Região Central

Cidade que bancaria show milionário tem 35% da população em situação de pobreza

Conceição do Mato Dentro tem pouco mais de 17 mil habitantes, sendo que mais de 6 mil são dependentes do Auxílio Brasil; população reclama que falta de tudo, de médicos a condições de se alimentar

Por Aline Diniz, Juliana Siqueira e Pedro Nascimento
Publicado em 31 de maio de 2022 | 19:16
 
 
 
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Enquanto 35% das famílias vivem na pobreza ou na extrema pobreza em Conceição do Mato Dentro, na região Central de Minas, o valor da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) produzido pela atividade minerária no município só cresce.  Entre os anos de 2018 e 2021, o valor passou de R$ 32.431.332,53 para  R$ 668.792.431,34, um aumento de 1.987%.  Ao mesmo tempo que a cidade recebe milhões todos os anos, há 6.152 habitantes dependentes do Auxílio Brasil - programa do governo federal para lares com renda de até R$ 210 por pessoa. O município tem cerca de 17.500 habitantes.

A situação chama ainda mais a atenção após a polêmica envolvendo a contratação milionária de artistas para a 30ª Cavalgada do Jubileu do Senhor Bom Jesus Do Matozinhos, programada para o próximo dia 20 de junho. A prefeitura fez um contrato com famosos na ordem de R$ 2,3 milhões. O de valor mais elevado foi firmado com o cantor Gusttavo Lima, estabelecido em R$ 1,2 milhão. A repercussão negativa foi tanta que a atração foi cancelada. Porém, uma pergunta continuou no ar entre muitos moradores da cidade: como um município onde claramente as pessoas precisam tanto de assistência pública, dada a condição de pobreza/extrema pobreza em 35% dos lares, planejou destinar toda essa verba para artistas?

A aposentada Maria Cleusa de Jesus, de 64 anos, é uma das pessoas que necessitam da assistência pública municipal, porém encontra várias adversidades para conseguir uma consulta médica. A reportagem encontrou com a idosa no posto de saúde Vila Caetano. A mulher disse estar com a ‘garganta tapada’, mas relata ter sido informada de que não havia médicos nos horários da manhã e da tarde, somente à noite. Esse tipo de situação, diz ela, é corriqueira.

“O médico estava vindo no dia que queria vir. ‘A menina’ falou que uma médica estava vindo dia sim, dia não. Hoje, vim procurar e não achei”, diz ela. Ainda segundo Maria Cleusa, os problemas que ela tem tido em relação à saúde local “atacaram seu psicológico”, nas palavras dela. Assista: 

Conforme O TEMPO mostrou, obra de hospital a cidade até tem, mas está parada. Em uma imagem afixada na parede do local, há a informação de que a construção teve início em 10 de julho 2019, com término previsto para 18 meses adiante. Ou seja, já era para estar pronta há mais de um ano. Orçada em R$ 10 milhões inicialmente, a obra deverá ser entregue em outubro de 2023, conforme informações da prefeitura (leia mais abaixo). Além do hospital parado, o município conta com o Hospital Imaculada Conceição, com o qual tem um convênio (ou seja, não é próprio), e com uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

Desilusão

É com tristeza no olhar e com certa resignação que a dona de casa Maria de Lourdes Santos, de 54 anos, resume a situação dela: “Estou aí”, diz, com um suspiro. Essas poucas palavras trazem consigo uma situação desesperadora: sem dinheiro para comprar gás, a mulher precisa cozinhar no fogão à lenha.

Viúva há três anos, ela tem como única fonte de renda o Auxílio Brasil - pouco mais de R$ 400. Maria de Lourdes conta que a prefeitura da cidade dá uma cesta básica de “três em três meses” para ela. A mulher sofre para dar conta de pagar tudo. Ela relembra as contas como água e luz, e conclui, como se fosse um peso: “E tem que comprar as coisas para comer”. Assista: 

Uma questão de prioridade

Relatos como o de Maria Cleusa e de Maria de Lourdes levam a uma palavra: prioridade. É essa a palavra que o economista e presidente da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, usa para debater a atual situação de Conceição do Mato Dentro. Ele destaca que a arrecadação de verba nas cidades não é infinita e que, por isso, a utilização deve ser estratégica.

“Esses recursos têm melhor destinação: na verdade, é uma questão de prioridade. Deve haver bom senso. O orçamento compreende escolhas. E esses recursos que são gastos com shows Brasil afora, inclusive shows esses que acontecem muito mais em épocas de anos eleitorais, poderiam estar sendo gastos com outras finalidades. Poderiam estar sendo gastos com saúde, educação, construção de creches, postos de saúde, escolas”, diz ele.

A questão, aliás, vai além de uma simples escolha. De acordo com a própria Agência Nacional de Mineração (ANM), os recursos da CFEM devem ser aplicados em projetos que direta ou indiretamente levem benefícios para a comunidade local, na forma de melhoria em saúde, educação, infraestrutura e qualidade ambiental. Outro ponto é que a lei federal 13.540, de 2017, orienta que pelo menos 20% dos recursos da CFEM sejam preferencialmente destinados à diversificação econômica - o que afetaria positivamente e diretamente o número de empregos. Porém, para Castello Branco, muitas vezes o que fala mais alto é a luta pelo voto do cidadão, agora ou no futuro.

“O que nós observamos é que muitas vezes, nos anos eleitorais, os políticos acham que os shows acabam lhes dando votos, seja nas próximas eleições, seja em eleições futuras. Esses shows são realizados por valores altíssimos porque causam uma ilusão no cidadão de que os shows são gratuitos. Na verdade, não são. Os shows são pagos  e pagos por todos nós, por valores, inclusive, muitas vezes, exorbitantes”, destaca ele.

Prefeitura

A reportagem procurou a prefeitura de Conceição do Mato Dentro e contou a história das entrevistadas. Foi questionado se o município oferece benefícios para os cidadãos e se houve algum corte. Em nota, a prefeitura respondeu que "a Lei Municipal que rege a concessão dos benefícios eventuais é a 2014/2013, nela consta todos os auxilios previstos", porém não deu mais detalhes. O executivo ainda acrescentou que "não houve cortes de nenhum benefício, pelo contrário houve significativo aumento de benefícios, sobretudo durante a pandemia como o Apoio Emergencial Municipal", entretanto, não deu números sobre esse crescimento.

A situação da saúde na cidade e da falta de médicos também foi questionada. O TEMPO perguntou ainda para onde vão os recursos da CFEM recebidos pelo município. A prefeitura não deu retorno sobre essas perguntas, e o espaço segue aberto para posicionamento.

Já sobre o hospital parado, em nota, a prefeitura de Conceição do Mato Dentro afirma que a paralisação da obra ocorreu em 20 de maio deste ano. Segundo o executivo municipal, o contrato com a empreiteira responsável foi encerrado e, no momento, a construção está parada aguardando novo processo de licitação.

Leia a nota na íntegra

A Prefeitura de Conceição do Mato Dentro informa que a obra do Hospital Municipal, com previsão inicial de conclusão no segundo semestre de 2021, teve o contrato com a empreiteira responsável encerrado. 

Devido à pandemia da Covid-19, houve um aumento exorbitante no preço dos materiais de construção, o que não estava previsto no orçamento inicial. Portanto, no momento, a construção encontra-se paralisada aguardando o novo processo de licitação. 

Informamos ainda que toda a estrutura da edificação encontra-se intacta, sem nenhum problema estrutural. O reinício da obra está previsto para outubro deste ano e o novo prazo de entrega para outubro de 2023. 

A obra conta com vigilantes 24h por dia, incluindo fins de semana e feriados.

 

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