Uma semana inteira de trabalho para quem ganha um salário mínimo. Este é o valor que será pago pelos passageiros de ônibus de Belo Horizonte que fazem duas viagens por dia — ida e volta para o serviço, por exemplo — caso ocorra o aumento do preço das passagens de R$ 4,50 para R$ 6,90, reajuste de 53%, proposto pelas concessionárias prestadoras do serviço.
Nesta terça-feira (4), a Justiça determinou que a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) aplique o reajuste em um prazo de 24h. O Executivo vai recorrer da decisão. Especialista em trânsito enxerga com preocupação uma possível redução no número de passageiros no transporte público devido ao aumento do custo das passagens, o que pode fazer com que a arrecadação das empresas não suba como o esperado a partir do reajuste.
O cálculo de gastos com o transporte público considera o valor do salário mínimo, atualmente em R$ 1.303, e duas passagens diárias. Nesse cenário, passageiros vão gastar R$ 13,80 por dia. Considerando 22 dias trabalhados ao mês, o valor gasto com transporte será de R$ 303,60 — o que corresponde a 23% do vencimento ou uma semana trabalhada.
Para o especialista em trânsito Silvestre Andrade, a partir do aumento da tarifa, "há perspectiva clara de redução da demanda". "Isso é ruim porque precisamos incentivar o transporte público. Precisamos ter mais passageiros", analisou. Segundo ele, o aumento de 53% no valor das passagens é significativo.
"O reajuste [do valor das passagens] pode nem representar um aumento da arrecadação, porque você reduz o número de passageiros. Logo, quando você multiplica o número de usuários pelo valor das passagens, a mudança não é tão grande", analisou.
O especialista lembra, no entanto, que a maioria dos usuários recebe vale-transporte. "Então é o empregador quem paga. Mas os empregadores de menor porte, e os usuários pagantes vão ter problemas", afirmou.
Famílias de baixa renda: as mais prejudicadas
O professor Guilherme Leiva, do Departamento de Engenharia de Transportes do Cefet-MG, acrescenta que o "aumento do valor das tarifas tem impactos direto e indireto nos passageiros de ônibus de Belo Horizonte, principalmente nos usuários das famílias de mais baixa renda".
"O impacto direto é deixar de realizar algumas viagens, em função do alto valor. O indireto é que o elevado gasto com transporte impacta no orçamento. As famílias vão ter menos recursos para gastar com atividades importantes, como saúde, educação e lazer", analisou.
"Além disso, há uma correlação no tanto que a tarifa aumenta e o número de pessoas que deixam o serviço. Isso pode também ter impacto no serviço em si, já que pode sobrecarregar a administração pública, que, devido à redução do número de usuários, pode necessitar fazer um subsídio, um aporte direto [mesmo com o reajuste das passagens]", completou.
Transportes alternativos
Com uma redução na utilização do ônibus, transportes alternativos devem ganhar vez, como corridas por aplicativo, caminhadas e até transportes clandestinos, indica Silvestre. "Temos poucas alternativas. Os serviços clandestinos são muito complicados de combater. Eles podem virar uma dor de cabeça para as administrações, além de colocarem em risco a vida dos usuários", afirma.
Reajuste
As empresas de ônibus pediram o reajuste das passagens devido ao fim do pagamento do subsídio, que possibilitou a manutenção das passagens em R$ 4,50. Março foi último mês do repasse. Ao todo, as empresas do transporte convencional receberam R$ 226,6 milhões e as do transporte suplementar R$ 11 milhões.
O valor apresentado pelas empresas considera a aplicação da fórmula paramétrica, que realiza o cálculo a partir da variação dos preços do óleo diesel, dos veículos, dos equipamentos, da mão de obra e das despesas adicionais. A passagem do transporte convencional em Belo Horizonte custa R$ 4,50 desde 30 de dezembro de 2018, ano do último reajuste.
O especialista em trânsito Silvestre Andrade ressalta que o reajuste pedido pelas empresas está previsto no contrato assinado com a prefeitura. "O reajuste não foi aplicado por quatro anos. Neste período, houve crise do petróleo, o valor dos veículos e dos insumos aumentaram. Enquanto isso, a tarifa não subiu. Pelo contrário, caiu porque a demanda diminuiu na pandemia", analisou.