Ao ouvir falar da reabertura do Templo Cervejeiro, no bairro Olhos D’Água, na região Oeste de BH, restaurante anexo à fábrica da Backer, no último sábado, e do relançamento dos rótulos Capitão Senra e Pilsen – agora produzidos pela Cervejaria Germânia, em Vinhedo (SP) –, o diretor da Vallourec Antônio Carlos Mendes de Oliveira, 57, volta no tempo. “Sou um cervejeiro, ia lá, levava minha família e amigos. Nunca passou pela minha cabeça que isso poderia ocorrer. Tento lembrar o que me levou a comprar a cerveja aquele dia e só me vem a confiança que eu tinha na marca”, diz.

Ele tomou Belorizontina nos dias 30 e 31 de dezembro e foi internado em 3 de janeiro. Quatro dias depois, estava intubado. Oliveira só se deu conta do que havia lhe ocorrido no fim de março. “Minha memória foi apagada. Ao chegar ao hospital, fui direto para a diálise no CTI, meus rins estavam paralisados. Minha vista, muito turva”, recorda. 

Ele perdeu totalmente a visão e não consegue andar. De 7 a 27 de março, desenvolveu um mecanismo de defesa mental denominado “síndrome do encarceramento”: “Criei outra história para mim, para minha família. E, quando voltei, não conseguia aceitar minha realidade”. Logo que retirou a traqueostomia, Oliveira não falava. E passou 164 dias internado. “Sei do que sou e do que fui capaz. Estava no auge da minha carreira”.

A volta para casa foi marcante, com a energia em alta. Semanas depois, veio a depressão. Mas o dia a dia, as pequenas vitórias, “valorizar a simplicidade da vida”, apontam um novo caminho, segundo ele. “Há dias em que está tudo claro, já consigo, mentalmente, clarear o local, imaginar onde estou, recriá-lo. E tem dias que é tudo escuridão”, compara.

Com relação à reabertura do Templo Cervejeiro e tentativas de ressarcimento ou acordo com a empresa, ele é cético. “Infelizmente, já vai para quase um ano, e o processo se arrasta”, diz. Oliveira não teve até hoje nenhuma despesa médica custeada pela Backer. Pagou tudo com plano de saúde e recursos próprios.

Balanço. Das 29 vítimas do caso Backer, 11 já comprovaram despesas e obtiveram liberação de valores, de acordo com a Justiça. A cervejaria depositou R$ 200 mil em conta vinculada ao processo cível. Desse valor, até o momento, foram aplicados R$ 115.318,55. Apenas uma das vítimas, o professor da UFMG Cristiano Gomes, conseguiu acordo com a empresa para gastos médicos.

Nas redes sociais, a Backer diz ser a principal interessada no esclarecimento do caso e alega que tem colaborado com as investigações. “Fechar as portas definitivamente seria o caminho mais fácil, mas não para nós. Temos muito orgulho da história que escrevemos nos últimos 20 anos, e ela continuará a ser escrita”, declara.

A Backer informa ainda que, enquanto não forem definidas as responsabilidades, adotará providências como prestar assistência médica em prol das vítimas e seus familiares, por meio de conceituada sociedade da área de saúde. Eles se referem ao Hospital Residência. “Temos grande esperança em solucionar o quanto antes todos os conflitos pendentes, sem a necessidade de pronunciamentos da Justiça”, diz.

Bancário aguarda pedido de custeio
O calvário de Luciano Guilherme de Barros começou em dezembro de 2019, no Mater Dei, onde passou 180 dias. Primeiro paciente a ser internado, em um dia ele foi parar no CTI, onde perdeu, ao longo da difícil jornada até a alta, 35 kg e parte da visão e da audição. “Cheguei a voltar para o quarto, mas, alguns dias depois, comecei a inchar. Já não podia nem mover os músculos do rosto, até hoje não dou conta de mexer a boca. Não consigo mais sorrir”, lembra o bancário.

A dormência na face é comum a outras vítimas, também intoxicadas pelo dietilenoglicol presente nas cervejas contaminadas da Backer. No CTI, ele se recorda apenas de dores e de sentir uma onda de proteção e ajuda o sustentando. “Não via nada, mas ouvia uma voz que dizia: ‘Você não vai cair’”, diz.

Por causa do dietilenoglicol, ele teve uma perfuração no intestino e perdeu 70 cm do órgão. “A Backer ainda não nos pagou um centavo. Entramos com pedido para pagamento do aparelho de audição. Estamos aguardando”, lamenta Barros. Além do processo cível, há também um criminal contra a Backer e sete funcionários da cervejaria. Segundo a procuradora Vanessa Fusco, “o Ministério Público estará diligente em busca da comprovação dos fatos narrados na denúncia.”