O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência Pré-Hospitalar (Samu 192) de Minas Gerais pode entrar em greve nos próximos dias. Os dez consórcios de saúde que atendem 800 municípios do Estado — o que representa uma cobertura de 93,7% do território mineiro — deram prazo até a próxima terça-feira (8 de julho) para que o Ministério da Saúde (MS) ou o governo estadual inicie tratativas para estabilizar os recursos destinados ao Samu. Em um ofício enviado à União, os consórcios do SUS denunciam a projeção de um rombo de R$ 56,8 milhões no custeio do Samu 192 em 2025: “cruzando o limiar do aceitável e colocando em risco a eficiência do serviço junto à população”, diz trecho do documento ao qual O TEMPO teve acesso. Simultaneamente, cerca de 2 mil condutores socorristas pressionam por direitos e melhores salários.
Os consórcios da rede de urgência e emergência divulgaram um levantamento com os valores repassados ao Samu 192 em 2024 e, com base nesses dados, projetaram um rombo milionário até dezembro deste ano. Os investimentos no serviço são compartilhados entre os governos federal, estadual e municipal (tripartite), sendo o Ministério da Saúde (MS) responsável por 50% da verba. No entanto, conforme denúncia dos socorristas do SUS-MG, a União tem repassado de 8% a 40% do valor acordado.
Para se ter ideia, enquanto o consórcio da rede de urgência da região Macro Nordeste e Jequitinhonha (CISNORJE) declara ter recebido cerca de R$ 1,5 milhão por mês do Ministério da Saúde no ano passado — o que corresponde a 40,21% da verba total do serviço —, o consórcio do Leste de Minas (CONSURGE) afirma ter recebido 8,3% (R$ 371,2 mil) de repasse mensal pelo Ministério da Saúde no mesmo período. O Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais (CES-MG) afirmou à reportagem que tem acompanhado o imbróglio.
"Esse ofício foi encaminhado ao Ministério da Saúde (MS), no qual os consórcios declaram um déficit total de R$ 56 milhões para 2025. Antes, o recurso federal correspondia a 75%, mas foi minguando até chegar a 50%. E a participação do MS é muito importante, porque o serviço do Samu precisa ser habilitado pela União — não pode ser qualquer equipe", afirma a diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sindsaúde-MG), Núbia Dias.
Segundo ela, que também é secretária executiva da Mesa Estadual Permanente de Negociação do SUS-MG, o Samu no interior de Minas tem sofrido com a baixa remuneração dos trabalhadores e jornadas exaustivas. "O SUS perde, porque os concursos do Samu passam a não interessar a ninguém. O salário não condiz com a complexidade do trabalho. Temos uma equipe altamente sobrecarregada e bases do Samu financeiramente desequilibradas. Gradativamente, o Estado corre o risco de perder um serviço móvel de urgência que é referência e excelência no país", diz.
Na última visita ao Estado, em 16 de junho, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, foi questionado sobre o levantamento dos consórcios de saúde que aponta repasse insuficiente de verba ao Samu. Ele afirmou que irá investigar a situação, mas negou que exista um valor mínimo a ser obrigatoriamente cumprido.
"Primeiro, é mentira que exista um piso constitucional para o Samu. O último reajuste do Samu no Brasil ocorreu quando eu fui ministro, em 2012 e 2013. Depois disso, ficaram dez anos sem reajuste do Ministério da Saúde para os Estados e municípios. Com a volta do governo do presidente Lula, foi feito um reajuste de mais de 30% nos recursos. Vamos acompanhar essa situação em Minas, mas não vamos dialogar com mentiras", cravou Padilha. A reportagem demandou o MS e aguarda retorno.
Por outro lado, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) argumenta que a divisão do custeio do Samu no Estado é regida pela Portaria nº 1.010/2012, que estabelece que o Ministério da Saúde é responsável por 50% da verba; o Estado, por no mínimo 25%; e os municípios, por no máximo 25%. “Atualmente, o Governo de Minas repassa até mais de 50% dos custos informados pelos consórcios, superando o percentual mínimo estabelecido. A SES-MG reforça seu compromisso com a manutenção dos serviços de urgência e emergência no Estado”, afirmou a pasta.
Socorristas do Samu pressionam por direitos
Segundo a diretora sindical Núbia Dias, outra corrente que tem pressionado por greve no Samu é puxada pelos condutores socorristas. Cerca de 2 mil trabalhadores estão mobilizados, cobrando por melhores condições de salários e pela inclusão do cargo como profissionais de saúde. "Um condutor socorrista recebe cerca de R$ 1.700, alguns R$ 1.860. São capacitados para atuar corretamente na cena do acidente e vivem uma jornada de risco, com plantões longos e muita pressão pelo imediatismo do resgate. Quando um adoece, causa um desequilíbrio na equipe", explica.
A categoria quer ser incluída no quadro de profissionais de saúde e, para isso, cobra a retomada da votação do Projeto de Lei 3.104/2020 na Câmara dos Deputados. O texto, de autoria do deputado Weliton Prado (PROS-MG), prevê que os condutores de veículos de emergência devem receber “a mesma proteção e os mesmos benefícios que os demais membros da equipe”.
“O condutor socorrista presta assistência direta ao paciente e está exposto aos mesmos riscos biológicos dos profissionais da saúde, devendo ser inserido na área da saúde, conforme a Classificação Brasileira de Ocupações”, diz um dos trechos do PL.
A ameaça de greve
O Sindsaúde-MG informa que, se a greve for confirmada, as categorias ligadas ao Samu 192 em Minas Gerais irão respeitar as regras legais para a paralisação de serviços essenciais. “Faremos tudo com responsabilidade, dentro da lei, para que seja possível manter o serviço. Quando entramos com o pedido de comando de greve, a própria Justiça delimita o percentual mínimo da equipe que deve continuar trabalhando”, afirma.