Barragem

Brumadinho: governo de MG e Vale negociam acordo sem ouvir vítimas da tragédia

Representantes das famílias e comunidades afetadas alegam que, se firmado, acordo levará a mineradora a economizar cerca de R$ 24 bi ante o último cálculo de indenização

Por Estadão Conteúdo
Publicado em 13 de novembro de 2020 | 10:17
 
 
 
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O governo de Minas e a Vale iniciaram a negociação de acordo sigiloso que exclui da discussão os atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho. Os advogados dos representantes das famílias das vítimas e comunidades afetadas alegam que, se firmado, o acordo levará a mineradora a economizar cerca de R$ 24 bilhões ante o último cálculo de indenização. A empresa e o Estado confirmam a negociação, mas não dizem por que os atingidos não participam da discussão nem revelam o novo valor.

A Vale e o governo dizem apenas que a quantia é uma contraproposta à indenização estipulada inicialmente. O rompimento da barragem de Brumadinho ocorreu em 25 de janeiro de 2019 e deixou 272 mortos. Onze corpos continuam desaparecidos. No último dia 4, um despacho do desembargador Newton Carvalho, do Tribunal de Justiça mineiro, decretou sigilo sobre a negociação em curso.

Ontem, o tribunal derrubou essa decisão, mas, mesmo assim, os dados continuam em segredo. Segundo o Instituto Guaicuy, que dá assessoria técnica independente às pessoas e comunidades atingidas, não houve acesso aos documentos até ontem à noite. As associações que representam as vítimas dizem que a Justiça manteve a confidencialidade do documento, o que permite a consulta dos materiais só pelas partes envolvidas - e as famílias estão excluídas do processo. 

Advogados que tiveram acesso a dados iniciais das negociações disseram que o governo de Minas e a Vale estariam fechando proposta de acordo de R$ 28 bilhões, dos quais R$ 21,5 bi seriam para obras na Bacia do Paraopeba e R$ 3 bilhões iriam para investimentos sociais no terceiro setor coordenados pelo Ministério Público de Minas (MP-MG).

Outros R$ 3,5 bilhões seriam separados para o governo do Estado. O Guaicuy afirma que o acordo, “feito a portas fechadas entre o governo e a Vale”, desconsidera a produção de relatórios que apontavam para a necessidade de indenização bem maior, de R$ 54 bilhões. “Na prática, o acordo será feito sem o conhecimento da dimensão completa dos prejuízos provocados pelo desastre”, destacou o Guaicuy, em nota enviada à reportagem.

Para o advogado Pedro Andrade, especialista em Direito Popular do Guaicuy, “a Constituição não só diz que a população tem direito de participar dos acordos em desastres ambientais como afirma que os atos judiciais nesses casos devem ser públicos, salvo em casos muitos específicos”. Em 28 de agosto, o MP-MG, a Defensoria e o próprio governo de Minas pediram que a mineradora fosse condenada a indenizar o Estado por perdas econômicas de R$ 26,6 bilhões e a pagar indenização por danos morais coletivos e sociais calculados em R$ 28 bilhões. Caso a multinacional e o governo fechem este novo acordo, o valor inicialmente previsto seria, na prática, descartado.

Exclusão

O doutor em Direito Constitucional José Luiz Quadros de Magalhães, professor da Universidade Federal de Minas (UFMG) e da PUC Minas, classificou como “absurdo jurídico” a negociação sigilosa. “Isso é um acordo lamentável, pelo segredo e pela exclusão das pessoas interessadas. Absurdo jurídico, moral e humano”, disse ele.

Ainda não há definição sobre valores do acordo

A Vale confirmou que tem conversado com o governo de Minas e instituições de Justiça federais e estaduais, “visando a um possível acordo em benefício de todo o Estado e especialmente das populações de Brumadinho e municípios impactados da calha do rio Paraopeba”.

A empresa, porém, disse que só dará mais informações nos autos do processo, que corre em sigilo. “Ainda não há definição de valores para um eventual acordo”, destacou. O Executivo mineiro também admitiu que negocia acordo, mediado pelo TJ de Minas, com a mineradora, a título de reparação de danos socioeconômicos e socioambientais causados pelo rompimento da barragem. Ministério Público e a Defensoria de Minas participam do acordo.

Conforme o governo, em petição conjunta apresentada em agosto passado, da qual também foram signatários o MP Federal, a Defensoria da União e a AGU, foi apresentado pedido total de R$ 54,6 bilhões, sendo R$ 28 bi por danos morais coletivos e sociais e R$ 26,6 bi a título de compensação à sociedade mineira”.

Em outubro, no entanto, houve, segundo o governo, uma primeira audiência de conciliação no Poder Judiciário. “A Vale apresentou contraproposta - no momento, sob segredo de justiça. O governo e instituições jurídicas apresentaram petição solicitando a quebra do sigilo”. Segundo o governo de Minas, os “valores de projetos e destinação” mencionados, pelos advogados das associações de atingidos, “não condizem” com a contraproposta apresentada

Posição do Governo de Minas

Após a publicação desta reportagem, o Governo de Minas negou, em nota, que o acordo com a Vale seja sigiloso. "Uma primeira audiência de conciliação no Tribunal de Justiça foi realizada em 22 de outubro, após a qual representantes do Estado prestaram esclarecimentos à imprensa, inclusive. Após essa audiência, a empresa Vale enviou sua proposta, que foi colocada inicialmente sob segredo de justiça, quebrado na última quinta (12). O pedido de quebra do sigilo em relação à proposta foi peticionado pelo Governo do Estado ao Tribunal de Justiça, por meio da Advocacia-Geral do Estado (AGE), pela Advocacia-Geral do União, pelo Ministério Público Federal, pelo Ministério Público de Minas Gerais, pela Defensoria Pública de Minas Gerais e pela Defensoria Pública da União", informou.

O governo também afirmou que, nas duas últimas semanas, ocorrem três audiências públicas, sendo uma online com mais de  a 1.700 acessos simultâneos, além de reunião com movimentos sociais.  "O governador recebe atingidos representados por associação de familiares de vítimas e atingidos, tendo o último encontro sido realizado em 21 de outubro", informa a nota. "Caso o acordo seja firmado, parte dos projetos serão decididos diretamente pelas comunidades atingidas, com amplo processo de participação", garantiu. 

Ainda segundo o governo de Minas, um acordo visa evitar uma batalha jurídica e iniciar a reparação de danos socioambientais imediatamente, porém ele não vai interferir em "ações sobre direitos individuais dos atingidos. As ações individuais constituem processos à parte", diz a nota. 

Além disso, o governo de Minas comentou os valores oferecidos pela Vale na proposta de acordo, e informou que a considera "insuficiente em razão do volume dos danos socioeconômicos causados pelo rompimento da barragem", diz a nota. "Os recursos serão destinados a contas específicas para aplicação em projetos que priorizam a região diretamente atingida, caso o acordo seja firmado em especial nas áreas de Saúde, Educação, Assistência social, Saneamento básico e Mobilidade", informa.

Matéria atualizada às 14h42

 

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