Nem mesmo no meio do mato é possível escapar das notícias que dão conta das 165 mortes e dos 155 desaparecidos na tragédia da Vale em Brumadinho. E enquanto centenas de viúvas, órfãos e familiares ainda choram, os moradores de São José do Jassém, distrito da zona rural de Conceição do Mato Dentro, no Alto Jequitinhonha, vivem perto de uma barragem quatro vezes maior do que a da mina de Córrego do Feijão. Desde 2010, quando a estrutura começou a ser construída, os moradores lutam para que a Anglo American os retire de lá, mas, até então a empresa não reconhecia a comunidade de 200 famílias como impactada diretamente. Agora, a mineradora mudou de ideia e abriu diálogo para realocação.
“Já existem planos de realocação para outras comunidades. Até então, como Jassém fica a 12 km da barragem, totalmente segura, não tínhamos incluído essa comunidade no plano. Do ponto de vista técnico e de segurança, nada mudou. O que mudou foi o medo das pessoas de viver perto de barragem, o que é natural após tragédias”, explicou à reportagem o diretor de assuntos corporativos da Anglo, Ivan Simões.
Segundo ele, ainda não há uma data para a retirada das famílias, mesmo porque primeiro será feito um levantamento topográfico e de todas as condições e modo de vida, inclusive, para saber quem realmente quer deixar o local definitivamente. Segundo os moradores, esse é o desejo da maioria.
São vizinhos de uma barragem com capacidade para 51 milhões de m³ de lama de minério – a da mina de Córrego do Feijão tinha 13 milhões de m³ –, com medo de que aconteça o mesmo. Essa preocupação têm crescido junto com a barragem que, neste momento, está sendo alteada (altura aumentada). Em três anos, terá a capacidade quadruplicada.
“Eles falam que estamos a 12 km de distância, mas nós sabemos medir. Estamos a 8,5 km. Os técnicos da UFMG já mediram. Eles falam que estamos seguros porque, em caso de rompimento, demoraria duas horas e 25 minutos para a lama chegar no Jassém. Mas é questão de minutos. Temos que nos unir, pois não podemos ser os próximos”, disse a moradora Ivanilde Pacífica Neves, 38.
“É impossível a gente não ficar preocupado, ainda mais depois do que aconteceu em Brumadinho. A Anglo até instalou sirene, mas o ponto de apoio é 1,5 km morro acima. Não dá para gente correr”, desabafa José Maria da Silva, 52.
A estrutura onde a Anglo American despeja os rejeitos do minério que retira da mina em Conceição do Mato Dentro para levar até o Rio de Janeiro, via mineroduto, tem 40 metros de altura, mas chegará a 60 metros em três anos. Até lá, estará pronta para receber 200 milhões de m³, 15 vezes mais do que a do Córrego do Feijão.
De acordo com a representante do Movimento pela Soberania Popular da Mineração (MAM), Juliana Deprá, retirar esses moradores é a melhor solução.“Há muito tempo as comunidades atingidas pela mineração, como Água Quente, Passa Sete e Jassém vinham denunciando os impactos. Quando rompeu a barragem da Samarco em Mariana, essa luta se intensificou e os moradores fizeram várias manifestações. Agora, com a da Vale, o medo aumentou. É um absurdo Jassém não ser considerado como diretamente impactado”, destaca Juliana.
Suspenso
A Anglo pediu licença para operar as partes já alteadas da barragem. Mas a Secretaria de Meio Ambiente do Estado (Semad) suspendeu todos os processos relativos a barragens.
Tecnologia será trocada até 2029
Apesar dos investimentos para quadruplicar o potencial da barragem em Conceição do Mato Dentro, a Anglo American garante que dentro de dez anos esse reservatório será desativado e substituído por uma tecnologia de processamento e disposição a seco de rejeitos. Segundo a empresa, os estudos já estão sendo feitos. “A previsão é que a efetiva implantação desses processos na produção se dê no médio prazo, entre cinco e dez anos”, afirma a mineradora.
Em julho de 2017, em entrevista a O TEMPO, o então presidente da empresa, Ruben Fernandes, disse que o plano era substituir a tecnologia dentro de cinco a sete anos. “Precisamos pensar numa solução. Eu não quero mais barragem ali. Como resolve isso? Com tecnologia e investimento para armazenamento a seco”, destacou Fernandes, na ocasião. Pela previsão dele, o prazo seria, no máximo, até 2024. Pela nova estimativa, subiu para 2029.
A Anglo American não revela o custo específico das obras de alteamento da barragem, mas ressalta que está dentro do investimento global de R$ 1 bilhão na expansão do complexo.
A barragem foi construída com aterro compactado, e seu alteamento está sendo feito pelo método a jusante (de um ponto mais alto para um mais baixo), considerado o mais seguro. A Anglo destaca que a estrutura conta com completo programa de gestão de segurança, o que inclui inspeções diárias, leitura semanal dos instrumentos e inspeções geotécnicas, além de estar em dia com as auditorias que geram as declarações de estabilidade exigidas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam).
Conquista
Outra luta dos moradores de comunidades afetadas pelo Minas-Rio, em Conceição do Mato Dentro, era o cumprimento de uma condicionante imposta à Anglo, de contratar uma assessoria técnica para suporte das famílias em processo de reassentamento. “A Semad anunciou que o plano de trabalho para Sapo (onde está a mina) está pronto. Também deu prazos para resolver a assessoria de outras comunidades”, destaca a moradora Joanangélica Stemler.
Ver para crer
Coordenadora do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta/UFMG), Ana Flávia Santos destaca que o reconhecimento de Jassém na lista das comunidades passíveis de realocação é uma grande conquista, mas é preciso cobrar. “Temos que estar atentos a como as garantias serão dadas. O que mais existe são grandes acordos feitos às vésperas de votações de licença. A Anglo chegou a apresentar um Plano de Negociação Fundiária, mas aplicou pontualmente”, afirma.
Minientrevista
Ivan Simões
Diretor de assuntos corporativos Anglo American
Há quase dez anos, os moradores de São José do Jassém, perto da barragem do Minas-Rio, lutam para serem incluídas nos planos de reassentamento. Agora que a Anglo American aceitou iniciar o diálogo, como vai funcionar o processo de realocação?
Mais do que aceitar, nós propusemos começar esse diálogo que poderá eventualmente levar a uma realocação das pessoas. Mas isso é um processo que precisa ser construído com a comunidade. Envolve uma série de passos como diagnóstico socioeconômico, levantamento topográfico, levantamento de benfeitorias e estudo das diversas opções que podem ser oferecidas à comunidade. É um processo que tem que ser construído de acordo com as vontades dela.
Até então, a Anglo American não reconhecia Jassém como diretamente afetada. O que mudou?
O que mudou foi a percepção de risco por parte da comunidade. Depois de Brumadinho, as pessoas estão com mais medo e isso é compreensível. Respeitamos esse medo.
Mas em 2015, quando a barragem da Samarco se rompeu, eles já tinham medo. Algo mudou do ponto de vista técnico?
Não mudou nada. Nossa barragem tem método construtivo completamente diferente das que colapsaram, incomparavelmente mais seguro, com as melhores tecnologias de monitoramento. Mas a percepção (da população) mudou.