Opinião

Estudioso defende mais diálogo

Atualização das tradições religiosas é um processo lento, segundo professor

Por Rafaela Mansur
Publicado em 20 de agosto de 2017 | 03:00
 
 
 
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Os jovens são a maioria quando se fala em pessoas sem religião no país, grupo que vem crescendo a cada década. De acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010, 8% da população considera-se sem religião. Dez anos antes, esse índice era de 7,4%. Para especialistas, isso não quer dizer que os jovens não têm fé, mas que eles perderam o interesse por instituições religiosas. Esse fenômeno só vai reverter-se, de acordo com eles, quando as igrejas adequarem-se aos novos tempos e públicos.

Em Minas Gerais, 986.626 pessoas denominaram-se sem religião em 2010, sendo que 512.707 têm entre 15 e 39 anos, o que corresponde a 51% do total. Segundo o professor do Departamento de Ciências da Religião e secretário executivo do Observatório da Evangelização da PUC Minas, Edward Guimarães, os jovens não sentem afeição pela religião devido a um choque de comunicação.

“A evangelização tem que ser fiel à tradição, mas também ao tempo do anúncio e a quem se dirige. Se a Igreja não se preocupa com o fato de a mensagem se adaptar a seu público, acontece um curto-circuito”, afirma.

Segundo Guimarães, é importante que a Igreja intensifique o diálogo com o jovem para haver uma aproximação. “É preciso evoluir naquilo que estamos vivenciando e pensar como fazer uma leitura para que a linguagem bíblica, escrita há tantos séculos, dialogue com nosso tempo”, pontua.

O essencial para o professor é que o jovem sinta-se acolhido. “Qualquer pessoa, independentemente da situação, tem que encontrar na Igreja a casa da mãe”, disse, ressaltando que a religião sem jovem “não tem futuro nem presente criativo”, diz.

O professor de cultura religiosa do programa de pós-graduação de ciências da religião da PUC Minas Paulo Agostinho acredita que a atualização das tradições religiosas é muito lenta, o que afasta os jovens da Igreja.

“Há um processo de crítica às tradições religiosas, apontadas como conservadoras e reacionárias, e ninguém quer ficar ligado a essa imagem. Existem os novos modelos de família, a questão de gênero, e o discurso moral das tradições, em geral, continua o mesmo”, afirma. Outro problema é a manutenção de rituais que, muitas vezes, não conseguem mais manter a atenção do jovem. “Alguns grupos religiosos, como os católicos, têm algumas tradições nas quais os jovens não têm interesse, como rezar o terço”, exemplifica.

O professor concorda que as instituições cristãs precisam se abrir mais ao novo e ao jovem. “Se elas seguissem mais o Evangelho e prestassem mais atenção ao que Jesus fez, não seriam tão conservadoras, porque Cristo quebrou várias tradições”, destaca.

“Eu vejo que os jovens têm interesse em participar, mas acabam sendo desestimulados. Eles têm que ser sujeitos do processo. Devem ter espaço, ser protagonistas da vida deles, inclusive da religiosa, e também entender que existem pessoas experientes que podem ajudá-los”, afirma Paulo Agostinho.

 

Registros

Novas entidades. Conforme o jornal O TEMPO mostrou em abril, a cada dois dias, cinco organizações religiosas foram registradas em Minas nos últimos sete anos.

Saiba mais

Crescente. Segundo o Escritório Central de Estatística do Vaticano, o número de católicos no mundo tem subido nos últimos anos, sobretudo após a eleição do papa Francisco, em 2013. A quantidade de fiéis passou de 1,11 bilhão em 2005 para 1,27 bilhão no fim de 2014, 17,8% da população mundial. Em dez anos, 157 milhões de pessoas foram batizadas.

Igrejas. O Sínodo dos Bispos é uma assembleia consultiva de representantes dos episcopados católicos do mundo, em que se juntam peritos e outros convidados para ajudar o papa no governo da Igreja. Em 2018, o tema será “Os Jovens, a Fé e o Discernimento Vocacional”. A Igreja tem convidado os jovens a participarem pedindo que respondam a um questionário online.

 

Papa Francisco inclui assuntos atuais em seu discurso

Se existe algo que é consenso entre especialistas, membros da Igreja e fiéis, é que a Igreja Católica tem avançado na aproximação com os jovens desde a eleição do papa Francisco, em 2013. No ano passado, por exemplo, ele escreveu um documento de mais de 250 páginas sobre a família, no qual propôs o respeito aos divorciados e aos homossexuais.

Além disso, ele costuma falar de assuntos atuais que acontecem na sociedade, como meio ambiente, terrorismo e corrupção. No início deste mês, Francisco pediu, em uma carta, que os jovens brasileiros lutem contra a corrupção e não tenham medo de se arriscarem e se comprometerem na construção de uma sociedade mais justa.

“Muitas vezes, há um preconceito da juventude em relação à Igreja, que é coisa do passado, de normas, de gente tradicional, e, às vezes, não é apresentado a ela algo muito maior, que é o Evangelho de Jesus”, diz o bispo auxiliar e referencial da juventude da Arquidiocese de Belo Horizonte, dom Vicente de Paula Ferreira.

“A principal coisa para tirar a mentalidade de que a Igreja Católica é distante da juventude é o estilo de Francisco promover a Igreja da acolhida”, diz.

“Eu vejo que é um caminho de mão dupla. Nós temos uma tradição, mas também temos um sujeito vivo. Precisa haver uma troca, um diálogo paciente”, completa.

Cartas do Papa

Caso. Neste mês, um casal homoafetivo, que batizou os filhos em uma igreja católica de Curitiba (PR), recebeu uma carta do papa. “O papa Francisco lhe deseja felicidades”, diz o texto.

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