Rotina intensa

Bombeiros contam como é caminhar rumo aos incêndios

Diante da época mais crítica, bombeiros relatam as dificuldades de controlar o fogo. Só nos 15 primeiros dias do mês, foram seis ocorrências por hora em Minas Gerais

Por Lucas Morais
Publicado em 27 de setembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Era mais um dia com o horizonte de setembro tomado pelo cinza do tempo seco e a fumaça dos incêndios florestais. Bem cedo, o cabo Jefferson chegava ao batalhão do Corpo de Bombeiros na avenida Antônio Carlos, na região da Pampulha, e já se preparava para mais uma rotina intensa de trabalho. Nas costas e nas mãos, ele carregava mais de 30 kg, entre uma mochila com 20 litros de água, abafadores e enxada. A ocorrência: uma queimada de grandes proporções na Serra da Farofa, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte.

"O local possuía uma mata muito fechada e as chamas atacavam a copa das árvores e o solo. Por ser uma região de floresta mais antiga, a camada de folha seca chegava a atingir 50 centímetros. Com isso, ela pegava fogo rapidamente e era literalmente como se o chão estivesse queimando. Qualquer desatenção, o bombeiro pode mergulhar nesse braseiro", relatou. Na linha de frente de combate às queimadas em Minas Gerais, o relato do cabo mostra as dificuldades de quem atua diretamente com o fogo, assim como brigadistas, voluntários e toda uma equipe mobilizada.

A maioria dos casos, segundo Jefferson, são criminosos ou acidentais. "Bastava a pessoa se colocar no nosso lugar ou de algum morador que teve a sua propriedade devastada pelo fogo, que provavelmente ela não cometeria mais esse crime", acrescentou. Diante de uma das estiagens mais severas dos últimos 99 anos, o número de ocorrências de incêndios se multiplicam cada vez mais. Só nos primeiros 15 dias de setembro, foram pelo menos seis a cada hora em Minas Gerais – a maioria é de incêndio em lote vago ou vegetação urbana não protegida. Já em extensão, as áreas mais atingidas ficam em unidades de preservação.

"As dificuldades são várias. Dentre elas, à exposição às chamas. Por isso, é preciso estar bem treinado, posicionado na cena do incêndio para minimizar esses riscos. Dentre outras, também temos o deslocamento. Geralmente, são chamas em locais mais isolados, não é possível se aproximar utilizando algum veículo, e ainda é preciso carregar uma série de materiais", resumiu. Conforme o cabo, os trajetos chegam a ter mais de quatro quilômetros em mata fechada. Em algumas situações, ainda há combate no período noturno, como ocorreu na última semana na região de Sabará. "Isso vai da situação, da avaliação da integridade do militar e do conhecimento da área", enfatizou.

Jornadas podem superar 24 horas

Há mais de 12 anos na corporação, cabo Ulick tem na lembrança diversos incêndios em que já participou. "Não há um horário para terminar, vai depender muito das circunstâncias e do tipo de incêndio que você está combatendo. Às vezes, pode ser em um lote vago, que em poucos minutos os focos são encerrados. Já quando é uma área muito extensa, pode virar dias ou até semanas. Já fiquei mais de 24 horas em um mesmo combate", relatou. Entre os casos que mais marcaram a carreira do bombeiro, está a queimada que devastou mais de 16.000 hectares do Parque Nacional Serra do Cipó, em Santana do Riacho, na região Central do estado.

Ao todo, foram 10 dias de trabalho incansável, com mais de 100 bombeiros e brigadistas no combate direto às chamas. "Foi muito intenso, por ser uma região de difícil acesso, na maioria das vezes só é possível chegar a pé. E é uma serra muito próxima de nós, com uma biodiversidade gigantesca. Estivemos lá durante todo esse período e acabei sentindo muito. Acaba que nos sentimos na responsabilidade de cuidar dessa riqueza ambiental. Conseguimos extinguir os focos, apesar de ter consumido boa parte do parque", desabafou.

E até o momento de fazer necessidades básicas, como se hidratar ou urinar, se torna um grande desafio nesses combates. "Vai depender muito do local em que estamos. Se for em uma área urbana, conseguimos alguém para fornecer água e dependendo da situação até um alimento. Mas, em locais isolados, é mais complicado. A questão do banheiro é oportunidade, cabe a cada um encontrar o melhor meio", explicou. Cada bombeiro leva um cantil com água, porém nem sempre o volume é suficiente para um dia de trabalho.

'A prioridade é salvar vidas', diz tenente

Nos meses de agosto e setembro, a intensificação do tempo seco, combinado com a vegetação castigada pela falta de chuvas, faz os chamados de combate aos incêndios dispararem por todo o estado. Em muitas situações, o número de focos é superior à quantidade de equipes disponíveis, que ainda precisam atuar em ocorrências rotineiras, como acidentes e afogamentos. "É uma dificuldade, mas tudo é planejado. Quando há mais demanda do que condição de fazer frente, a prioridade é salvar vidas", pontuou a tenente Walquíria Coelho.

Em relação aos incêndios, a militar explica que o planejamento é iniciado a partir do momento que a equipe é acionada. "Quando chega a ocorrência, já vem informações básicas, como local, tipo de terreno, se o fogo está alto ou não, se está perto de residências. Ao chegarmos ao local, quando percebemos o que de fato é, em questão de segundos já determinamos uma maneira de atuação. E isso depende de vários fatores, como o clima, sentido do vento, área com casa. Tudo isso para priorizar ações", destacou.

Caso existam pessoas em risco, a tenente contou que o primeiro procedimento é retirar das residências ou edificações próximas às chamas. "Se tiver mais de uma guarnição, enquanto um faz a retirada, o outro já vai montando os equipamentos, como as mangueiras esticadas entre a viatura e o local. O combate também fazemos em fases, primeiro pela nossa própria segurança, e vamos avançando à medida que os focos vão permitindo, até que seja extinto por completo", finalizou.

 

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