No LinkedIn, o currículo do suspeito de matar o gari Laudemir de Souza Fernandes, Renê da Silva Nogueira Júnior, tem uma série de inconsistências. Ele alegava ter formação na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, na Universidade de São Paulo (USP) e em Harvard, nos EUA. Todas as instituições, porém, negaram vínculo com o empresário. Ele não é o primeiro a apresentar incoerências no currículo e, no caso dele, a informação se tornou pública. Mas, no geral, quais são os riscos de falsear informações sobre a experiência e a formação para conseguir um emprego?
“Se eu, como recrutadora, pego seu currículo e seu LinkedIn, testarei suas competências na entrevista. Se você diz que sabe inglês fluente, posso iniciar a entrevista em inglês e, se você mentir, pego na hora. Se diz que tem Excel avançado ou usa ferramentas tecnológicas de Business Intelligence, posso dizer que vamos fazer um teste para criar a planilha na hora”, exemplifica a diretora da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil) Mariana Reis.
A mentira é comum no Brasil. Um levantamento da empresa de recursos humanos MyDNA analisou 6.000 currículos disparados no mercado brasileiro em 2018 e concluiu que 75% tinham informações distorcidas.
Um extremo é mentir sobre ter se formado em instituições onde não se concluiu um curso de fato. “Algumas pessoas dizem ter concluído a faculdade quando a abandonaram, por exemplo, ou trancaram, ou pode acontecer de incluírem pós-graduações, MBAs ou cursos que sequer fizeram. Mentem trazendo instituições de prestígio, grandes universidades e centros acadêmicos simplesmente para dar uma floreada no currículo e chamar um pouco mais de atenção. Isso é um risco, porque existem plataformas em que você pode descobrir a verdade se for feita uma verificação. Há a consulta ao Ministério da Educação (MEC) para cursos superiores no Brasil e você também pode entrar em contato com a universidade para fazer esse tipo de verificação”, acrescenta o presidente do braço mineiro da ABRH, David Braga.
Do outro lado da entrevista de emprego, os recrutadores se atentam às invenções. Quase 70% deles afirmam já ter eliminado candidatos do processo seletivo ao flagrarem mentiras, de acordo com um levantamento da empresa global de soluções de recrutamento e consultoria de negócios Robert Half.
O flagra depende, contudo, da habilidade do recrutador. Uma técnica comum entre os RHs têm sido as entrevistas por competência, explica a diretora da ABRH Brasil Mariana Reis. “Testamos as competências que as pessoas apresentam no currículo com perguntas de exemplos práticos do que fizeram no passado. Se disser ter habilidade de liderança, pedirei exemplos práticos de liderança em que tenha engajado equipes. Pegamos muitas pessoas que dizem que fizeram algo, mas não fizeram e não conseguem tangibilizar o que estão afirmando”, diz a especialista.
Ela também comenta que a empresa pode pedir os comprovantes de conclusão dos cursos informados pelo candidato, embora mesmo nesse caso haja margem para mais mentiras. “Corre o risco de a pessoa falsificar o certificado, o que pode gerar até questões legais, porque as instituições podem processar a pessoa”, diz a especialista em recrutamento.
Se o recrutador ignorar todos os alertas vermelhos e mesmo assim contratar o fraudador, a mentira ainda pode ser pega no escritório, lembra o especialista em recrutamento na Robert Half Otavio Lima. “Obviamente, a pessoa pode ser demitida. Estamos falando de caráter do profissional, então isso pode até prejudicá-lo futuramente em referências. Se o profissional não tem a capacidade que ele mesmo falou que tem, conhecimentos técnicos e tudo mais, isso pode ter um impacto negativo e até mesmo o desligamento”, reflete.
O que faz um bom currículo?
Além de habilidades técnicas e formação adequada para o cargo, o que faz um bom currículo e uma entrevista de emprego é a veracidade do profissional, diz o presidente da ABRH MG, David Braga. “Em vez de mentir, acho que é importante trazer a realidade. Se o curso foi trancado, deixar isso claro no currículo, em qual período trancou. Destacar suas habilidades reais, mesmo às vezes sem experiência direta, mostrar como suas competências se aplicam àquela vaga e usar palavras honestas”, aconselha o especialista. Ele também acrescenta o conselho habitual dos recrutadores: investir em mais qualificações.
A diretora da ABRH Brasil Mariana Reis sublinha que incluir experiências curtas e pontuais no currículo também é interessante, desde que o candidato saiba descrever o que aprendeu com elas. “O currículo não pergunta quantas vezes você fez uma coisa. Se você fez uma vez o que o mercado está pedindo e tem um exemplo prático para trazer, pode colocar no currículo”, pontua.
Ela também recomenda atenção a cada palavra utilizada no currículo e no perfil do LinkedIn, pois hoje é protocolar que, antes de cair nas mãos dos recrutadores, os candidatos sejam filtrados por plataformas de inteligência artificial (IA). “Antes de convencer o recrutador, você tem que convencer o robô. Você tem que usar as palavras-chave para descrever sua experiência na sua área de atuação. As melhores formas de descobrir quais são é perguntar ao ChatGPT ou a outra IA e também olhar a descrição do cargo. Nessa descrição, estão todas as rotinas do cargo, ferramentas e técnicas e as palavras-chaves”, aconselha.