À espera

Com fila de 22 mil em BH, falta de médicos desafia aumento de cirurgias eletivas

Espera por intervenções pode agravar o quadro de saúde dos pacientes, em meio à dificuldade dos gestores para obter recursos

Por Gabriel Rezende
Publicado em 14 de fevereiro de 2023 | 06:00
 
 
 
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A rede pública de saúde de Belo Horizonte inicia 2023 com cerca de 22 mil pacientes na fila de espera por uma cirurgia eletiva. Otorrino, ortopedia, urologia, neurologia e cirurgia geral são as especialidades com maior demanda. Embora esforços tenham sido mobilizados para aumentar o número de procedimentos — afetados pela pandemia da Covid-19 devido à utilização de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) — a falta de médicos, especialmente anestesistas, é um desafio para os gestores. 

A espera pelas intervenções pode agravar o quadro de saúde dos pacientes. É o caso do pequeno Josué Amorim Rodrigues, de 2 anos. Desde outubro de 2021, a família espera por um procedimento para tratamento do pé torto congênito, que o impede de andar. "É muito demorado. É uma espera sem fim. A gente sofre porque vemos nosso filho sofrer", afirma a mãe, Sabrina Pâmela de Amorim, de 32 anos.

"Ele não consegue firmar os pés no chão. Ele tenta, mas não consegue. Isso retarda o desenvolvimento. Ele já deveria ter feito a cirurgia há muito tempo", lamenta Sabrina. Segundo ela, as ligações para os centros de saúde à procura de um prazo para o procedimento são frequentes: "Aguarde. É demorado mesmo", é a resposta que ela sempre ouve, conforme relata.

Os dados são divulgados em meio à aprovação, em dois turnos na Câmara Municipal de Belo Horizonte, do Projeto de Lei (PL) 156/2021, que aumenta a transparência em relação à marcação de cirurgias eletivas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Belo Horizonte. O texto segue para redação final e, em seguida, será levado para sanção ou veto do prefeito da capital mineira, Fuad Noman (PSD). A proposta prevê aos pacientes verificar a posposição para a marcação do procedimento.

Em 2022, foram realizadas em Belo Horizonte, pela rede SUS, cerca de 30 mil cirurgias eletivas, alta de 35% em relação a 2021. Em novembro do ano passado, a média era de 3,2 mil procedimentos por mês, números próximos aos patamares anteriores à Covid-19. Contudo, insuficientes para resolver um problema que antecede a pandemia. 

A falta de médicos, principalmente anestesistas para realizar as operações pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é o grande desafio para reduzir a fila, avalia a subsecretária de Atenção à Saúde de Belo Horizonte, Taciana Malheiros. Do público à espera do procedimento na saúde pública de BH, 64,4% são pacientes belo-horizontinos e 35,2% de outros 500 municípios do Estado, cadastrados na Central de Internação da Secretaria Municipal de Saúde. 

Mais do que investimentos em ampliação de leitos hospitalares e construção de centros cirúrgicos, a subsecretária afirma ser importante olhar para as escalas médicas incompletas. “O grande desafio que temos é a força de trabalho. Para além da ampliação estrutural, é importante considerar que os profissionais são essenciais para conseguirmos essa ampliação da oferta de cirurgias eletivas”, afirmou.

A solução para a falta de médicos na rede SUS passa por melhorar as condições de trabalho, avalia o médico e ex-secretário de saúde de BH Jackson Machado. “Vamos encontrar essa dificuldade enquanto não tiver uma carreira no país para médicos e profissionais de saúde”. Segundo ele, para atrair os profissionais, é necessário investir em estabilidade e na possibilidade de promoção para os cargos. 

“A remuneração no SUS não é reajustada há anos. Os profissionais muitas vezes não se sentem motivados financeiramente e preferem atender pelo plano de saúde”, afirma, opinando que não faltam profissionais formados e, sim, condições atrativas de trabalho na rede pública. 

Não é 'opcional' 

"Cirurgia eletiva não significa procedimento opcional", pontua a médica e pesquisadora em cirurgia e sistemas de saúde em Harvard, Isabella Faria. A demora para realizar os procedimentos em decorrência da fila de espera pode trazer repercussões negativas para os pacientes e contribuir para piora clínica e avanço de doenças. 

"A cirurgia eletiva significa que, no momento do agendamento, o paciente não corria risco de perder a vida. Algumas vezes, são cirurgias essenciais para melhorar a qualidade de vida. Em outras, são procedimentos que podem evitar a morte, como no caso de detectar um câncer", pontua. 

Dores e outras complicações também podem piorar com a demora, prejudicando o paciente em diversos aspectos da vida pessoal, considera a especialista. "É importante a gente lembrar que essa fila não é apenas um número. Cada paciente na fila é uma pessoa, com uma história médica e uma história pessoal própria, e essa demora pode ser angustiante para quem aguarda há tanto tempo", completa.

Sustentabilidade financeira 

Melhorar as condições de trabalho para atrair mais médicos e conseguir oferecer mais consultas à medida que falta dinheiro, inclusive para manter a operação de hospitais, é obstáculo para o SUS. Na avaliação da subsecretária Taciana Malheiros, a “sustentabilidade financeira” da rede pública de saúde está ameaçada. “Cada vez mais, os municípios estão aportando mais recursos para sustentar os serviços de saúde”, afirma. 

Por falta de verba pública, o Hospital São Francisco, no bairro Santa Lúcia, região Centro-Sul de Belo Horizonte, esteve na iminência de suspender os atendimentos. A unidade chegou a anunciar que fecharia as portas, mas recuou, garantindo a permanência do serviço por mais três meses. O hospital é referência em procedimentos ortopédicos — um dos grandes gargalos na fila de espera de cirurgias eletivas da rede SUS. 

"É uma preocupação. É importante colocar que no caso do Hospital São Francisco, a Secretaria Municipal de Saúde tem feito o pagamento em dia de todos os recursos disponibilizados tanto pelo governo federal quanto pelo governo estadual. Mas o que temos visto ao longo dos anos é um grande desafio financeiro para sustentar os serviços da rede SUS em geral", afirmou a subsecretária. 

Desfasagem da tabela SUS

Operações na rede privada e em instituições filantrópicas podem ser custeadas pelo saúde pública. O que seria um caminho para desafogar a demanda de cirurgias eletivas esbarra na defasagem da chamada Tabela SUS, usada como referência para definir a remuneração de prestadores de serviço. Segundo dados do Conselho Federal de Medicina (CFM), com base em levantamento realizado em novembro de 2022, 84% dos procedimentos não tiveram nenhum reajuste nos últimos dez anos. 

Em outubro de 2022, a Prefeitura de BH realizou um chamamento público para identificar instituições de saúde privadas interessadas em realizar procedimentos e reduzir a fila de espera para cirurgias eletivas. Entretanto, conforme a subsecretária Taciana Malheiros, a defasagem da tabela SUS, considerando o valor de mercado, "é um fator que influencia na adesão dos hospitais à oferta de serviços".

Respostas 

Ainda durante a campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que assumiu o Executivo federal em 2023, prometeu que a recomposição estaria entre as prioridades do governo. Aliada do petista e nomeada ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet também havia se comprometido com a causa.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a redução das filas de espera para procedimentos cirúrgicos "é prioridade da nova gestão". Também pontuou que "a medida necessita de um conjunto de estratégias para seu enfrentamento".

"O Sistema Único de Saúde (SUS) é tripartite e descentralizado, com financiamento e gestão compartilhados entre a União, que cofinancia as ações e serviços e elabora as políticas públicas, e os estados e municípios, que complementam o cofinanciamento e executam as ações na ponta". completa a nota..

Não há dados atualizados sobre o número de pacientes que aguardam na fila de espera de cirurgias eletivas em Minas Gerais. A reportagem questionou a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). Em nota, a pasta informou ser de responsabilidade municipal a gestão da fila de acesso aos procedimentos.

Porém, em setembro de 2021, o secretário estadual de Saúde afirmou que a fila de espera em toda Minas Gerais era de mais de 300 mil pacientes.

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