A cada uma hora, uma empresa de ônibus é multada em Belo Horizonte. De 2018 até dezembro de 2022, somaram-se 38 mil boletos por autuações dos coletivos. Apesar de questionada, a prefeitura não divulgou o valor da dívida. Mas, os problemas são os mesmos nos últimos cinco anos: superlotação, atraso no quadro de horários, baixa oferta e má conservação dos veículos ou má conduta do motorista.
Advertências mais fáceis de corrigir, como problemas técnicos na buzina ou lataria do ônibus, não são multadas, desde que respeitado o prazo para ajuste. Já a partir de uma condução com freadas bruscas, atraso e superlotação, os valores passam a ser cobrados. Inclusive, com possibilidade de multa diária caso a infração se repita.
Mesmo com as regras do decreto da Prefeitura de BH, especialistas apontam que a morosidade do processo da dívida não surte efeito em garantir a boa qualidade do transporte público. Não é possível confirmar se quer se as multas são pagas. Procurado pela reportagem, o Executivo não informou quantas multas foram quitadas e quantas não. “O nosso transporte está com tantos problemas assim porque a Prefeitura não faz nada. Eu mesmo questionei ao prefeito quantas multas, qual o tamanho da dívida, nada”, afirma o vereador Gabriel Azevedo (sem partido).
De acordo com o último Relatório de Subsídio do Transporte Público divulgado pela prefeitura, só no mês de fevereiro deste ano foram 40 linhas autuadas por superlotação e 669 infrações no total. A linha 5107, com mais infrações (48), foi multada só pela repetição do erro. Em janeiro, ela também foi autuada, 15 vezes. “Alguém está se beneficiando, e não é o povo. Um coletivo de qualidade ruim é uma perda incontável para toda a cidade. Eu convoquei uma audiência sobre isso, o Ministério Público falou que o contrato é fraudulento, e a prefeitura nada”, continua Gabriel.
O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) também não tem a gestão das multas. De acordo com o sindicato, cada empresa segue um processo interno sobre as dívidas e não é feita uma totalização das infrações. Também é alegado crise, justificando que ou a empresa paga diesel e os custos com o pessoal, ou paga as multas.
Para o integrante do movimento tarifa zero, André Veloso, a forma como as infrações são aplicadas e geridas abre espaço para a impunidade. “Um agente da BHTrans registra a infração, autua a empresa, começa a tramitar internamente, vai para uma junta, tem 120 dias para recorrer, e por aí vai. Existe um prazo administrativo e, claro, as empresas protelam o máximo possível. Essas multas recentes realmente não foram pagas e não sabemos se serão”, afirma.
Veloso também aponta que um reforço na regulação do processo das multas seria o suficiente para que as empresas tivessem mais responsabilidade com a qualidade do serviço, mas pede enfrentamento por parte do Executivo. “A forma como o transporte é regulado hoje, ainda por receita de tarifa, multas pagas a posteriori, isso impede ação da prefeitura e dá mais poder para as empresas”, explica. “Falta vontade política do Executivo, que tem uma série de motivos e meios para cobrar das empresas de ônibus e não o faz”.
A soma das infrações de dois em dois anos atribui pontos à concessionária de ônibus responsável. Caso um veículo acumule mais de 80 pontos em um ano ou mais de 120 em dois, a empresa perde o contrato com a prefeitura. Mas, para isso, precisa tramitar todo o processo. “É um jogo combinado e a certeza da impunidade garante às empresas que elas podem continuar infringindo que não vai acontecer nada”, afirma o presidente da Associação dos Usuários de Transporte Coletivo (AUTC) de Belo Horizonte, Francisco de Assis Maciel.
Para ele, o caminho que tem sido seguido é o adiamento da dívida até que seja feito um acordo que beneficie as empresas. Caso as multas não sejam pagas, são encaminhadas para serem inscritas na dívida ativa do município. “Vai se somando, vai se somando, até que seja acordado um desconto, uma anistia com as autoridades do município. Assim, fica mais fácil para as empresas e a população continua com os mesmos problemas”, afirma.
De fato, em novembro de 2015, a prefeitura sancionou a lei de nº 10.876, que concedeu desconto de até 80% sobre o valor do crédito das multas para pagamento integral e à vista. Veloso reforça que, às vezes, a multa compensa. “É feito um cálculo de seguro e risco. Por exemplo, receber uma multa por superlotação em uma viagem pode custar menos do que o ganho por aquela rota. Outra, o preço que é economizado sem os cobradores é muito maior do que o valor das multas”, pontua.
Enquanto isso, as infrações seguem sendo vividas e registradas pelos passageiros dos ônibus. “A qualidade de vida das pessoas é prejudicada e a credibilidade do transporte coletivo vai lá embaixo. A maior parte dos usuários não quer andar de ônibus e, se pudessem, não o fariam. Você pode até melhorar o serviço nisso ou naquilo, mas reconquistar a confiança é um trabalho de anos perdido”, continua Veloso.
De acordo com o último relatório da BHTrans, no mês de fevereiro 3.272 usuários enviaram alguma reclamação ou solicitação sobre os coletivos. Um terço (33%) deles foram sobre atraso dos ônibus, cabível de infração e multa. “Independente de tudo, as linhas de ônibus continuam a operar e a lucrar com a necessidade dos passageiros. Os usuários vão estar lá, disputando espaço dentro de um coletivo, porque são obrigados, não têm alternativa”, afirma o presidente da associação de usuários, Francisco de Assis Maciel.
Uma solução, para André Veloso, seria a mudança de sentido na hora de cobrar as multas das empresas. Ao invés de cobrar o pagamento, seria mais efetivo descontar, imediatamente, do subsídio. “Já é algo que é feito no Rio de Janeiro, por exemplo. Caso seja entregue um serviço abaixo do esperado, essa multa é retirada do subsídio. Sem processo moroso”, diz. O pagamento do mês de janeiro do subsídio dos ônibus de BH foi reduzido pela metade com esse objetivo. A prefeitura justificou que alguns consórcios não tinham atingido o percentual mínimo de viagens estabelecido, descumprindo o acordo.