OPERAÇÃO DIRETO COM O DONO

Entenda como funcionava o esquema de sonegação fiscal da Ricardo Eletro

Fundador da empresa, Ricardo Nunes,e uma das filhas dele foram presos; valor de sonegação é de ao menos R$ 380 milhões

Por CAROLINA CAETANO
Publicado em 08 de julho de 2020 | 14:40
 
 
 
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Às 6h desta quarta-feira (8), uma força-tarefa formada pela Polícia Civil, Ministério Público e Receita Estadual começava a cumprir 14 mandados de busca e apreensão e três de prisão no combate à sonegação fiscal de, ao menos, R$ 380 milhões, e lavagem de dinheiro. Os alvos estão ligados à uma das principais empresas de eletrodomésticos e eletroeletrônicos de Minas Gerais: a Ricardo Eletro. A operação "Direto Com o Dono" levou à prisão do fundador da empresa, Ricardo Nunes, e da filha dele, Laura Nunes. O terceiro investigado, o diretor superintendente Pedro Magalhães não foi localizado e é considerado foragido da Justiça. As prisões são temporárias.

A ação foi realizada em endereços de Contagem, onde está o centro de distribuição da Ricardo Eletro, no bairro Belvedere, em Belo Horizonte, e Nova Lima, em residências ligadas ao empresário e onde a filha dele foi detida. Já Ricardo Nunes foi preso em São Paulo. Policiais também estiveram em Santo André, cidade paulista, mas Magalhães não foi achado.

"A empresa já vem omitindo recolhimento do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) há quase uma década, e nós fiscalizamos essa empresa há muito tempo. E a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal, de novembro de 2019, onde apropriação indébita virou crime, nós iniciamos essa operação" explicou o superintendente regional da Fazenda em Contagem, Antônio de Castro Vaz de Melo Filho. 
  
Veja como era o esquema praticado na empresa, de acordo com a força-tarefa

1 - Qualquer mercadoria comprada pelos consumidores na rede de varejo tinha, embutido no preço dos produtos, o valor do imposto.

2 - A Ricardo Eletro recolhia o valor, mas não repassava ao Estado - o que gerava as dívidas

"A empresa, fiscalizada pelo Estado solicitava diversos parcelamentos e descumpria esses mesmos parcelamentos. A atitude da empresa é informar efetivamente o tributo devido ao Estado e não pagar. A informação é detalhada, está nas declarações mensais, mas não tem o efetivo pagamento. O cliente da empresa, ao comprar um produto, está pagando o ICMS devido ao Estado, a empresa está retendo esse ICMS e não repassa aos cofres públicos. Isso é que configura a apropriação indébita", detalhou Filho.

Durante a operação foram recolhidos documentos e computadores nos imóveis ligados aos investigados. Uma das casas é de um dos irmãos de Ricardo, onde foi cumprido um mandado de busca e apreensão.

Lavagem de dinheiro

Um dos pontos que chamou a atenção da força-tarefa foi o patrimônio oculto do empresário, que, conforme a investigação, colocava propriedades em nome de terceiros.

"Essa operação de hoje teve origem em uma fiscalização da Secretaria de Fazenda que constatou, de fato, que a empresa exigia do consumidor o pagamento do ICMS. Ao longo de dez anos que a empresa se portou dessa forma, o que se notou foi um empobrecimento da empresa abrindo um processo de recuperação extrajudicial (sem condições de arcar com os valores devidos) e, por outro lado, o enriquecimento por parte do seu principal dono, que utilizava empresas de fachada para ocultar seus patrimônios que eram adquiridos direta ou indiretamente com os proveitos da sonegação fiscal. Isso sim caracteriza a lavagem de dinheiro", detalhou o promotor de Justiça Fábio Reis de Nazareth.

O inquérito para investigar o caso foi instaurado em 2018, e, durante a investigação, a Polícia Civil descobriu que os bens de Ricardo estavam registrados em nome da mãe, do irmão e das filhas. Inclusive, uma empresa nas ilhas britânicas está em nome da mãe de Nunes, uma idosa de quase 80 anos que será intimada para prestar esclarecimentos. Para ressarcir os danos causados a Minas Gerais foi determinado pela Justiça o sequestro de imóveis avaliados em cerca de R$ 60 milhões. 

Ricardo Eletro tinha condições especiais, mas mesmo assim cozinhava Estado em "banho-maria", aponta força-tarefa

Geralmente, o ICMS corresponde a 18% do valor do produto vendido. No entanto, a Ricardo Eletro tinha um regime especial. 

"A porcentagem é muito menor que 18%. Menor de 10%, 5%. Ele era um contribuinte que tinha benefício fiscal, já tinha privilégio em relação aos outros concorrentes. Ele tinha um benefício especial, em dobro, diferenciado, e mesmo assim não recolhia o tributo, mesmo assim ele sonegava. É a completa falta de justificativa para a postura de sonegação, que é uma postura recorrente, é um histórico de sonegação fiscal. Ele tinha como política empresarial a sonegação fiscal ", detalhou o promotor.

O recolhimento do tributo é mensal, onde se faz uma operação em 30 dias e se recolhe em um dia do mês posterior. Ainda conforme o promotor, a Ricardo Eletro é uma empresa que possui um valor muito maior de dívida comparada as outras.

"Até 2018, a empresa mantinha o Estado em 'banho-maria' dizendo que tinha interesse em negociar aquela dívida, mas, ao mesmo tempo, não fazia uma proposta viável ao Estado. Às vezes até assinava um termo de parcelamento, pagava a primeira ou a segunda prestação e depois já se tornava inadimplente de novo. Isso demonstrou que a intenção da empresa, de fato, não era resolver o seu problema fiscar, cumprir a lei como determina e, sim, enrolar o Estado", afirmou Nazareth.

Ricardo volta para Minas

Preso em São Paulo, Ricardo Nunes volta para Minas Gerais, conforme informou o delegado Vitor Abdala, da Polícia Civil. 

"Um alvo (Ricardo) foi localizado em São Paulo e vai ser recambiado para o sistema prisional de Minas Gerais, um alvo estava em Minas Gerais (Laura Nunes) e o terceiro encontra-se foragido (diretor superintendente)", contou. 

Os presos devem prestar depoimento ainda nesta semana. A sonegação fiscal tem pena que pode chegar a dois anos de reclusão. Para a lavagem de dinheiro, a pena varia de três a dez anos de prisão.

Segurança detido

Durante cumprimento de um mandado de busca e apreensão em um imóvel no bairro Belvedere, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, que seria de um familiar de Ricardo, um segurança do local dificultou os trabalhos dos fiscais. O homem, que é policial penal – antigamente conhecido como agente penitenciário – chegou a trancar as portas.

Foi necessária uma tentativa de arrombamento até que o homem liberasse a entrada. Ele foi conduzido à delegacia pelo crime de desobediência, deve assinar uma Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e ser liberado. Posteriormente, quando solicitado, deverá se apresentar à Justiça. 

O que diz a empresa

Por meio de nota, a Ricardo Elétrico informou que Ricardo Nunes e os familiares não fazem parte da empresa mais. Veja o comunicado na íntegra:

"A Ricardo Eletro informa que Ricardo Nunes e/ou familiares não fazem parte do seu quadro de acionistas e nem mesmo da administração da companhia desde 2019. A Ricardo Eletro pertence a um fundo de investimento em participação, que vem trabalhando para superar as crises financeiras que assolam a companhia desde 2017, sendo inclusive objeto de recuperação extrajudicial devidamente homologada perante a Justiça, em 2019. 
Vale ainda esclarecer que operação realizada hoje (08/07) pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), pela Receita Estadual e pela Polícia Civil, faz parte de processos anteriores a gestão atual da companhia e dizem respeito a supostos atos praticados por Ricardo Nunes e familiares, não tendo ligação com a companhia. 
Em relação à dívida com o Estado de MG, a Ricardo Eletro reconhece parcialmente as dívidas, e, antes da pandemia, estava em discussão avançada com o Estado para pagamento dos tributos passados, em consonância com as leis estaduais. 

A Ricardo Eletro se coloca à disposição para colaborar  integralmente com as investigações".

No entanto, segundo os órgãos que estão à frente das investigações, várias provas foram recolhidas que comprovam que Ricardo não se afastou dos negócios. Em uma das empresas foi encontrado um demonstrativo de pagamento de mármore adquirido para uma casa no Condomínio Miguelão, em Nova Lima, que seria a residência dele.

No centro de distribuição, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, foram encontradas diversas procurações em nome do empresário após a retirada formal dele das empresas, em 2015.

Promotores de outros Estados estão de olho

De acordo com o promotor Fábio Reis de Nazareth, promotores de outros Estados acompanham o desenrolar da investigação e solicitaram informações da empresa.

"Colegas promotores da Paraíba, do Rio de Janeiro e de Goiás me ligaram hoje, interessados no compartilhamento de informações e provas. Também nesses estados esse grupo empresarial é detentor de dívidas", detalhou.

Além da Ricardo Eletro, outras empresas de Minas Gerais, de vários setores, também são investigadas por sonegação. No entanto, os nomes não foram divulgados. 

 

Matéria atualizada às 15h30

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