Os feirantes do bairro Amazonas, em Contagem, na região metropolitana, que tiveram barracas levadas pela água durante o temporal de 19 de janeiro, se uniram para ajudar os próprios colegas que perderam tudo. Eles doaram pés e orelhas de porco, carnes, feijão e outros mantimentos e prepararam uma feijoada para arrecadar fundos. Foram 600 pratos vendidos a R$ 10 cada, neste domingo (2), e houve fila de pessoas que aguardavam para ajudar as vítimas e também matar a fome, antes mesmo da chegada dos panelões. 

De tão saborosa a feijoada, teve gente que repetiu o prato e ainda comprou para levar para casa. O aposentado Dilmar Antenor de Castro, de 76 anos, irmão do médico e ex-prefeito de Belo Horizonte Célio de Castro (1932/2008), aguardou na fila, de bengala, para comprar o almoço. “É muito importante ser solidário. O povo de Contagem merece”, disse.

A educadora infantil Filomena Diniz Lopes, de 57 anos, também adorou a feijoada. “Está maravilhosa. Além de comer e ficar satisfeito, você tem a oportunidade de ajudar os feirantes, que estão precisando de apoio e de carinho”, disse.

No segundo domingo funcionando temporariamente em novo endereço, na avenida JK, também no bairro Amazonas, o clima na feira foi de festa, com direito a grupo de samba, funk e até dança debaixo de um sol escaldante.

Avenida deserta

Enquanto isso, na avenida Alvarenga Peixoto, também no bairro Amazonas, onde a feira funcionava quando houve o temporal, donos de bares, restaurantes e de outros estabelecimentos comerciais reclamam que o local ficou deserto e as vendas despencaram sem o movimento da feira.  
“Ficou péssimo com a saída da feira. Tinha muito movimento e agora está isso aí, sem nada. O movimento caiu demais”, reclamou a dona de um bar, Veranilda Pereira da Silva, de 56 anos.

A comerciante disse ter ficado assustada com a força da água levando tudo durante o temporal.  “Foi terrível. Saiu carregando todas as barracas. Quem ainda estava na feira ficou sem nada. A sorte é que foi no final. Se fosse antes, tinha muita gente e seria muito pior”, comentou Veranilda.

Edson Barbosa, de 59 anos, vende caldo de cana na feira e conta que perdeu tudo. “Perdi o botijão de gás, a barraca de metal, duas tendas de 18 metros as duas, os vasilhames de aço inox, além de R$ 500 em dinheiro, que foram junto com a água. O carro está todo danificado e fui olhar o orçamento do conserto e fica em R$ 3,6 mil. Na hora, a água levantou o carro. Ele estava posicionado direitinho, mas a água o levantou e o virou ao contrário”, disse o feirante.

As pernas de Edson estão feridas. Ele foi atingido por dezenas de barracas. “A nossa barraca era a primeira da feira, subindo. Como a tromba d'água veio de cima para baixo, vieram umas 30 barracas em cima da nossa. Aí, quebrou tudo”, disse o feirante, que foi arrastado junto com o filho. “Graças a Deus que não tinha nenhum bueiro aberto. Se tivesse, eu teria ido embora e não estaria aqui para contar essa história”, disse. 

Edson acredita que um temporal como aquele não vai acontecer tão cedo. “Se acontecer, será daqui a uns 40 anos. Seria azar demais acontecer aquilo de novo”, comentou. Para ele, tanto faz ficar na JK ou voltar para a avenida Alvarenga Peixoto. “A gente só quer trabalhar”, comentou.

Robert Aparecido Martins Dantas, de 38 anos, vende coco e caldo de cana na feira. Ele conta que, além de perder tudo no temporal, chegou em casa e encontrou tudo alagado. “Perdemos tudo que tinha dentro da barraca e chegamos em casa e ainda tinha um palmo de água”, lembra.

Para o feirante, está sendo difícil retomar à vida normal. Na feira, ele disse contar com a ajuda de outros feirantes. “Através das pessoas do coração do bem, a gente vai conseguindo as coisas. Se não fossem os outros, a gente ficaria desamparado. Tenho uma filha de 2 anos e está muito difícil”, disse Robert.

O feirante disse não consegue esquecer a tromba d'água arrastando tudo. “A água chegou na nossa cintura. Muito assustador. Levou tudo que tinha dentro do meu recinto. Estragou máquinas, barraca não recuperei, levou tudo. Mercadorias, foi tudo embora”, disse Robert, que defende a volta da feira para o local antigo. “Eu sou Alvarenga”, reforçou, referindo-se ao nome da avenida que foi inundada. “Pode ter certeza que em março estaremos de volta”, espera o feirante.

Solidariedade

O gerente da feira do bairro Amazonas, Luiz Carlos de Araújo, conta que depois do temporal eles se reuniram para avaliar o que considera um desastre. “Sentimos que companheiros, amigos nossos, pais e mães de família haviam perdido tudo. Alguns, perderam o meio de sobrevivência e até as casas. Então, reunimos um grupo de feirantes e decidimos fazer essa feijoada para arredarmos fundos e ajudar quem precisa”, disse Luiz Carlos, lembrando que também estão fazendo uma “vaquinha” na internet para arrecadar dinheiro.

Luiz conta que conseguiram arrecadar todos os produtos da feijoada com os próprios feirantes e com pessoas de fora que ficaram comovidas com a situação. “As pessoas ligavam dizendo que queriam ajudar. A gente ganhou carne, feijão, pezinho e orelhinha de porco. Enfim, a feijoada completa”, disse. Segundo ele, muitos feirantes que trabalham com alimentação perderam tudo, como fogão, panelas, talheres e mesas.

Neste domingo (2), a feira ficou lotada de visitantes. Muita gente foi para apoiar os feirantes. “Vida que  segue. Esse é o nosso objetivo: não deixar a feira morrer. Se a gente não fizesse a feira no domingo seguinte ao do acontecido, as pessoas iriam ficar esmorecidas. E a gente entendeu: 'Vamos ficar de pé, vamos mostrar que a feira vive'. Tivemos dois dias para fazer a transferência da feira para a JK”, conta o gerente.

Retorno

A feira do bairro Amazonas tem 620 feirantes que empregam 1,4 mil pessoas, efetivamente. “Tem de tudo. Nos faz lembrar aquelas feiras do interior onde você encontra um peixe, uma carne em cima da mesa, uma capinha de celular, uma roupa, tudo. Bijuterias, calçados de qualidade, botecos, tem de tudo aqui”, disse Luiz Carlos.

Ele conta que, na terça-feira seguinte ao temporal, a Defesa Civil embargou a avenida Alvarenga Peixoto para a feira. “A Defesa Civil é muito clara na responsabilidade dela. Eles só permitirão a volta da feira para a Alvarenga Peixoto após o período chuvoso”, disse o gerente. “Vamos ouvir a opinião dos feirantes. De acordo com a vontade deles voltamos, ou não”, disse.

Na Alvarenga Peixoto, há muitas casas e prédios residenciais, segundo o gerente. Quando algum morador ficava doente durante a feira, a ambulância tem dificuldade de passar. Na JK, os feirantes contam que são mais prédios comerciais e uma escola, que não são prejudicados. 

“Os moradores e o comércio da JK abraçaram a feira com carinho. Disseram para a gente: 'Sejam bem vindos'. Na Alvarenga Peixoto também fizemos muitas amizades. A gente sabe o impacto na vida deles, mas é uma coisa que a gente tem que pensar muito”, disse. 

Segundo Luiz Carlos, no trecho da JK ocupado pela feira são 49 comércios e apenas sete residências. Na Alvarenga Peixoto, são oito comércios e mais residências, comentou o gerente. “Lá também nos abraçam com muito carinho. Agora, a gente fica na dependência da decisão da Defesa Civil”, acrescentou.