Seja na roda de amigos, comemoração de aniversário ou um almoço de família aos domingos, José Oswaldo Faria sempre combinava essas ocasiões especiais com uma cerveja, a sua bebida preferida. E a marca era uma só: os produtos da Backer. Apaixonado pela vida e os encontros sociais, o empresário era fã número um e até carregava com orgulho itens especiais da empresa, como um avental, para todos os cantos.

Em janeiro de 2019, a alegria de viver de Oswaldo deu lugar às preocupações. Tudo começou com dores abdominais, náuseas e vômitos, que depois evoluíram para um quadro grave de alterações neurológicas e insuficiência renal. "No início, eu ficava feito uma louca estudando o caso dele, junto com os médicos, porque não existia parâmetro. Conversei com especialistas no país todo", conta a esposa, Eliana Reis, 62 anos.

Só um ano depois, casos como o de Oswaldo apareceram com mais frequência, o que daria início a chamada "doença misteriosa do Buritis". Assim que a Polícia Civil iniciou a investigação, veio a surpresa: a intoxicação por dietilenoglicol – substância usada no processo de resfriamento das cervejas – pela Backer. Mesmo com a descoberta, o empresário não resistiu aos 522 dias de UTI e quase 30 infecções e faleceu em junho. "Ele era sinônimo de segurança, meu amor de 36 anos, tudo para mim. O ano de 2020 foi o pior da minha vida, um sofrimento diário. E eu sei como ele lutou para sobreviver", emociona.

Passados um ano desde o início das investigações e pelo menos 29 vítimas identificadas, sendo que 11 morreram, o caso foi desvendado e a corporação concluiu o inquérito de quatro mil páginas. Na perícia, foi apontado que um furo em um dos tanques de cerveja provocou o vazamento da substância tóxica em lotes da marca – um funcionário sem a qualificação necessária para a função repunha o produto. Relatórios obtidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento também mostrou um modo rudimentar de controle de qualidade na fábrica, que fica no bairro Olhos D'água, na capital.

A denúncia só foi oferecida pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em setembro, contra 10 pessoas, entre sócios-proprietários e responsáveis técnicos, por crimes como homicídio culposo, lesão corporal culposa e adulteração de bebidas. Desde então, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) correm dois processos, um criminal e outro cível. Por conta do recesso de fim de ano, a última movimentação, segundo o órgão, aconteceu em novembro – nenhum indiciado ainda foi ouvido e nem responsabilizado. 

Porém, parte das vítimas começou a receber na Justiça repasses referentes às despesas médicas, através de comprovação. Conforme a última atualização do TJMG, 11 pessoas já tiveram os primeiros pagamentos e outras foram cadastradas para encaminharem documentos que apontem os danos causados pela intoxicação. Procurada, a Backer não se pronunciou sobre o assunto.

Reparação lenta

Assim como Oswaldo, o engenheiro Vanderlei de Paula Oliveira, 38, teve os primeiros sintomas da intoxicação pelo dietilenoglicol antes mesmo da descoberta dos casos. Depois de três meses de CTI e outros dois de internação, ele deixou o hospital em julho de 2019, ainda sem saber o que tinha afetado tão drasticamente o quadro de saúde. "Até então, achavam que era a Síndrome de Guillain Barré e foi feito o tratamento", afirma.

Ações normais do dia a dia, como conversar, escovar os dentes e comer, se tornaram praticamente impossíveis. "Por mais que eu tenha voltado a falar, ainda tenho paralisia facial, dificuldades com certas palavras e expressões faciais. Não consigo sorrir. E ainda tem a hemodiálise, três vezes por semana, por cinco horas, o que se tornou um problema na pandemia, já que corro riscos", enfatizou. 

Mesmo com as dificuldades intensas de 2020, Vanderlei lembra das vitórias em relação ao caso, como o início de uma recuperação na saúde e de negociações com a Backer para reparar o dano causado. "Pelo menos identificaram na Justiça alguma atividade criminosa, ou não correta, que causou a intoxicação. A partir daí, muito tardiamente, a empresa começou a olhar para o lado, e não para frente como deveria, mas pelo menos isso, e iniciaram algumas negociações, mas nada muito concreto ainda", destacou.

E para o ano de 2021, Vanderlei espera que a Justiça seja feita em prol de todas as vítimas, vivas e falecidas. Com muita luta no tratamento e na fisioterapia, ele também tem conseguido progressos, como conseguir pegar as filhas pequenas, de 3 e 7 anos, no colo, mesmo que rapidamente, e se alimentar sozinho. "São pequenas tarefas que as pessoas não dão atenção, mas quando voltei a fazer, ajudou muito no psicológico. E também retornei ao trabalho, em home office", finaliza.

Esperança 

O advogado Guilherme Leroy, que representa cinco vítimas que tiveram a contaminação por dietilenoglicol confirmadas, também fez um balanço do período. Para o especialista, a investigação foi bem conduzida pela Polícia e o MPMG tomou as medidas cíveis e criminais cabíveis. "Sabemos que a Justiça demora, mas tivemos sim movimentações das instituições e a empresa mudou um pouco o seu comportamento, com o pagamento de auxílios emergenciais", cita.

Porém, Leroy lembra que a luta segue ao longo do novo ano para que as indenizações – até hoje nenhuma vítima recebeu nada da Backer – sejam concluídas. "Isso vai ajudar para que as pessoas possam pelo menos ter seus direitos garantidos e tentar reconstruir a vida".