Cresce a violência doméstica

Disque-denúncia do governo federal registra aumento de 8,5% nas queixas

Para facilitar denúncias, governo lançou aplicativo do Disque 180

Por Tatiana Lagôa
Publicado em 06 de abril de 2020 | 11:14
 
 
 
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Em tempos de isolamento social para enfrentar a pandemia e de maior convívio familiar, as mulheres vítimas de violência doméstica têm sofrido ainda mais dentro das quatro paredes. O disque-denúncia do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) registrou uma alta de 8,5% nas queixas recebidas pelo telefone na segunda semana de março em comparação com os sete dias anteriores – o número de ligações passou de 3.045 para 3.303. Em Belo Horizonte, pelo menos 32 mulheres registraram boletins de ocorrência a cada dia entre 18 e 31 de março.

Segundo os dados da Polícia Militar, foram 415 gritos de socorro dados em um intervalo de 13 dias por quem teve a oportunidade de “driblar” a vigília dos agressores e sair de casa para denunciar, já que a notificação nesses casos só pode ser feita de forma presencial. “Precisamos ter muito cuidado ao analisar esses dados. Nós só vamos conseguir ter a percepção real do impacto da quarentena na vida das pessoas depois que passar esse período. Porque para casos de violência doméstica ainda não temos denúncias virtuais. E nem todo mundo consegue sair de casa agora”, explica a subcomandante da 1ª Companhia de PM Independente de Prevenção à Violência Doméstica, Bruna Almeida de Resende Lara. 

Entram nessa estatística os casos de flagrantes, quando os policiais são acionados imediatamente após uma agressão, ou as denúncias feitas nos batalhões. Apesar de já serem números expressivos, a quantidade de boletins registrados na capital está 34,3% menor do que a apurada no mesmo período do ano passado, quando foram 632 denúncias. 

“A violência contra a mulher não caiu de jeito nenhum. Pelo contrário. O que acontece agora é que as vítimas estão com mais dificuldade para conseguir sair de casa. Primeiro porque há uma recomendação das autoridades de saúde para não saírem. Depois porque os serviços de apoio estão reduzidos. E, por último, porque os agressores estão perto delas, não saem para trabalhar, o que dificulta sair às escondidas”, explica a defensora pública da assessoria especializada nesses casos, Maria Cecília Oliveira. 

Os riscos a que essas mulheres estão expostas dentro de casa são tão grandes que foram tema de uma reunião ocorrida na última quarta-feira pela rede de enfrentamento de violência doméstica, formada por órgãos de âmbitos federal, estadual e municipais, com representantes de várias cidades. “Estamos pensando em uma solução para ajudar essas vítimas, mesmo com as limitações impostas pela pandemia. A situação está grave. Uma mulher de perto da minha casa suicidou na semana passada. Não sabemos ao certo os motivos, mas imagina o nível de pressão a que ela estava submetida para chegar a esse ponto”, conta a coordenadora da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, Tetê Avelar.

Denúnicas

A fim de permitir que mulheres “presas” em casa com os agressores peçam socorro, o governo federal lançou um aplicativo do Disque 180 para denúncias.

Companheiro é um terço de agressores

Antes mesmo do isolamento social, os maiores agressores das mulheres já eram maridos e namorados das vítimas. Segundo o Diagnóstico da Violência Doméstica e Domiciliar, feito pela Polícia Civil, 34% dos casos envolvem companheiros atuais, e 32%, antigos. Os números são referentes a situações registradas de 2017 até o segundo semestre de 2019.

Lúcia*, 35, sabe bem o que esses números representam. Quando casada, era espancada com frequência pelo marido e, após o divórcio, convive com o medo de ser morta. “Ele me ameaça sempre. Tenho muito medo de que um dia eu esbarre com ele em algum lugar e ele cumpra a promessa”, diz.

Há uma semana, após ela se negar a deixá-lo levar a filha dos dois, de 9 anos, para a casa dele, em função do isolamento social, ele se descontrolou e tentou agredi-la. “Eu estava tentando proteger minha filha. Então, ele quebrou minha porta e partiu para cima de mim. A sorte é que o pai dele não deixou”, conta.

Polícia Civil: atendimento imediato em casos graves

No momento em que as mulheres mais precisam de ajuda da rede de apoio às vítimas de violência doméstica, em função do aumento dos casos, mais difícil está o acesso às estruturas. Com o risco de disseminação do novo coronavírus, a maior parte das instituições está com atendimento apenas por telefone ou reduzido. 

Em Belo Horizonte, os casos mais urgentes precisam buscar duas vias principais: a Polícia Militar ou a delegacia de atendimento especializado à mulher. Mas, até o atendimento da Polícia Civil está alterado. “Continuamos com o atendimento 24 horas, mas nos casos graves com risco maior para a mulher, que cabe abrigamento ou nos casos quando a PM conduz a ocorrência, o atendimento é imediato. Nos outros casos, para evitar aglomeração de pessoas na unidade policial, a gente pega os dados e posteriormente faz a ocorrência por meio de contato telefônico”, afirma a delegada da delegacia especializada em atendimento à mulher, Izabella Franca.

Segundo ela, são considerados casos de atendimento imediato lesão corporal, tentativa de feminicídio, estupro e casos em que há necessidade de abrigamento. Os demais podem ser resolvidos por telefone. 

Pelo mundo

Na China, o número de denúncias de violência doméstica triplicou nos três primeiros meses de reclusão, segundo a ONG Weiping, de defesa à mulher. Por isso, foi criada uma hashtag,#AntiDomesticViolenceDuringEpidemic para ajudar mulheres e pedirem ajuda. Na Franca, onde a quarentena começou em 17 de março, os abusos domésticos reportados à polícia subiram 32% desde então.

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