Alessandra virou ativista da causa. Inês foi pesquisar a fundo o tema e o levou para dentro da faculdade. Dany virou parceira na balada para conhecer o novo universo; Nívia* escolhe acessórios, roupas e ajuda na transformação. Eliane “compra” todas as brigas para defender sua cria. Apesar de nem sequer se conhecerem, essas mulheres têm um ponto em comum: mães, elas não rejeitaram seus filhos ou suas filhas quando esses se revelaram homossexuais, e, mais do que acolher, todas buscaram alternativas para ajudá-los, tornando real, à sua maneira, o dito popular: “em coração de mãe sempre cabe mais um”. No peito delas só não cabe preconceito nem discriminação, mas transbordam coragem e amor.
No dia 9 de junho de 2002, lembra-se bem a aposentada Inês de Azevedo, 61, seu filho Renato, então com 20 anos, chegou à sua casa e, após o almoço, contou ser gay. Inês caiu no choro por dias, mas usou a poesia para se levantar. “Olhos molhados /Voz trêmula /Entrega total à ‘Mãe’ /Dor profunda, infinda /Maior ainda é o amor /A nossa obrigação? /Procurar a felicidade, aliviar o mal /E aquele domingo comum /Transformou-se em domingo especial /Perdoar? /É preciso não /Apenas compreensão”, recitou durante a entrevista.
Quando pensou em se perguntar “onde foi que errou”, nas palavras de Inês, logo respondeu a si mesma: “não há nada de errado”. Moradora de São Domingos do Prata, cidade do Vale do Aço com 18 mil habitantes, a aposentada acredita que foi acordada para a vida naquele domingo. “Que começaria com um esforço descomunal para me livrar das amarras impostas pela religião ou pela sociedade”, escreveu, dessa vez na monografia de pós-graduação em psicopedagogia que fez sobre o tema, três anos depois, em 2005.
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Intuição
Para muitas mães, a descoberta sobre a homossexualidade do filho vem bem antes do dia da revelação. “Meu filho veio até mim confirmar o que eu já desconfiava no coração de mãe”, disse Inês. Em alguns casos, esse instinto materno é tão forte que o filho nem precisa contar que é gay. “Hiago nunca disse para mim. Eu já sabia desde que ele era criança e pedia para usar meus saltos”, contou a microempresária Eliane Aparecida Ferreira, 41, que, no dia da entrevista, demonstrou a sintonia que tem com o filho em risadas, tiradas e muita sinceridade.
Eliane é daquelas mães superprotetoras, que liga toda hora, quer saber de tudo e enfrenta o preconceito no grito, desde a época de escola, quando Hiago raspou a sobrancelha e foi “zoado”. Recentemente, uma colega de trabalho do filho o discriminou, e Eliane foi lá tirar satisfação, mas a mulher já havia sido demitida. “Mexe comigo, mas com ele, não. Sou mãe de três, mas ele é minha paixão, vou defender até a morte”.
Mesmo sem saber o significado da sigla LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), Eliane briga pelos direitos do grupo. “É raro você ver um gay que está numa boa com os pais. Eu tive muita sorte, ela é uma mãezona. Meu pai não comenta sobre o assunto, mas me respeita”, disse Hiago Júnior Louzada, 23, que optou por usar o sobrenome do pai na entrevista.
Entre as várias pessoas que a reportagem entrou em contato, oito mães não quiseram falar, apesar de terem sido indicadas como exemplos de quem “aceitou” a sexualidade dos filhos. A justificativa da maioria era para não expor a situação ao restante da família. Além de mães, também tentamos pais, busca que se mostrou ainda mais difícil. *Nívia não pôde se identificar à reportagem e recebeu nome fictício porque o pai do seu filho gay e drag queen “nem sonha em saber disso”, confidenciou.
“Os pais têm que se perguntar: será que é só a sexualidade do meu filho que importa? E se ele é legal, amoroso, responsável?”, propõe a psicoterapeuta Sheila Reis, especialista em sexualidade humana.
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Revelação do primogênito virou tema de monografia
O tema da monografia de Inês de Azevedo “Conhecimento e amor: fim do preconceito, um estudo sobre a homossexualidade” foi escolhido após ela ouvir de um parente palavras em tom pejorativo sobre o filho Renato Ribeiro, 34. Para fazer o trabalho, ela entrevistou homossexuais, transexuais, travestis, líderes comunitários, médicos e especialistas. “Queria mesmo era conhecimento para falar com mais propriedade. Se eu conseguir pelo menos confundir o leitor, já terá valido a pena”, afirmou. Ela tirou total no exame.
Logo depois que Renato revelou ser gay à mãe, ele ligou para perguntar se podia ir à casa dela novamente. “Eu disse: se você não puder vir à minha casa, meu filho, nada mais caberá aqui. E quando ele veio, estava com a fisionomia bem mais alegre. Parecia que antes de me contar, se sentia abafado”, lembra. O pai de Renato soube da sexualidade do filho por Inês. Ele também chorou, ficou triste, mas reafirmou que é o filho que queria ter.
Desde então, todos convivem bem. Renato leva os namorados na casa dos pais, assim como faz a irmã mais nova. “Se nós, pais, não abrirmos os braços e o coração, a sociedade tem o direito de fazer o que quiser não é mesmo?”, resume Inês.
FOTO: Mariela Guimarães/O Tempo |
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Cumplicidade entre mãe e filho é elogiada por amigos |