Há exatas quatro semanas o técnico de enfermagem Gerônimo Batista Pires encarou um plantão caótico na UPA Barreiro, que ele ainda não sabia que seria o último de sua vida. Sete dias depois, Gerônimo deu entrada no Hospital Júlia Kubitschek onde foi internado em um leito de CTI. Ele morreu na madrugada deste domingo (26) após três semanas de luta contra a Covid-19.
Gerônimo é o primeiro profissional de saúde da rede pública municipal da capital mineira a morrer de coronavírus, segundo o Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos de Belo Horizonte (Sindibel). A instituição propôs para a próxima terça-feira (28) um minuto de silêncio em homenagem a Gerônimo e a tantos outros profissionais que atuam na linha de frente do combate à pandemia de Covid-19.
Ainda muito abalada, a vice-presidente do sindicato, Hilda Alexandrino, relembra a situação conturbada que a UPA Barreiro encontra-se. Ela é funcionária da enfermagem lotada na unidade de saúde, mas por integrar o grupo de risco está cumprindo suas funções à distância. “Nós estamos sem chão. Todos os meus companheiros da UPA estão sem chão, inseguros e com medo. O Gerônimo doou a própria vida para salvar a vida dos outros. Ele deu a vida naquele plantão. A história dele está mexendo com todo mundo”, desabafa.
Hilda conta que no domingo caótico de plantão oito pacientes aguardavam transferência para leitos de CTI na sala de emergência da UPA Barreiro. Cada um deles permaneceu cerca de 12 horas à espera, sendo que a sala da unidade de saúde é equipada apenas com seis leitos e dois respiradores mecânicos. “Foi o último plantão dele e o dia mais caótico na UPA”, relembra.
Secretário-geral do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CMS-BH), o médico Bruno Pedralva esteve com Gerônimo àquele dia. “Aquele plantão foi absurdo, o sistema praticamente colapsou. Estive pessoalmente com o Gerônimo naquele dia, conversei com ele e ele estava destruído, cansado, suado e trabalhando muito. Uma semana depois ele já tinha ido para o CTI”, detalha.
O técnico de enfermagem atuou durante todo o dia na sala de emergência onde a situação dos pacientes era muito preocupante, esta aliás é uma das razões para que tantos profissionais ligados à enfermagem sejam infectados com o coronavírus.
“As condições de trabalho são precárias, os espaços são pequenos. Era necessário que houvesse uma retaguarda maior para que os pacientes permanecessem o menor tempo possível na UPA. Os profissionais da enfermagem são os mais próximos desses pacientes, permanecessem desde a entrada na UPA até a saída para o leito de hospital, nós estamos na linha de frente”, afirma Hilda.
Uma preocupação, de acordo com ela, é que a maior parte dos profissionais de saúde da rede municipal estão sobrecarregados. “Alguns precisaram ser afastados por suspeita ou confirmação de Covid-19. Com isso, a sobrecarga fica maior porque não estamos conseguindo repor os profissionais. Então quem fica, acaba trabalhando mais. Sem mencionar que profissionais de enfermagem costumam ter dois empregos, justamente pela defasagem dos salários”, aponta.
Relato do Sindibel denuncia que a situação também é preocupante nas UPAs Oeste e Venda Nova. Segundo Hilda Alexandrino, mais de 20 profissionais da UPA Barreiro submeteram-se a testes particulares de Covid-19 e testaram positivo. “Nós tínhamos essa listagem com mais de 20 profissionais, isso na semana passada. Agora a Prefeitura de BH está testando, parece que estamos em surto”, denuncia.
Procurada por O TEMPO, a secretaria de Saúde de Belo Horizonte não confirmou a informação do Sindibel e disse que mais detalhes sobre a denúncia apresentada pelo sindicato devem ser repassados nesta segunda-feira (27).
O Secretário Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Jackson Machado Pinto, emitiu uma nota de pesar lamentando o falecimento do servidor. "Seu empenho e dedicação serão sempre lembrados por todos os amigos e colegas. Aos familiares, amigos e colegas de trabalho, externamos nossos votos de paz e solidariedade", disse o gestor.
Atualizada às 19h20.