Em conversa com a reportagem de O TEMPO, nesta terça-feira (30), o secretário geral do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Bruno Pedralva, explicou a situação da falta de respiradores, no último domingo (28), na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do Barreiro, na capital, quando o local tinha apenas dois respiradores e oito pacientes com suspeita de contaminação por coronavírus.
“Foi um episódio histórico, nunca havia acontecido uma situação como aquela no SUS de Belo Horizonte e nas nossas UPAs. Nós tivemos oito pacientes instáveis, com indicações clínicas de irem para a UTI, que ficaram esperando vaga por pelo menos 12 horas. Alguns até 24 horas. A equipe médica que prestava assistência teve que avaliar quais eram os casos mais graves e que precisavam da ventilação mecânica e dar suporte de outras formas, com oxigênio, máscara facial, com medicações para que as outras pessoas conseguissem sobreviver sem ventilação mecânica. Ao final do dia, nós tivemos a chegada de mais dois equipamentos que ajudaram a estabilizar a situação”, contou o profissional de saúde.
Os dois pacientes que receberam primeiro os respiradores já estavam com quadro de saúde grave. Ainda segundo o médico, provavelmente, nesse mesmo domingo, a capital mineira atingiu 100% da ocupação de leitos de UTI.
“A gente ainda não teve uma explicação da Secretaria de Saúde do que aconteceu naquele dia. A nossa hipótese é que, provavelmente, naquele domingo chegamos a 100% de ocupação dos leitos de UTI Covid-19 do SUS de Belo Horizonte. Uma situação que aconteceu basicamente por três motivos: o primeiro é que no fim de semana o número de altas na UTI diminui, segundo que leva tempo desde uma alta para outro paciente ocupar o leito, é preciso higienizar. E terceiro que, apesar do Samu está bem sobrecarregado, naquele dia o problema não foi do Samu”, detalhou.
A UPA Barreiro recebeu mais um respirador nesta semana, somando quatro aparelhos, de acordo com o gerente de Urgência e Emergência da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), Alex Sander Sena. No domingo, segundo ele, ela contava não com dois, mas com três, que é média de respiradores por cada uma das nove UPAs da capital. No total, o SUS conta com cerca de 2.000 respiradores em BH, conforme explica Sena. Outros dez aparelhos serão distribuídos entre unidades do município, originados de doação.
“Daqueles oito pacientes na UPA Barreiro, nem todos precisavam de ventilador e, às 22h, quando conseguimos fazer remoções de pessoas dos leitos, tínhamos respirador sobrando na unidade”, disse o gerente de Urgência e Emergência.
Sena rebateu a acusação de que os leitos de UTI na cidade chegaram a 100% no domingo: “Nossos dados de ocupação estavam em torno de 86% a 88%. Isso traz grande preocupação, porque é o limite crítico de atendimento, daí a importância da ampliação de leitos”. Em uma semana, desde o dia 23 de junho, BH recebeu mais 22 leitos de UTI, totalizando 994 – 309 deles para Covid-19.
Escolha
“Pelo que temos de informação, ninguém morreu por falta de assistência, mas os trabalhadores precisaram escolher, dentre esses pacientes que estavam graves na UPA do Barreiro, quem ia ter acesso ao ventilador, quem ficaria na sala de urgência. Foi um grande aprendizado para todos nós: se a gente não ampliar os leitos de UTI, se a gente não aumentar a capacidade de transporte do Samu, não fortalecer as medidas de proteção, pode ser que, nas próximas semanas, alguém perca a vida por falta de assistência”, afirmou Bruno Pedralva.
Sena, da PBH, disse que não há superlotação na UPA Barreiro, e sim um aumento geral do número de pacientes com sintomas gripais mais graves buscando as unidades de saúde na capital. “Esse foi um dos sinais que o secretário utilizou para o recuo do processo de abertura da cidade”, pontuou.
Hospital de campanha
Sobre o hospital de campanha da capital, que oferece leitos de enfermaria, o secretário geral do Conselho Municipal de Saúde disse que eles serão úteis para Belo Horizonte e o Estado como um todo. “O que estava nos deixando assustados era a lentidão do Estado para abrir o hospital. Todos sabemos que as contratações de profissionais da saúde não acontecem do dia para a noite. Não pode esperar o caldo entornar para tomar medidas. Na última quarta-feira, o secretário começou o processo de abertura, e a gente aguarda que isso seja feito o mais rápido possível”, reforçou.
Parceria com hospitais privados
Nesta terça, o Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte convocou uma reunião com representantes de hospitais privados. “Está na Constituição que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Nosso plano A é a ampliação dos leitos nos hospitais públicos, mas se alguém precisar de CTI e não tiver vaga nos hospitais públicos, nós vamos ocupar os leitos privados. É uma questão de justiça social, não é possível que alguém perca a vida tendo leitos disponíveis, sejam eles no SUS ou na iniciativa privada. Se nós estamos em guerra, todas as nossas armas têm que ser oferecidas a toda população independente da pessoa ter plano de saúde ou não”, disse.
Sena, da PBH, disse que a utilização de leitos da rede privada é uma possibilidade, mas destaca que isso ainda não está em andamento. “Se todas e quaisquer possibilidades de leitos públicos se esgotarem, o secretário de Saúde vai tentar negociar novos leitos com entidades privadas, mas essa situação ainda não é realidade”, pontuou.
Reportagem de O TEMPO nas UPAs
Na manhã desta terça, a reportagem de O TEMPO esteve na UPA Barreiro, por volta das 9h40. Do lado de fora da unidade de saúde estava uma jovem de 26 anos com sintomas de Covid-19, que já havia passado pela triagem.
“Estou com a garganta doendo, parece que estou gripada. Cheguei aqui às 8h, passei pela triagem, em que só me perguntaram o que estava sentindo, e estou esperando até agora”, contou a mulher, que pediu para não ser identificada.
Acompanhando a mãe desde a noite dessa segunda, a dona de casa Camila Gonçalves, de 35, afirmou que dentro da UPA estava cheio. “Fomos ao posto durante o dia, e a médica falou que minha mãe estava com o coração inchado e água no pulmão. Chegamos com ela aqui às 23h, estava vazio, e o atendimento foi rápido. Só que lá dentro está cheio, não sei se são pessoas com suspeita de Covid-19 ou outra enfermidade. A gente fica preocupada porque às vezes a pessoa chega com uma doença e sai com outra”, disse.
A reportagem levou ao conhecimento de Bruno Pedralva a situação da jovem com suspeita de Covid-19. “Todas as UPAs aplicam um protocolo, chamado de protocolo de Manchester, para fazer a classificação de risco. É uma forma de triagem para identificar casos mais graves, não é uma avaliação que já disponibiliza um diagnóstico final ou tratamento final. Isso é importante para saber quem está mais grave para, digamos assim, passar na frente por critérios clínicos. É um protocolo de segurança, reconhecido. É claro que o ideal é que as pessoas sejam atendidas o mais rápido possível, mas é um protocolo necessário e importante que protege as pessoas”, afirmou.
É normal que pacientes com sintomas mais leves aguardem pelo atendimento médico por até duas horas, conforme explicou o gerente de Urgência e Emergência da prefeitura. Questionado se pacientes com suspeita de Covid-19 podem circular livremente pela unidade de saúde e esperar atendimento na rua, como a reportagem flagrou, Sena disse que há divisão de fluxo no atendimento de pacientes com suspeita de contaminação por coronavírus, mas que, nas áreas comuns de circulação, não há divisão rígida, uma vez que o uso de máscara é obrigatório a todos na cidade. Ele também pontuou que pessoas com sintomas mais leves devem procurar as unidades de atendimento básico de saúde, em vez de rumarem às UPAs.
Na UPA Centro-Sul não houve relato, por parte de acompanhantes que estavam do lado de fora, de lotação internamente.