Danos individuais

Famílias de mortos em ala LGBT de São Joaquim de Bicas podem exigir indenização

Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPE-MG) ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) contra o governo de Minas Gerais em relação à onda de suicídios registradas na ala LGBT de São Joaquim de Bicas

Por Lara Alves
Publicado em 30 de junho de 2021 | 03:00
 
 
 
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A omissão do Estado de Minas Gerais no cuidado com pessoas privadas de liberdade diagnosticadas com doenças psiquiátricas como a depressão é no que consiste a acusação ajuizada pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) contra a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) à última quinta-feira (24) em relação aos cinco suicídios e às duas tentativas ocorridas na Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, em São Joaquim de Bicas, na região Central do Estado.

A Ação Civil Pública (ACP) pede indenização de R$ 1 milhão pelas mortes acontecidas sob a tutela do órgão de segurança entre os meses de janeiro e junho. O documento foi despachado na sexta-feira (25) para intimação do Estado que não cumpriu o limite de 72 horas para respondê-la, encerrado nessa segunda-feira (28). 

A repetição dos episódios de suicídio evidencia a carência estrutural da ala LGBT da unidade prisional, e atesta que não são mortes isoladas, mas espelho de violações adotadas por agentes carcerários e pela direção da cadeia, como pontua o autor da ação ajuizada, Paulo César Azevedo de Almeida.

"Os suicídios foram acumulando e percebemos que há um problema estrutural. Não se trata de um fato individual. Se fosse, as situações seriam isoladas. Notamos que a sucessividade dessas tragédias, dos suicídios, apontam para uma deficiência nos atendimentos básicos e na garantia das integridades física e psicológica. Percebemos que nessa ala está acontecendo uma violação grave".

A certeza de que o Estado foi omisso na proteção do direito à saúde parte de depoimentos e documentos coletados pela Defensoria Pública de Minas Gerais em uma visita técnica feita na unidade.

"Registros que conseguimos reunir indicavam que essas cinco pessoas que morreram eram pacientes psiquiátricos com tendências suicidas. Psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais já haviam alertado a administração prisional sobre esse quadro de saúde. Apesar dessas notificações prévias, a administração não só não adotou nenhuma providência para reforçar o atendimento à saúde mental, como também não prestou socorro às vítimas".

O defensor público Azevedo de Almeida cita um suicídio específico ocorrido na unidade – na circunstância em questão, a interna ingeriu 54 comprimidos e agentes negaram o pedido das colegas de cela para socorrê-la. 

"Esse caso me pareceu muito simbólico. As presas chamaram os agentes e disseram: 'olha, ela tomou esses comprimidos'. Mostraram, inclusive, os recipientes vazios onde remédios eram mantidos. Os agentes não deram atenção. Mais tarde, essa presa começou a convulsionar e a passar mal. As colegas convocaram os agentes novamente, que foram à porta da cela e disseram: 'ah, a gente só pode encaminhar para o atendimento se ela conseguir se levantar'. Obviamente, dado o quadro de agravamento da saúde, a pessoa não conseguiu se levantar e não foi atendida. Na manhã seguinte, ela foi encontrada morta", narra.

Segundo o defensor público, a direção optou por não salvar a vida da interna. "A administração foi advertida e deixou aquela pessoa à própria sorte. Isto é muito representativo do fato de que o Estado sabia das violações do direito à saúde, e se omitiu em tomar providências básicas para preservar essas vidas". 

Indenização

Famílias cujos parentes cometeram suicídio sob custódia do sistema carcerário têm direito a indenização individual quando atestada a omissão do Estado, como nas circunstâncias alertadas na Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria. "A partir do momento que o Estado chama para si a responsabilidade de privar alguém de liberdade, ele também assume responsabilidades previstas em lei como garantir assistência material e à saúde. Aqui houve uma sonegação do direito à saúde. A própria lei prevê responsabilidade".

De acordo com Azevedo de Almeida, já há jurisprudências pacificadas no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) sobre o direito à indenização individual em episódios de suicídio como os citados. "Quando for provada a omissão do Estado na preservação das vidas, pode, sim, gerar direito à indenização para as famílias". 

A Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) prevê indenização de R$ 1 milhão por danos morais coletivos, mas, parentes das pessoas que morreram podem solicitar reparação individual.

O valor pedido na ação perpetrada em 24 de junho, se aceito pela Justiça, será aplicado em investimentos para cuidados carcerários com a população LGBTQIA+. "R$ 500 mil seriam destinados a investimentos em estrutura na unidade prisional onde os fatos aconteceram, e os outros R$ 500 mil seriam repassados ao Comitê de Combate à Discriminação LGBT". 

Protocolo de prevenção ao suicídio. Ciente da lentidão para tramitação do processo, o defensor público pede que seja adotada uma decisão em caráter liminar para que sejam evitadas outras mortes.

"Um de nossos pedidos é que seja adotado em situação de emergência um protocolo de atendimento e de prevenção ao suicídio, que prevê, por exemplo, que a unidade passe a administrar a dose diária dos medicamentos receitados para os internos. Isto justamente para evitar o que aconteceu. É um absurdo uma pessoa com tendências suicidas ter acumulado 54 comprimidos em uma cela. Você não pode administrar livremente o uso de remédios para alguém com esse perfil", critica. 

Capacitação. Por fim, a Ação Civil Pública (ACP) também pretende obrigar o Estado a instalar uma Unidade Básica de Saúde dentro da penitenciária.

"Nós queremos profissionais multidisciplinares para atuar em caráter permanente na ala LGBT, que tem demandas muito específicas. Outra exigência é a capacitação continuada dos servidores da segurança pública, que, hoje, não respeitam as orientações sexuais e as identidades de gênero das internas", conclui. 

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