Sem direito básico

Falta de banheiro para 30 mil mineiros escancara desigualdade: 'É humilhante'

Quem vive sem banheiro enfrenta uma batalha para conseguir se manter saudável por não ter acesso a um direito básico: o saneamento

Por Raíssa Oliveira, Vitor Fórneas e Alice Brito
Publicado em 18 de março de 2024 | 03:00
 
 
 
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Quem vive sem banheiro enfrenta uma batalha para conseguir se manter saudável em meio ao sentimento de humilhação por não ter acesso a um direito básico: o saneamento. O assistente de logística John Batista dos Santos, de 41 anos, passa por essa situação. Após o fim de um relacionamento de 15 anos, e sem condições financeiras de alugar ou comprar uma casa, ele se viu obrigado a recomeçar, de fato, do zero. Atualmente, ele mora no assentamento Vila Chaves, no bairro Califórnia, na região Oeste de Belo Horizonte, num cômodo sem banheiro. Na moradia, construída pelo próprio auxiliar às margens de um barranco, cabem uma cama, uma pequena televisão e uma cômoda. O banheiro, que é uma obra que requer tubulações diversas, a compra de uma pia, vaso sanitário, cerâmica e chuveiro, teve que ficar de fora dos planos de Santos, que ganha um salário mínimo e precisa comprar comida e pagar pensão para os cinco filhos pequenos. 

“Eu tenho que manter as contas em dia, administrá-las e, depois, se sobrar alguma coisa, fazer algo. A prioridade é sobreviver e pagar a pensão dos meus filhos”, afirma. Diante das dificuldades da vida, Santos teve que aprender a se adaptar e viver como dá. Para garantir um bom banho, o auxiliar logístico relata que toma uma “boa ducha” no banheiro da empresa que trabalha. Mas, quando não dá, ele conta com a amizade dos vizinhos. “Lá no meu serviço já saio alimentado e de banho tomado. Quando chego em casa, só descanso mesmo. Se eu tiver alguma necessidade, procuro resolver na casa dos vizinhos. Aqui é um pelo outro. Todo mundo se ajuda. É um combinado que temos”, comenta. Mesmo sobrevivendo como pode, Santos não reclama da vida. Pelo contrário, ele tem fé em dias melhores e conta que vive um dia de cada vez. “Eu só peço a Deus que me dê saúde e me deixe viver. Me proporcionando isso, está ótimo”.

Na região do bairro Nacional, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, em um barracão construído com madeiras e telhas de amianto, moravam um catador de materiais recicláveis e os dois filhos. Sem banheiro, a família contava com a ajuda do aposentado Rodrigo Antunes Santos, de 42 anos. “Eles não tinham o básico. A vida é muito difícil”, diz. Após alguns meses, eles conseguiram uma casa melhor na região do Barreiro. Mas, enquanto estiveram em Contagem, contaram com o auxílio de Rodrigo.

A empatia de Santos com os vizinhos ocorreu porque ele já passou por tal situação. Natural de Santa Luzia, também na Grande BH, o homem relata que precisou contar com a solidariedade dos conhecidos para fazer as necessidades. “É difícil viver numa casa sem banheiro. Você tem que fazer as necessidades numa sacolinha e depois descartar”, descreve.

“É muito humilhante não ter banheiro e precisar da ajuda das pessoas para tudo. Lembro que, às vezes, eu era muito humilhado. É claro que tem pessoas de bom coração. Eu batia à porta da vizinhança na cara, na coragem e na humildade. Muitos deixavam eu entrar, mas outros, não. Quando isso acontecia, eu pedia que enchesse o balde que eu carregava (de água). Tomava banho com a roupa no corpo mesmo. Ficar sem poder tomar um banho digno é a pior coisa”, complementa. Com a experiência de vida e da ajuda ao próximo, Santos cobra do poder público a oferta de acesso a banheiro em espaços públicos. “Seria muito bom, pois seria um auxílio para aqueles que moram em casas e aqueles que recorrem às ruas”.

Privacidade prejudicada 

A ausência de banheiro e de saneamento representa a violação de um direito básico da população. “A Constituição é clara ao apontar que esse é um direito de todos, porém vemos que, na prática, está sendo negado”, destaca a socióloga Mara Greide.  Além disso, sem banheiro, milhares ficam também com a privacidade prejudicada. “Temos a nossa vida pública, mas precisamos da privacidade. O não acesso a um lugar essencial à saúde impede que a pessoa tenha intimidade e proximidade com o próprio corpo. O banheiro, para além da necessidade fisiológica, é aquele espaço de construção de dignidade”, pontua.

“O nosso país é bastante desigual, e esses números comprovam isso. Uma parcela da população, infelizmente, não tem noção de que essa realidade persiste. Estar em uma sociedade deveria fazer com que cada um de nós lute pela igualdade. Não podemos olhar para o próximo e pensar que ele vive sem o mínimo de dignidade. Na situação em que vivemos, todos saem perdendo”, finaliza.

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