, que o sofrimento diminua. Procurar ajuda de um profissional também pode ser uma boa opção. “Isso não significa que a pessoa está doente. Ela pode estar no seu limite e precisar de um repertório emocional maior, de aprender outras formas para lidar com o sentimento”, ressalta. “Esse, inclusive, deve ser um papel da psiquiatria e da psicologia contemporânea: incentivar processos mais funcionais. Estamos em uma sociedade que tende a negar a anular o sofrimento, mas precisamos lembrar que ele faz parte da vida, que é temporário e que podemos permitir que ele siga o seu curso natural”.
O psicólogo clínico João Gabriel Grabe reitera que o luto é um processo individual e que é justamente por isso que ele é uma fase que não possui um prazo determinado. “Cada pessoa possui o próprio tempo de luto. Algumas podem passar por essa fase de maneira mais rápida. O melhor a se fazer é se permitir a sentir, seja raiva, tristeza, saudade, seja o medo. Não tem como passar pelo luto sem que haja sentimentos e sem compreender o que se está sentindo”, afirma.
Segundo João Gabriel, também vale a pena se permitir falar e pensar em quem se perdeu, mas sem se prender. “Devemos entender que esse é um momento a ser vivenciado e não algo que precisa ser sentido todos os dias intensamente. A lembrança sempre vai existir, mas se o luto não é vivenciado, toda e qualquer memória vai ser tida como devastadora, fazendo com que a pessoa em luto deixe de viver, deixe de ter experiências e novas perspectivas”.