Capital

Cresce arrecadação com multas, mas cai investimento em trânsito

Mesmo tendo recolhido quase R$ 20 milhões a mais em 2021 do que em 2020, aplicação, até novembro, foi a menor em oito anos

Por Pedro Nascimento
Publicado em 31 de janeiro de 2022 | 03:00
 
 
 
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Avançou sinal vermelho, parou em local proibido, esqueceu de pagar o rotativo ou passou por um radar acima da velocidade indicada? É certo que a conta vai chegar. Em 2021, após um ano de baixa por conta da pandemia do coronavírus, a arrecadação com multas por parte da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) voltou a crescer (5,4%) na capital mineira. Mas, apesar da retomada, o investimento desses recursos em ações voltadas para o trânsito pode ser o menor já registrado desde 2013 – quando os dados começaram a ser divulgados.

Segundo a Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smobi), até o mês de novembro de 2021, foram arrecadados R$ 88,4 milhões com multas pagas. No mesmo período, apenas 56% desse valor (R$ 49,8 milhões) havia sido revertido para a finalidade principal dessas penalidades, que são os investimentos em melhorias no trânsito, como a implementação de faixas de pedestre, manutenção de semáforos, serviços de fiscalização e campanhas educativas.

Mesmo com a ausência dos dados relativos a dezembro, os números da prefeitura mostram uma queda na média de investimentos em trânsito ao longo do ano passado. Em 2020, quando a arrecadação foi menor (R$ 83,8 milhões), foram aplicados R$ 69,5 milhões em trânsito de janeiro a dezembro – quase R$ 20 milhões a mais que em 2021 –, uma média de R$ 5,7 milhões por mês. Neste ano, até novembro, a média mensal é de R$ 4,1 milhões.

Consequências
Para o consultor de transporte e trânsito Silvestre Andrade, a falta de investimento pode refletir em uma piora no trânsito no futuro, quando a circulação de veículos voltar aos níveis que antecederam a pandemia do coronavírus. “Ainda estamos vivendo um momento em que as coisas não estão funcionando 100%. Há muitas escolas e universidades operando remotamente, o fluxo de veículos ainda não voltou a ser o que era. Mas, quando retornar, certamente teremos a certeza de que o trânsito piorou”, explica.

Andrade diz que a conversão dessas multas em benefícios para o trânsito é uma medida necessária para a manutenção dos equipamentos de fiscalização da cidade e também para o investimento em campanhas educativas para os motoristas. “A multa, para além do caráter punitivo, tem um viés educativo. O motorista precisa saber no que ele errou, como isso prejudica o trânsito e como ele pode melhorar. O dia que a multa for apenas uma fonte de recurso para a cidade, ela perde seu propósito”, avalia.

É esse o ponto questionado pelo taxista Charles Alcântara, 43, que no ano passado foi autuado por dirigir na pista do Move – o que é permitido para os táxis – com os faróis apagados durante o dia. “Pelo regulamento, realmente eu estava irregular. Mas, por outro lado, não tinha nenhum agente, nenhuma sinalização que alertasse a esse respeito. Acredito que isso poderia ser uma advertência, e não uma multa”, critica o taxista.

Gasto varia de acordo com a demanda, diz PBH
A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) justificou a queda de investimentos em trânsito à demanda menor de melhorias a serem feitas nas ruas. “Em 2020 (de janeiro a novembro), os investimentos utilizados com recursos de multas de trânsito foram de R$ 64 milhões. No mesmo período em 2021, foram R$ 49 milhões. Essa utilização é realizada conforme a demanda de implantações e manutenções, que durante a pandemia foram menores quando comparamos com os recursos utilizados no mesmo período de 2019, com R$ 70 milhões”, argumenta o Executivo.

Ainda segundo a PBH, mesmo com pouca demanda, as ações não deixaram de ser realizadas e os investimentos continuaram, como a implementação de faixas exclusivas de ônibus. “Seja na alteração de circulação de uma via ou na implantação de uma travessia de pedestres na porta de uma escola, na implantação de faixas exclusivas para ônibus ou novas ciclovias, em todas há a necessidade de algum tipo de sinalização que utiliza os recursos vindos das multas de trânsito”, alega.

Dinheiro tem outras destinações
Desde 2016, o dinheiro pago pelos motoristas infratores deixou de ser exclusivo para investimentos relacionados ao trânsito e passou a abastecer os caixas das prefeituras, do Estado e da União, para ser usado em diversos fins. Em Belo Horizonte, até novembro passado, a prefeitura ‘faturou’ cerca de R$ 195 milhões com o recurso das infrações. A maior transferência ocorreu em 2017, quando cerca de R$ 48 milhões em multas foram parar nos cofres do município. A Prefeitura de BH (PBH) justificou que os recursos destinados ao tesouro municipal são aplicados no custeio de diversos programas do município, não especificados.

Essa mudança na destinação dos recursos ocorreu após aprovação da Emenda Constitucional nº 93, que permite que União, Estados e municípios possam gastar até 30% dos valores arrecadados com multas e outras infrações como acharem mais conveniente. A emenda vale até o fim de 2023.

Professor de direito na faculdade Dom Helder Câmara e especialista em contas públicas, Luís André Vasconcelos explica que essa mudança na legislação, feita pelo governo Michel Temer, foi realizada para atender um período de crise econômica e possui regras específicas.

"Nos termos do artigo 320 do código de trânsito brasileiro, a receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito deverá ser aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. Trata-se portanto de uma receita vinculada, ou seja, com destinação específica. Há uma resolução do Contran que fixa quais são essas ações. No entanto, estamos na vigência da emenda constitucional que permitiu a desvinculação de receitas públicas. Ou seja, 30% do valor arrecadado pode ser incorporado pelo patrimônio municipal para aplicação em qualquer finalidade”, explica.

Para o consultor e especialista em trânsito e transporte público Osias Baptista, essa é uma medida válida, mas que deve ser observada com cautela. “É difícil avaliar quais são as prioridades no momento de crise. O dinheiro dos infratores de trânsito está sendo arrecadado e, em tese, deveria ser utilizado em benefício do trânsito, mas nós estamos em um momento de crise, no qual é necessário investir muito na saúde. É melhor ter um trânsito um pouquinho mais sofrido neste momento”, avalia o consultor. 

Baptista acrescenta que, em momento de dificuldades, como as impostas pela pandemia, “temos que rever os conceitos, mas os investimentos em melhorias do trânsito devem ser mantidos”. 

Raio-x
Confira quanto a prefeitura arrecadou com multas de trânsito nos últimos anos e como esse dinheiro foi investido
 
2021 (até novembro)
Arrecadado: R$ 88.415.110 (Score: 5,4% superior ao valor de 2020)
Gasto: R$ 49.868.220
Tesouro municipal: R$ 25.205.046

2020 (ano todo)
Arrecadado: R$ 83.868.670
Gasto: R$ 69.595.401
Tesouro municipal: R$ 22.854.136

2019
Arrecadado: R$ 130.738.344
Gasto: R$ 78.114.766 
Tesouro municipal: R$ 37.961.097 
 
2018
Arrecadado: R$ 118.973.322
Gasto: R$ 81.973.809
Tesouro Municipal: R$ 35.691.996

2017
Arrecadado: R$ 114.428.206
Gasto: R$ 76.484.754
Tesouro municipal: R$ 48.776.411

2016
Arrecadado: R$ 95.695.939
Gasto: R$ 85.785.426
Tesouro municipal: R$ 24.372.400

2015 *
Arrecadado: R$ 79.259.973
Gasto: R$ 80.571.779
Tesouro municipal: R$ 0

2014 *

Arrecadado: R$ 78.821.380
Gasto: R$ 96.762.914
Tesouro municipal: R$ 0
 
2013 *
Arrecadado: R$ 96.664.062
Gasto: R$ 112.002.252
Tesouro municipal: R$ 0

Glossário
Arrecadado = Multas pagas ao município (não necessariamente aplicadas no mesmo ano corrente)

Gasto = Investimentos feitos em melhorias do trânsito (implantação e manutenção de sinalização, engenharia de tráfego e campo, fiscalização e policiamento e campanhas para segurança e educação no trânsito)

Tesouro municipal = Dinheiro revertido para os cofres da prefeitura para uso em fins diversos


* Os recursos arrecadados com as multas começaram a ser destinados, em partes, para o Tesouro municipal a partir da aprovação da Emenda Constitucional 93/2016, que prevê a utilização livre de 30% das receitas relativas a impostos, taxas e multas, não sendo aplicada às receitas destinadas à saúde e à educação.

Fontes: Agência Senado, PBH e BHTrans

 

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