Ressocialização

Ex-detentos encontram emprego nos shoppings populares e chance de vida nova

No Oiapoque, o mais antigo de BH, cerca de 30% dos funcionários têm antecedentes criminais

Por Raquel Penaforte
Publicado em 03 de dezembro de 2020 | 03:00
 
 
 
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“Posso ajudar a senhora hoje?”, pergunta o vendedor de roupas César Augusto, no shopping popular Oiapoque, no centro de Belo Horizonte. “O que vamos levar, freguesa?”, questiona o vendedor Luís Henrique Freire Silvano do outro lado do corredor, enquanto Thiago Santos Souza, outro funcionário, exibe as mercadorias: “Está procurando algo especial?”. Os três, além de terem a mesma profissão, dividem um passado semelhante: já foram presos por cometerem crimes. Eles estão entre as dezenas de trabalhadores que conseguiram uma oportunidade de ressocialização nos shoppings populares da capital, muitas vezes a única chance de renda honesta que eles encontram. 

No shopping Oiapoque, o maior e mais antigo – aberto em 2003 –, dos quase 3.000 funcionários, cerca de 30% têm antecedentes criminais, segundo o dono do estabelecimento, Mário Valadares. “As pessoas que estão trabalhando aqui querem uma vida normal, uma vida melhor, e onde mais elas teriam essa chance? A diferença entre o shopping popular e os outros shoppings é que aqui tem cidadãos com antecedentes criminais que não têm outra opção de trabalho”, afirmou Valadares.

Recomeço
Depois de ser preso por crime de receptação, Thiago Santos Souza está trabalhando há três anos no Oiapoque como vendedor de roupas. “Minha vida mudou. Se a gente está aqui trabalhando hoje é porque quer mudar de vida. A mente vazia é oficina do diabo, mas, aqui, a gente trabalha e corre atrás. Hoje, o Oiapoque é o meio de sobrevivência para cada um de nós”, declarou Souza.

Ele conta que veio da Bahia para BH sem a família e que se sustenta sozinho. Mas, além do preconceito pela ficha criminal, ele enfrenta outras barreiras. “Muitas vezes as pessoas me julgam pela aparência, por eu se negro e ter tatuagem, mas as pessoas precisam entender que esse é o meu ganha-pão”, comentou Thiago. 

Já o vendedor César Augusto depende do trabalho no shopping popular para o seu sustento e também o da esposa, que está grávida, e do filho pequeno. “Já fui preso por tentativa de homicídio e, agora, dependo disso aqui. Se fechar, eu estou perdido”, declarou ele, que paga aluguel de R$ 600.

Sem revelar o delito que já cometeu no passado, Luís Henrique Freire Silvano está há um ano e meio no Oiapoque. “As minhas condutas eram certas, mas eu estava com as pessoas erradas. Aqui, estamos no propósito: contrariar as estatísticas (de reincidência no crime)”, disse.

Contratação reduz violência
Mais do que um programa social, a contratação de ex-presidiários nos shoppings populares é vista, inclusive, como opção para reduzir a violência em Belo Horizonte. Na última segunda-feira, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) disse em entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, que priorizou a abertura desses centros comerciais durante a pandemia para evitar “o caos na cidade”, uma vez que esses espaços “empregam muita gente com “tornozeleira eletrônica”. 

Para o especialista em segurança pública Jorge Tassi, a redução da marginalização se dá por meio do trabalho e da educação, que são os dois pilares da ressocialização de ex-presidiários. “Tem muito preconceito e discriminação na sociedade para empregar essas pessoas, é como se elas tivessem uma marca para sempre”, ressaltou. 

Segundo ele, o preconceito muitas vezes é velado. “Mas sempre se pede antecedentes criminais na hora da entrevista de emprego, o que reduz as oportunidades. Já nesses espaços populares, as chances de ter um emprego são ampliadas”, finaliza Tassi.

Programa do Governo
O Estado informou que tem um programa de inclusão social que auxilia os egressos do sistema prisional na busca de emprego e dá apoio jurídico e psicológico.

Confira a resposta na íntegra:
O Governo de Minas Gerais, por meio da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), oferece aos egressos do sistema prisional, desde 2004, o Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp) que faz parte das Políticas de Prevenção Social à Criminalidade.

De janeiro a outubro deste ano, o PrEsp já realizou mais de 10 mil atendimentos a homens e mulheres. Em 2019 foram 20.603 atendimentos. Da criação do programa até o momento, contabiliza-se mais de 211 mil.

O PrEsp tem como objetivo principal propiciar o acesso a direitos e promover condições para a inclusão social de homens e mulheres egressos do sistema prisional. Para isso, busca identificar e intervir nas vulnerabilidades e riscos sociais que perpassam a trajetória de vida daqueles que tiveram sua liberdade privada. O programa realiza um acompanhamento do público atendido, possibilitando o acesso a direitos sociais e aos direitos assegurados na Lei de Execução Penal, para contribuir, a partir disso, na diminuição da reincidência criminal. Ele não é um programa exclusivamente voltado para a inclusão no mercado de trabalho, mas também orienta os egressos nessa reinserção.

A equipe técnica do PrEsp é composta por analistas sociais com formação em Direito, Psicologia e Serviço Social, que realizam atendimentos individuais e grupos reflexivos com o público alvo do programa - pessoas em liberdade definitiva, pessoas em regime aberto, pessoas em livramento condicional, pessoas em prisão domiciliar e os familiares de pessoas egressas do sistema prisional.

O público comparece ao PrEsp voluntariamente, por meio de encaminhamentos, indicações ou pela coleta de assinaturas referentes ao livramento condicional. Importante ressaltar que o programa também realiza ações nas unidades prisionais com as pessoas que estão a aproximadamente seis meses de alcançarem a liberdade.

Dessa forma, o PrEsp é apresentado e, tendo conhecimento acerca da existência do programa, ao deixar a unidade prisional o público já sabe que tem um serviço público que pode acessar e que auxiliará na retomada da vida em liberdade.

Os empresários que se disponham a contratar egressos do sistema prisional podem procurar a Subsecretaria de Prevenção à Criminalidade, da Sejusp, que é a responsável pelo funcionamento do PrEsp.

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