Há duas semanas, quando descobriu sua terceira gravidez, Mônica* recorreu ao médico que já havia acompanhado suas gestações anteriores para fazer o pré-natal, mas, logo na primeira consulta, descobriu que não teria o mesmo tratamento de antes. “Com meus dois primeiros filhos, eu fiz as consultas e ultrassons com ele e os partos com o plantonista. Agora, a secretária me avisou que ele só faz o pré-natal se eu pagar o parto”, conta. Para fazer o parto, o médico cobraria R$ 7.000 a título de taxa de disponibilidade. Ela já havia agendado consultas mensais até perto da data prevista para o parto, em março de 2018, mas teria que desmarcar caso não concordasse com as condições.
A proposta do médico é irregular, mas não é isolada e vem sendo adotada por profissionais credenciados de diferentes planos de saúde. A prática é passível de denúncia e punição, de acordo com a secretária geral do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG), Cláudia Navarro. “O correto é fazer o pré-natal até o fim e registrar as informações no cartão de pré-natal para a grávida levar quando procurar o plantão”, afirma.
Por regulamentação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos de saúde garantem um médico habilitado para o parto, mas não o de preferência da grávida. Em geral, esse profissional é o plantonista. Os médicos cobram pela disponibilidade quando a paciente faz questão do seu acompanhamento.
Para o CRM, no entanto, não é ético fazer as consultas apenas de quem vai pagar a taxa, e o atendimento tem que ser igual para todas. “Com a recusa, fica claro que o médico só quer fazer o acompanhamento para ganhar a taxa de disponibilidade”, diz.
O CRM nunca recebeu nenhuma denúncia do tipo, mas acredita que a conduta possa ser classificada como discriminação de pacientes, prática proibida pelo Código de Ética, e o profissional estaria sujeito a advertência reservada ou pública.
Mesmo sem denúncias formais, não faltam relatos. A empresária Júlia Figueiredo de Pina Seixas, 28, passou pela experiência há pouco mais de dois anos, quando sua filha nasceu. “O médico me ‘dispensou’ do pré-natal quando eu disse que não podia pagar os R$ 11,5 mil que ele cobraria pelo parto”, lembra. Ela conta que no mês passado a prima dela, grávida de sete meses, viveu situação parecida com o mesmo médico. A única diferença é que o valor da taxa subiu para R$ 12,3 mil.
O presidente da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), Carlos
Henrique Mascarenhas Silva, diz que, “pessoalmente”, não vê motivos para a recusa do pré-natal para quem não paga o parto, afirma que a prática não é usual, mas discorda que configure infração ética. “O Código de Ética diz que o médico só não pode negar atendimento em urgência e emergência”, afirma.
Ele completa que não é possível saber o que se passou no consultório e se a paciente entendeu corretamente o que o médico disse. Para a engenheira Márcia Machado, 37, que teve a continuidade do pré-natal negada há três anos, não há possibilidade de ter entendido nada errado: “quando eu falei que ia optar pelo plantonista, a médica, que ia cobrar R$ 6.000 pelo parto, disse com todas as letras que não faria mais meu pré-natal”. Ela diz que teve vontade de “bater o pé” e exigir o atendimento, mas mudou de ideia. “Eu não ia querer fazer o pré-natal com uma pessoa daquelas”, conta.
*Nome fictício
Regras
ANS. A agência informou que regula os planos de saúde e que os profissionais são regulados pelos Conselhos Regionais e Federal de Medicina. Disse ainda que os planos têm que cumprir prazos para atendimento.