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Fim de enchentes na Tereza Cristina? Bacias vão reter 480 mi L de água da chuva

Obras foram iniciadas no início deste ano e ficam prontas até o fim de 2024; moradores têm dificuldade em acreditar no fim do sofrimento

Por Isabela Abalen
Publicado em 09 de junho de 2023 | 13:45
 
 
 
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Um projeto que completou uma década finalmente saiu do papel. Está em obras no bairro industrial de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, o sonho de um período chuvoso sem tragédias ocasionadas por enchentes na avenida Teresa Cristina. São as bacias de contenção do Córrego Ferrugem. Duas bacias abertas que prometem reter, juntas, pouco mais de 480 milhões de litros de água. O plano é que fiquem prontas até o fim de 2024. 

A estrutura é grandiosa e já pode ser percebida por quem passa pela região em frente ao metrô Eldorado. A bacia de contenção chamada B4 (imagem em destaque) está sendo construída na Vila Itaú, localizada atrás do ItaúPower Shopping, em Contagem, e vai ocupar 62 mil m². Já a outra, a B3, tem um desenho de 29 mil m² de área na Vila PTO, no Industrial. O projeto inclui o remanejamento de 1,5 mil famílias, e a urbanização completa do entorno das bacias, incluindo uma pista de caminhada na Vila Itaú. 

Como as enchentes serão reprimidas?

Funciona da seguinte forma: as bacias vão reter um volume considerável de água da chuva, diminuindo o fluxo no córrego Ferrugem. Assim, o córrego estará menos cheio quando encontrar o rio Arrudas, na avenida Tereza Cristina, entre Contagem e BH. E se o rio não transborda, as pessoas não sofrem com alagamentos. 

A principal diferença, segundo o coordenador da Defesa Civil de Contagem, Renato Carlos da Silva, está na velocidade com que as águas escorrem. “Essas bacias de contenção vão diminuir a velocidade da água na superfície. A água da chuva junto com o córrego Ferrugem, ao invés de cair direto no Arrudas, entra para as bacias. Parte infiltra nos lençóis freáticos e o resto é, aos poucos, liberado”, explica. 

A resposta das bacias se dá antes mesmo da chegada da água na temida Tereza Cristina em dias chuvosos. “Primeiro, há um impacto direto no entorno do Ferrugem. A Vila Itaú e o bairro Industrial, em Contagem, são regiões que sempre sofreram com inundações”, explica o coordenador da Unidade Gerenciadora do Programa (UGP), Pedro Paulo Ferreira, um dos responsáveis pela obra. 

De fato, as vilas na Cidade Industrial, em Contagem, já viveram grandes tragédias relacionadas às chuvas. Em 2020, um dos anos mais chuvosos da história da Grande BH, as vilas Itaú e Barraginha foram totalmente desocupadas após serem inundadas pelas chuvas. O histórico é antigo e inclui a tragédia da Vila Barraginha, em que 36 pessoas morreram e centenas ficaram feridas e desabrigadas por um deslizamento de terra em 92. 

O que começa na região industrial, termina às margens do Arrudas, na Tereza Cristina. “Com as bacias de contenção, o grande ganho será na Tereza Cristina. Quando o Ferrugem chega no Arrudas, transborda muito, dá aproximadamente 1 metro de lama d'água no entorno. A população ali sofre muito com inundações”, continua Ferreira. Segundo ele, a expectativa é que o controle do fluxo no córrego amenize os problemas das enchentes. “Ao menos 75% da água que chegaria ao Arrudas vai ficar retida. Vai ser possível segurar esse volume de até 480 milhões de litros e soltá-lo devagar”. 

Especialista aprova projeto, mas cobra investimento no ‘verde’ 

Para o urbanista e mestre em ambiente e patrimônio sustentável, Sergio Myssior, as bacias funcionam ao buscar solução para um problema histórico. Mas, precisam vir acompanhadas do que chama de “infraestrutura verde”. “Essas obras são extremamente importantes para a Grande BH porque lidam com problemas já instalados. Vão conter, retardar e eliminar a chance de enchentes. Mas não são suficientes se não mudam o modelo de desenvolvimento das cidades”, afirma. 

Quando Myssior propõe que seja revista a organização de Contagem e de Belo Horizonte, ele está falando da forma de ocupação do território. “O aumento da intensidade das chuvas e de seus fenômenos, como inundações e deslizamentos de terra, está relacionado à gestão urbana. BH e região metropolitana tem um déficit habitacional na ordem dos milhares. A adequação das moradias, a inclusão de alternativas ao asfaltamento intenso, que impermeabiliza o solo, também devem ser consideradas”, reforça. 

A resposta para uma melhor tratativa às enchentes, segundo o especialista, é o investimento, também, na infraestrutura natural. “É adequado que essas bacias, grandes obras, sejam conciliadas com soluções baseadas na natureza. Para que os benefícios sejam mais perenes, é importante pensar, de forma integrada, em parques lineares, corredores ecológicos, e toda uma infraestrutura verde que ajuda a absorver a água, retardar o fluxo de enchentes e pensar uma cidade inteligente”. 

A parte ecológica das bacias 

De acordo com o coordenador Pedro Paulo Ferreira, são dois os principais investimentos sustentáveis das bacias de contenção do córrego Ferrugem, em Contagem. O primeiro, a inserção de área protegida. “Do ponto de vista ambiental, as obras vão possibilitar 20 hectares de Área de Preservação Permanente (APP). Nelas, serão preservados os recursos hídricos, o solo e a biodiversidade local”, conta. 

O segundo, o ‘caça-esgoto’ em toda a área das bacias. “Nessa parte, há uma atuação da Copasa em retirar todo o esgoto da área fluvial, não deixando que o esgoto chegue até os córregos”, explica. Em nota, a Copasa afirmou que se responsabiliza pelo remanejamento de redes e interceptores de esgoto no local das obras e que atua, de forma contínua, “com o programa Caça Esgoto, com o intuito de identificar e retirar lançamentos irregulares de esgoto em cursos d'água e galerias pluviais”. Incluindo o córrego Ferrugem. 

Verba 

O retorno das obras, que começaram mesmo em 2013 (veja linha do tempo abaixo), só foi possível, uma década depois, pela liberação de R$ 98 milhões do Termo de Reparação da mineradora Vale - consequência do rompimento da barragem de Brumadinho. Contagem ainda fez aporte de R$7 milhões no projeto.

Já a construção de moradias e o reassentamento das famílias que moram na Vila Itaú é de responsabilidade do Governo de Minas. “A grande maioria das famílias já está nas novas moradias. São nove áreas de assentamento, seis estão concluídas. Das três que faltam, duas estão em obras e a outra o Estado vai licitar este ano”, apresenta o coordenador Ferreira. De acordo com ele, 1,5 mil famílias saíram de suas casas, mas 500 são as que precisam de moradia popular. 

Início de funcionamento das bacias, só em 2024

Com as obras a todo vapor desde janeiro deste ano, a expectativa é que a entrega da bacia B3, na Vila PTO, caia para dezembro de 2023. Já a bacia B4, na Vila Itaú, ainda agarra um pouco, devendo ser entregue no final de 2024. “A B3 já está totalmente livre de empecilhos. Ela tem o prazo de 1 ano, então esperamos que em 31 de dezembro esteja pronta. Mas, na Vila Itaú, ainda há remoções a serem feitas, assentamentos a serem ajustados. Deve ocasionar atraso, iria até julho do ano que vem, e, se houver atraso, em torno de quatro, seis meses, deve ser entregue em dezembro de 2024”, afirma Ferreira. 

Na Vila Itaú é onde ainda será licitada a área de assentamento. Ferreira estima que 30% da população removida aguarda pela construção da nova moradia. Além das bacias, também fazem parte da obra o plantio de espécies arbóreas; uma pista de caminhada com extensão de 1,5 km na Vila Itaú; e espaço de convívio para os moradores com brinquedos e academia da cidade. As áreas vão ganhar rede de drenagem, iluminação e paisagismo. 

E durante o período chuvoso? 

A partir do mês de setembro até março de 2024, acontece o período chuvoso. Mesmo debaixo de chuva, o coordenador Pedro Paulo Ferreira garante que as obras vão continuar. “É uma obra que dá pra fazer com chuva. O ritmo cai muito, sim, mas não tem possibilidade da obra ser paralizada”, diz. 

Moradores da Tereza Cristina custam a acreditar no fim das enchentes: ‘não tem engenharia que segure’

O empresário Paulo César Martins, de 47 anos, aproveita o período de estiagem para curtir a calçada de casa com a mulher, Maria Sueli, de 52, o filho, Júlio César, de 13, e a criançada da família, Mariana, Pedro e Lucas, bem em frente ao Arrudas. Não chover significa uma preocupação a menos na Tereza Cristina. “Já perdemos tudo mais de uma vez. A água chega e acaba com tudo. Quase todo ano tem enchente. Em 2020, se não me engano, era uma atrás da outra. Limpava a lama de manhã, passava um pouco, a água entrava de novo. Estou falando de enchente grande mesmo”, conta. 

   Paulo César Martins, de 47 anos, aproveita o período de estiagem para curtir a calçada de casa com o filho, Júlio César, de 13, e a criançada da família, Mariana, Pedro e Lucas, bem em frente ao Arrudas

Uma estratégia da família para evitar os danos da água é morar no segundo andar da casa, enquanto o primeiro fica reservado para o empreendimento - eles confeccionam cachaça. “Tem uns quinze anos que fizemos assim. A enchente mais forte pegou o terreno de baixo, foi a mais alta”, lembra. De tanto ver o Arrudas transbordar, Paulo não acredita que as bacias vão resolver o problema. “As enchentes que têm aqui, das grandes, nenhuma barragem para. São horas de chuva caindo, a água chega com velocidade, qual bacia que vai conter? Não tem engenharia que segure. Nem se fosse do tamanho do Mineirão”, diz, sem tom de brincadeira. 

A atitude “ver para crer” também representa o vizinho Nilton Cândido Batista, aposentado de 69 anos. Há 22 na Tereza Cristina, ele coleciona marcas de enchentes nas paredes de casa. Sem fazer esforço, aponta para a marca mais alta, de mais de 1,5 m de altura. “Essa enchente foi de tirar o sossego. Foi em 2019 ou 2020. Eu moro no andar de cima, mas tenho dois inquilinos no andar de baixo. A água entrou e eles perderam tudo, tudo mesmo. Tiveram muitas doações, receberam geladeira, fogão, mas outras coisas tivemos que repor, como sofá, colchões e outros móveis”, relata. 

   Nilton Cândido Batista, morador da Tereza Cristina, mostra marca de enchente na parede de casa

Nilton caminha todos os dias às margens do Arrudas, chegando até o bairro industrial, em Contagem. Durante o exercício, vigia o andamento das obras das bacias de contenção. “Isso é uma promessa antiga. As obras ficaram paradas anos e anos, agora que retomaram. Tem uma aqui em BH também, que não anda. A bacia de Contagem é muito grande, eu passo por lá e vejo”, conta.

Mesmo assim, para ele, é difícil acreditar que o sofrimento com as enchentes vai ter fim. O aposentado se precavê como pode, e já gastou mais de R$ 3 mil com as próprias contenções dentro de casa em rampas e grades. “Agora, caso a enchente suba como antes, para mais de 1 metro, aí não tem como. Se fizerem mesmo as bacias, talvez vá amenizar. Mas precisam conseguir concluir primeiro”. 

A visão mais otimista vem do mais jovem, Ricardo Thomaz Angelo, de 25 anos. Nascido e criado às margens do Arrudas. “Não estava sabendo dessas obras. Tomara Deus que melhore”, torce, enquanto atende um cliente na sua barbearia, a poucos metros do rio. “Antes, eu não tinha um comércio aqui na parte de baixo, na garagem da casa. Agora, com a barbearia, se inundar, eu tô ‘lascado’, estamos bem perto do rio”, conta. 

O olhar mais esperançoso de Ricardo não vem de falta de trauma com as chuvas. "A enchente que mais me marcou foi na virada de ano de 2009. Logo no dia 1º. Foi muito triste, a gente só via caçamba descendo com a água, carro sendo levado pela enxurrada. Meu primo morreu tentando salvar o carro dele”, lamenta. 

  Ricardo tem medo de perder os itens da barbearia em uma próxima enchente

O mapa das áreas de risco em Contagem

Contagem tem 94 áreas de risco geológico de alto a muito alto mapeadas pela Defesa Civil. Já com relação a risco hidrológico, são 55. Vila Barraquinha, Vila Itaú e Cidade Industrial estão na lista. Todas as informações são disponibilizadas no mapa online da Defesa Civil (confira abaixo ou clique aqui). 

“A dica de ouro para a população que mora em áreas de risco é: em momentos de enchentes, pegue seus documentos e objetos mais importantes e não se coloque em risco. Procure um abrigo na casa de amigos ou parentes, ou o abrigo da prefeitura. Preserve a sua vida”, alerta o coordenador da Defesa Civil de Contagem, Renato Carlos da Silva. 

Belo Horizonte também terá bacia de contenção 

A parceria do projeto de contenção de enchentes na Tereza Cristina envolve também a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). A capital executa a bacia B5, na Vila Esporte Clube, localizada entre a avenida Amazonas e a linha férrea, na região Oeste de BH. As três bacias juntas, duas em Contagem e uma em BH, poderão reter 755,1 milhões de litros de água da chuva.

De acordo com a PBH, as obras na B5 começaram no final do ano passado e devem ser concluídas no meio de 2024. "Já foram feitas toda a supressão vegetal do local, remoção de posteamento e escavação de 50% do volume de armazenamento da bacia. Atualmente os serviços se concentram na canalização e emboque do Córrego Itambé, na fundação do Barramento da Bacia B5 e na continuidade da escavação do reservatório da mesma", escreveu o Executivo em nota. Estão sendo investidos R$66 milhões no empreendimento.

História longa 

As bacias do córrego Ferrugem são assunto há pelo menos uma década. O projeto se iniciou, na verdade, em 2009, logo após a virada de ano. “Houve uma grande enchente. A Vila Itaú ficou toda embaixo d'água, o entorno do Arrudas foi totalmente inundado”, lembra o coordenador Ferreira. O desastre matou três pessoas e destruiu carros e casas. “A partir daí, começou-se a pensar em um recurso para a implantação de bacias e em um projeto de requalificação ambiental do córrego Ferrugem”, continua.

Os projetos passaram por arranjo e licitação, até que, em 2013, se iniciaram. Na época, era outro programa, conveniado com a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Mas, não foi para frente. “Não houve sequência. O reassentamento continuou, com muita dificuldade. Em 2015, não havia verba possível para arcar com o projeto. Só então, no final de 2022, que foi confirmado o recurso da Vale”, conta o coordenador.

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