Trabalho voluntário

Brigadistas florestais lutam contra chamas em ano com 50 incêndios diários em MG

Estado conta com cerca de 800 voluntários, que usam as horas livres para unir forças ao trabalho do Corpo de Bombeiros e proteger o meio ambiente

Por Gabriel Rezende
Publicado em 10 de outubro de 2023 | 05:00
 
 
 
normal

Com recursos próprios e nas horas vagas, cerca de 800 pessoas enfrentam incêndios em matas e florestas de Minas Gerais, conhecida por sua rica biodiversidade. Esse grupo de heróis civis — os brigadistas florestais voluntários — une forças aos trabalhos do Corpo de Bombeiros e dedica tempo e esforço para proteger o meio ambiente dos impactos dos incêndios, quase sempre provocados por ações humanas. 

A atuação desse grupo é fundamental para evitar a propagação de incêndios que podem destruir ecossistemas, afetar a qualidade do ar e contribuir para o aquecimento global. Segundo dados do Corpo de Bombeiros, em quatro anos, o número de incêndios florestais praticamente dobrou, saltando de 10.169 em 2018 para 19.331 em 2022. Em 2023, até o início de setembro foram registrados 13.881 — ou seja, mais de 50 por dia ou dois a cada hora. 

"Ser brigadista é um ato de coragem", afirma a servidora pública Ana Carina Roque, de 36 anos, vice-presidente da Brigada 1, uma das organizações mais atuantes no Estado, fundada em 2003 e com sete núcleos espalhados por sete cidades mineiras. "Ser voluntário é doar parte do seu tempo, das suas habilidades, do seu amor, por algo maior: ajudar a sociedade", prossegue.

Em Minas Gerais, existem cerca de 20 brigadas voluntárias, com 800 integrantes, segundo dados da Rede Nacional de Brigadistas Florestais (RNBV). A entidade lembra que a criação de novas brigadas é um processo dinâmico e que existem outros tipos de brigadas florestais que não são voluntárias e que atuam na preservação ambiental.

Vida dupla

Aos 24 anos, Evellyn Viana trabalha como cuidadora de idosos em Mateus Leme, na região metropolitana de Belo Horizonte, cidade onde também mora. A rotina de trabalho é conciliada com estudos para se tornar bióloga. Nas horas vagas, a jovem atua como brigadista voluntária. Quando conversou com a reportagem, ela combatia um incêndio na mata da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Evellyn já havia trabalhado no dia e deslocou mais de 60 quilômetros, de Mateus Leme para a região da Pampulha, em BH, numa noite de uma terça-feira. “Eu tento ser útil para a sociedade e para a natureza”, diz a jovem, que passou pelo curso de brigadista em meados deste ano.

A formação pela Brigada 1 inclui plantões aos fins de semana no Parque do Rola Moça, onde a organização possui uma base. “Trabalho a semana inteira, 12 horas por dia, e quando sei que vou dar plantão, sinto uma alegria, fico ansiosa para chegar logo”, diz.

O professor de direito Humberto Macedo, de 49 anos, alterna as obrigações como docente com as atividades de brigadista. Mas as áreas de atuação estão ligadas, já que no direito ele também atua com questões relacionadas à preservação do meio ambiente. A paixão pelo tema vem da infância.

“Desde jovem, fui escoteiro. Meu avô já tinha essa mentalidade ecológica, quando ninguém falava sobre o assunto. Eu, pelo fato de ser advogado, fiz minha tese sobre sustentabilidade. O serviço de brigadista me fez unir alma e coração”, diz.

"Sou professor, cumpro com minhas atividades, e a gente combate incêndios nas horas vagas, de noite, aos fins de semana. É o 'happy hour' do brigadista. Ao invés de boteco, vai para o fogo", acrescenta.

Recursos próprios e falta de amparo legal são desafios

Os desafios enfrentados pelos voluntários podem ser destacados em dois temas principais: dificuldade para obtenção de recursos e falta de amparo legal para exercer as atividades. Os custos com Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) por brigadista, por exemplo, chegam a R$ 800.

Eles incluem balaclava de proteção antichama, gôndolas (um tipo de jaleco resistente às chamas), botas de proteção contra chamas, capacetes e lanternas. As brigadas conseguem alguns itens por doação e unem esforços para comprar outros. Mas as dificuldades não param por aí.

Além de precisarem dispor de recursos próprios para atuar nas ocorrências, como meio de transporte, alimentação e os EPIs, alguns brigadistas enfrentam dificuldade na liberação dos postos de trabalho, devido à ausência de uma legislação que regulamente a atuação.

“O principal desafio é trabalhar para uma legislação que fomente nossa atividade no Brasil, para a gente conseguir ter um custo zero do empenho. Hoje, a nossa realidade — não só de brigadistas florestais, mas do trabalho voluntariado no Brasil — é de custos. Muitas vezes temos que renunciar o transporte, a alimentação”, afirma o presidente da Brigada 1, Leonardo de Oliveira, que também é professor de geografia do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG).

Segundo ele, muitas vezes, os brigadistas são acionados em momentos não programados. “A gente precisava pensar em um escopo legislativo que tivesse liberação do posto de trabalho, com tempo remunerado, liberação sem falta, enfim, repensar toda uma estrutura. Um amparo maior e uma segurança para desempenharmos nossas atividades”, analisa.

A vice-presidente da Brigada 1, Ana Carina Roque, reforça que os voluntários abdicam das horas livres para atuarem em defesa do meio ambiente. “É muito comum os brigadistas atuarem durante a noite, aos fins de semana, que é quando temos mais disponibilidade. Alguns só conseguem ir para o incêndio depois do trabalho”, diz.

Impactos dos incêndios

A atuação dos brigadistas é fundamental para evitar incêndios florestais com impactos devastadores para o meio ambiente. Além da perda de vegetação, que é essencial para a manutenção do equilíbrio ecológico, as chamas liberam grandes quantidades de poluentes atmosféricos. Elas também afetam negativamente a fauna, destruindo habitats e ameaçando a sobrevivência de diversas espécies.

A avaliação é da bióloga Yumi Oki, doutora em Entomologia pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora na área de Ecologia da UFMG. "Os gases liberados pelo fogo podem provocar tanto problemas respiratórios em humanos, que vivem próximo às áreas afetadas, como podem afetar também a fauna", afirma.

A especialista adverte que as mudanças climáticas têm ocasionado "temperaturas mais altas e secas mais severas, favorecendo ainda mais a queima da vegetação e os incêndios florestais de grande proporção".

Nas florestas tropicais, predominantes em Minas Gerais, praticamente todos os incêndios são causados por ações humanas. Isso se deve à grande umidade do bioma, que praticamente inviabiliza queimadas naturais, provocadas, por exemplo, por raios. 

Trabalho com o Corpo de Bombeiros

A prevenção e o combate a incêndios é uma atribuição do Corpo de Bombeiros em Minas Gerais. O órgão também é o responsável por treinar e habilitar brigadistas que atuam em incêndios florestais, por meio de convênios junto ao poder público e as brigadas. 

A corporação classifica como “fundamental” o apoio dos brigadistas nos incêndios, "sobretudo para oferecer a primeira resposta”, e reforça que, em ocorrências de “alta complexidade”, os brigadistas, “se possuírem a classificação ofertada pela corporação, podem ampliar o atendimento”. 

Como ser brigadista voluntário florestal

Para se tornar um brigadista florestal, é necessário passar por treinamento e adquirir habilidades específicas para lidar com situações de emergência em ambientes naturais. Informações podem ser consultadas diretamente no site das brigadas. 

Na Brigada 1, o curso, normalmente com periodicidade anual, tem duração de quatro dias, divididos em dois fins de semana, com atividades práticas e teóricas. 

O que é necessário para ser brigadista florestal? 

  • Ter idade igual ou maior que 18 anos;
  • Participar dos 4 dias do curso;
  • Apresentar um atestado médico com o devido carimbo e nº de registro do médico no CRM (Conselho Regional de Medicina) declarando que o interessado está em perfeitas condições físicas e mentais para as atividades de combate a incêndios florestais;

Mais informações podem ser obtidas no site da Brigada 1.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!