Cerveja contaminada

Com rosto paralisado e 11 quilos mais magro, vítima da Backer diz querer justiça

Cristiano Mauro Assis Gomes teve alta nesta sexta-feira após passar 75 dias internado no hospital

Por Pedro Ferreira
Publicado em 06 de março de 2020 | 20:52
 
 
 
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Depois de passar 75 dias hospitalizado, o psicólogo e professor da UFMG Cristiano Mauro Assis Gomes, de 47 anos, uma das vítimas de contaminação pela cerveja Backer, finalmente voltou para casa nesta sexta-feira (6), com 11kg a menos e o rosto todo paralisado, pois perdeu a expressão facial. 

Não desejo para ninguém da Backer o que eu passei, disse. Eu não quero mais dela humanidade, eu quero é justiça. Ela é responsável por tudo que aconteceu, reclamou Cristiano, que tem dificuldade para falar.

Ele recebeu a imprensa em sua casa assim que deixou o hospital. Disse estar muito feliz com o retorno, que é grande a dificuldade de recuperação, que os músculos da face estão paralisados e que vai continuar fazendo hemodiálise três vezes por semana. Ando com muita dificuldade. É um desafio movimentar cada perna”, disse.

Cristiano contou ainda que o seu sentimento é de estranheza, porque, até 19 de dezembro, era professor de pós-graduação na UFMG e com uma atuação profissional muito intensa, assim como sua vida familiar, com atividades nacionais e internacionais. Porém, já nos dias 26 e 27 de dezembro, sua grande luta era respirar, com uma dor insuportável cada vez que respirava. Era uma dor terrível no pulmão, comentou. 

A caminho de casa na sexta-feira, voltando do hospital, Cristiano passou mal no carro. Ele disse que enjoou e quase vomitou. Meu corpo até esqueceu como é andar de carro”, relatou.

Ele conta que sempre gostou de desafio. E quando a Backer não nos atende da maneira que está fazendo, eu reforço o meu desafio de luta. Quero ver até quando ela não vai se sensibilizar e quando começará a ser uma empresa um pouco mais justa", disse.

Cristiano ficou 44 dias no Centro de Terapia Intensiva (CTI), e sempre pedia morfina para amenizar a dor que sentia. Eu estive lúcido o tempo inteiro e as notícias externas chegavam pela minha esposa e parentes, comentou. 

Quando ficou sabendo que a causa disso tudo era a cerveja Belorizontina - ele comprou três caixas numa promoção e bebeu cerca de 30 garrafas do dia 30 de novembro ao dia 23 de dezembro - a reação dele foi dizer: Isso é o Brasil, conta. Depois, eu falei que é preciso mudar esse país de empresários corruptos e insensíveis, que só pensam em lucro, acrescentou.

Antes de adoecer, ele pesava 87kg e agora está com 76kg. No hospital, ele chegou a pesar 120kg, devido ao acúmulo de água no corpo.

“A Backer nunca prestou qualquer assistência, nunca deu um telefonema, nunca foi ao hospital, nunca nos ligou”, reclamou a mulher de Cristiano, a psicóloga hospitalar Flávia Schayer. 
Segundo ela, a sexta-feira foi especial para ela e para a filha do casal, Isabella, de 18 anos, para toda a família e amigos com o retorno de Cristiano para casa.

No hospital, segundo ela, quando olhava fotos do marido antes, corpo atlético, levando uma vida saudável, ela tinha vontade de chorar. A filha a repreendia dizendo que o pai dela estava vivo e que queria ele de volta.

“Batia um sentimento de tristeza, de angústia e indignação. Quando você olha a foto dele antes e como ele está agora, e ele com uma lista de remédio gigantesca… Antes, ele não tomava nenhum medicamento. Hoje, ele é um paciente dialítico, e parece que não tem volta isso. Você imagina fazer hemodiálise, ficar três vezes por semana, 4 horas por dia, ligado a uma máquina?”, lamenta Flávia.

Segundo ela, a temperatura pode estar 40 graus que o marido sente muito frio, que chega a usar duas blusas e quatro cobertores, pois sente muito frio. A pressão dele, que antes era boa, chegou a 24/12, segundo ela. “Agora ele toma dois medicamentos pra hipertensão, dos mais fortes”, disse.

De tão alta a pressão dele no hospital, vasos dos olhos chegaram a estourar, comentou. “Meu marido chegou a pesar 120kg, inchado, com acúmulo de água. Não tinha perna, não tinha joelho,  não tinha pé. Era tudo uma massa o corpo dele”, comentou. “Para colocá-lo numa cadeira, precisava de oito pessoas, usando um lençol, pois ele chorava de dor”, disse.

Flávia reclamou que precisou a Justiça determinar à Backer o pagamento dos gastos com os pacientes, mas, até hoje, não receberam qualquer tipo de ajuda financeira.

Gastos

Flávia fez um levantamento dos gastos com o marido com o tratamento dele em casa, como aluguel equipamentos, como cadeira de banho. O total dos gastos chega a R$ 33,9 mil. De medicamentos que o marido precisa tomar, R$ 1.775,58.

A família ainda paga fonoaudiólogo, além da profissional do hospital, porque ele está com o rosto paralisado. “Ele não tem expressão facial nenhuma. Ele não vai sorrir”, disse.

Esportista

Segundo ela, Cristiano era uma pessoa extremamente trabalhadora, muito esportista, chegou a ser campeão mineiro de futsal. “Ele praticava atividade física de segunda a segunda, com alimentação super regrada. Ela pesa a alimentação dele, ele come comida saudável. E agora? Agora ele está numa condição, com uma lista de medicamentos”, lamentou.

Ele não tomava nenhum medicamento antes. É um paciente com pressão alta, dialítico, que tem dificuldade de ir ao banheiro, que precisa de um assento especial, que não consegue às vezes tomar banho sozinho, precisa de barra, de cadeira de banho. Isso é muito triste, muito triste, mesmo”, disse.

Cerveja

Flávia conta que em 29 de novembro do ano passado compraram três caixas de Belohorizontina num supermercado do Buritis, numa promoção da Black Friday, totalizando 45 garrafas.

No dia 30 de novembro, eles foram para um sítio de amigos e Cristiano consumiu sete garrafas e passou mal à noite. “Tivemos que ir embora do sítio por volta das dez da noite porque ele sentiu muita dor abdominal, enjoo e vomitou”, disse Flávia.

Cristiano não precisou ir ao hospital e dois dias depois o organismo dele estava recuperado. “Cristiano sempre teve o hábito de tomar uma latinha ou uma long neck antes de dormir, dava um conforto para ele, bem estar, mas tínhamos cervejas de 600ml.

E como era férias, ele veio tomando a cerveja o mês inteiro até culminar em 23 de dezembro, quando ele não levantou mais da cama, o dia todo com dor abdominal, e ele foi ao Biocor. Ele foi internado com urgência no dia 24.

No dia 25 ele já entrou no CTI para fazer hemodiálise, para implantar o cateter. No dia 29, ele já entrou para o CTI em estado grave e daí foram paralisando todos os movimentos, ele entubado, e foi um circo de horror. “Ele só conseguia mexer um dedo”, disse Flávia, lembrando que o marido era tão forte que a carregava com um único braço. “Meu esporte agora, meu grande desafio, é dar um passo”, disse Cristiano.

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