Diante da Justiça, o casal suspeito de maus-tratos que resultaram na morte de Ian Henrique, de 2 anos, em Belo Horizonte, tentou culpar uma criança de 4 anos como responsável pelas agressões. A criança, em questão, é filha da mulher de 34 anos que teve a prisão preventiva decretada e enteada do homem de 31 anos, pai de Ian.

Quando foram presos em flagrante, no domingo, eles não citaram nenhuma agressão da outra criança no boletim de ocorrência. Esse é um dos fatos novos apresentados durante os depoimentos em audiência de custódia, o que causou a repulsa por parte da juíza Juliana Beretta Kirche Ferreira Pinto. De acordo com a própria mãe, a menina foi diagnosticada com Síndrome de West, autismo, esclerose tuberosa, não anda sozinha, não fala e não se alimenta sozinha, bem como possui as duas pernas engessadas dos pés até a virilha e que ela "é mais agressiva e que quando as duas crianças estão juntas, costumam disputar algum brinquedo".

 

Enquanto questionava a companheira sobre o que tinha acontecido com seu filho, já que ele foi encontrado praticamente desfalecido no sofá, o homem alega que teve como resposta que a enteada "possivelmente teria agredido o menino". À Justiça, o homem disse que já percebeu a enteada “disputando brinquedo com a vítima” e, sempre que está por perto, aparta o conflito entre as crianças. Relatou também que a menina "é mais forte que Ian Henrique de Almeida Rocha e, embora esteja com gesso nos dois pés, ela consegue se locomover normalmente e acredita que ela possivelmente tenha batido o gesso na vítima". 

Já a mulher afirmou que enquanto dava banho na criança, após ela já se queixar de dores, percebeu, também uma lesão na boca do enteado. Ao perguntar à criança de 2 anos o que tinha ocorrido, a vítima teria respondido um dos apelidos da menina. 

No entendimento da juíza que tornou a prisão em flagrante em preventiva, "denota-se as profundas contradições entre os depoimentos de ambos os autuados, ao tentarem imputar a autoria das gravíssimas lesões cranioencefálicas que levaram à morte cerebral da criança Ian, de apenas 2 anos de idade, à outra criança, de apenas 4 anos de idade, filha da flagranteada, que é portadora de necessidades especiais e, consoante sua própria genitora declarou, não anda sozinha". "Não é crível que a outra criança, gravemente enferma e com debilidades seríssimas tenha dados “golpes com as perninhas engessadas na cabeça e rosto da criança Ian, a ponto de causar sua morte encefálica. As contradições são inúmeras e flagrantes, inclusive nos momentos em que os autuados também tentam imputar a morte da criança a queda acidental no piso da cozinha, sujo por alimentos que caíram no local, tendo os médicos que procederam ao seu atendimento constatado as lesões gravíssimas causadas de modo contundente, no crânio, nuca, no rosto da indefesa criança", afirmou.

Por fim, a magistrada avaliou que os depoimentos "são extremamente frágeis, inconsistentes, carecem de credibilidade perceptível ao homem médio, revelando-se a extrema brutalidade das agressões que vitimou a criança Ian, agredida violentamente, ceifando-lhe a vida".

A juíza determinou, ainda, uma notificação com máxima urgência à Promotoria de Justiça com Atribuição perante a Infância e Juventude, à Vara Cível da Infância e Juventude e ao Conselho Tutelar "para a adoção das necessárias providências quanto ao acautelamento e cuidados necessários" da criança de 4 anos. 

Histórico de agressão

O processo aponta ainda a suspeita que a mãe da vítima tinha sobre a madrasta e possíveis omissões por parte do pai. Durante conversa com os militares, ela afirmou que o filho já chegou em sua casa outras vezes machucado e com lesões pelo corpo, inclusive da última vez, com um sangramento no ouvido. Por isso, a criança não queria ir para a casa do pai e chorava bastante.

Para a juíza, a conduta do homem também deve ser apurada 'de modo aprofundado e com os rigores que o caso requer", salientando o fato de que a criança estava na companhia exclusiva de seu genitor há quase 15 dias "e ao relato de sua mãe ao condutor de que a criança, pouco antes, já havia apresentado sinais de agressões, inclusive com sangramento no ouvido". 

O homem responde, ainda, a uma ação penal pela prática de ameaça contra a ex-companheira e mãe de Ian.