Fechando as portas

Fim da ala pediátrica do hospital São Lucas é criticada por mães: ‘ganância'

Grupo de mães cujos filhos eram atendidos no hospital reclamam dos motivos e dos impactos que isso poderá trazer para o tratamento dos filhos

Por Pedro Nascimento
Publicado em 09 de setembro de 2022 | 03:00
 
 
 
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Prestes a encerrar o atendimento a crianças e adolescentes devido ao fechamento da ala pediátrica, o tradicional Hospital São Lucas, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, tem sido duramente criticado pelas mães de pacientes que se tratavam no local. A reclamação é quanto a falta de transparência sobre o fim dos atendimentos e os motivos que levaram ao encerramento das atividades.

O anúncio sobre o encerramento das atividades foi feito em meados de julho e o atendimento será concretizado, oficialmente, na próxima segunda-feira (12). Revoltadas com a situação, um grupo de aproximadamente 50 mães precisou se organizar para garantir que o atendimento dos filhos não fosse inteiramente prejudicado. O movimento é liderado por ‘Generosa’ - mulher que preferiu não se identificar e que utilizava as dependências do hospital desde o nascimento do filho de dois anos, que nasceu com hidrocefalia e outras sequelas causadas pelo fato de ser prematuro

“Foi preciso que o Ministério Público de Minas Gerais fosse acionado para que a continuidade dos tratamentos oncológicos nos fosse garantida com as mesmas equipes, na Santa Casa. Mesmo assim, a gente sabe que esse fim muda tudo”, descreve.

Na promotoria, foram três reuniões para que o hospital e as mães se acertassem sobre a continuidade do atendimento e a transferência dos pacientes. Apesar de fazer parte do grupo Santa Casa de Misericórdia, o Hospital São Lucas realiza, exclusivamente, atendimentos privados.

A preocupação das mães é não somente com o risco de desassistência, que por hora está resolvido, mas como a mudança das equipes e a sobrecarga da rede pediátrica de Belo Horizonte pode ser prejudicial para a saúde dos filhos. 

“No meu caso, que tenho um filho especial, já não terei mais a garantia de que ele vai ser atendido pelos médicos que o conhecem desde o nascimento e que sabem dos problemas dele”, diz Generosa, que completa. “Infelizmente, estamos vivendo um momento de descaso com a pediatria e isso é tanto na rede pública quanto na privada. Você acha que, depois desse fechamento, eu terei a garantia que meu filho vai ser atendido com urgência no São Camilo ou no Padre Anchieta? Está tudo cheio”, questiona a mãe.

Ester - que também adotou um nome fictício - é mãe de uma criança de três anos e que há 10 meses está em tratamento contra a leucemia. Na família, a incerteza sobre a continuidade do tratamento custou noites de sono, segundo ela.

“Desde o diagnóstico a nossa vida mudou 180 graus. Parte do tratamento inclui internações de semanas, e quando você começa a confiar na equipe médica ocorre isso. A gente ainda não sabe o que vai acontecer. E é uma justificativa que não é nada plausível, da pediatria não se sustentar, e a realidade não é essa”, lamenta.

Lucro e prejuízo

Oficialmente, o Grupo Santa Casa BH, do qual o Hospital São Lucas é integrante, alega que o encerramento do serviço pediátrico é motivado por ‘sucessivos resultados negativos’ que aumentam os prejuízos financeiros da organização. Mas a decisão não é vista com bons olhos pelo Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG), que critica a visão dos gestores da Santa Casa.

“Ficamos muito chateados enquanto sindicato porque a saúde não pode ser vista somente como um negócio. Claro que pode ser um negócio, mas é importante ter uma agência de  órgãos fiscalizadores porque se todo hospital só fizer o que dá lucro e dispensar o que não dá, infelizmente só teríamos cirurgias dispensáveis”, alerta o diretor de mobilização do Sinmed-MG, Cristiano Túlio Maciel.

Ainda de acordo com o sindicato, a situação é ainda mais preocupante diante da realidade da pediatria em Belo Horizonte, que já é sucateada na rede SUS e pode piorar ainda mais na rede privada. “Hoje, na pediatria, a gente não encontra desistência na rede privada, mas são poucas ofertas, não é uma assistência bem capilarizada e o tempo de espera já é grande, e isso é fruto desse direcionamento do mercado para o que é lucrativo”, diz.

O Hospital São Lucas não confirma, mas a especulação é de que o espaço que era utilizado como ala pediátrica seja transformado em um ambulatório para abrigar pacientes de cirurgias estéticas. Para Generosa, que lidera o grupo de mães que lutam pelo fim do fechamento da pediatria, a forma como o hospital tem lidado com a questão beira o desrespeito.

“No Instagram do Hospital São Lucas já estão anunciando e fazendo pré-agendamento de cirurgias bariátricas e outros procedimentos estéticos. Estão trocando as nossas crianças por isso, simplesmente por ganância”, diz.

Segundo o comunicado do Hospital, parte dos demais funcionários também será remanejada para outras vagas do Grupo Santa Casa BH. ‘Já os que forem desligados contarão com auxílio no processo de recolocação no mercado de trabalho’, diz a instituição.

Confira a nota do hospital na íntegra:

O Grupo Santa Casa BH (GSCBH), do qual o Hospital São Lucas (HSL) é integrante, esclarece que o HSL, assim como outros hospitais privados, passa por um processo de reestruturação interna, com o objetivo de restabelecer seu equilíbrio econômico-financeiro. 

Diante disso, o GSCBH informa o encerramento do serviço de Pediatria do Hospital São Lucas, no dia 12 de setembro. A decisão foi tomada pela atual gestão, com a finalidade de garantir a sustentabilidade do referido hospital, já que o serviço vem apresentando sucessivos resultados negativos, aumentando, assim, os prejuízos financeiros da organização. 

É de suma importância ressaltar que o Hospital São Lucas é o braço de Saúde Suplementar do GSCBH, ou seja, não realiza atendimentos ao Sistema Único de Saúde (SUS).

No que diz respeito diretamente à assistência, os usuários estão sendo informados, via Serviço de Atendimento ao Cliente (tanto do GSCBH, quanto das operadoras dos planos), sobre o cronograma de encerramento das atividades. Também foram enviados comunicados por e-mail, com todas as orientações. Desta forma, não haverá qualquer tipo de desassistência. Há a possibilidade, inclusive, de alguns pacientes continuarem os tratamentos com os mesmos médicos, visto que muitos deles atuam em outros hospitais conveniados aos planos atendidos pelo HSL. 

Os pacientes pediátricos oncológicos continuarão a ser atendidos no Instituto de Oncologia da Santa Casa BH. Já as internações serão descontinuadas, a partir do dia 12/09. Dessa forma, em caso de necessidade de internação oncológica pediátrica, orientamos aos pais para entrar em contato com a operadora do seu plano de saúde para direcionamento aos hospitais conveniados. 

Em relação aos médicos pediatras do Hospital São Lucas, a Santa Casa BH (unidade do Grupo que atende o SUS) irá absorver parte dos profissionais para integrarem o seu serviço de Pediatria, sendo que muitos deles já atuam nas duas unidades. 

Parte dos demais funcionários também será remanejada para outras vagas do Grupo Santa Casa BH. Os que forem desligados contarão com auxílio no processo de recolocação no mercado de trabalho.

A instituição estuda a viabilidade de implantação de outros serviços de assistência à Saúde nos locais onde, até a presente data, funciona a Pediatria. 

O GSCBH lamenta pelo encerramento do serviço de Pediatria, mas reforça que a decisão foi tomada após a realização de vários estudos e trabalhos, se mostrando necessária para primarmos por uma gestão responsável e pela continuidade da excelência na assistência que, há 100 anos, é marca registrada do Hospital São Lucas

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