Covid-19

MG: 62 cidades têm menos vacinados que servidores em home office imunizados

Minas vacinou mais servidores que imunização em 93% das cidades do Estado

Por Letícia Fontes
Publicado em 18 de março de 2021 | 19:31
 
 
 
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Sessenta e duas cidades mineiras vacinaram menos pessoas que os servidores em home office do Estado. De acordo com uma segunda lista divulgada, nesta quinta-feira (18), pela Assembleia Legislativa do Estado, 134 servidores da Secretaria de Estado de Saúde (SES) que estavam em regime de teletrabalho foram imunizados contra a Covid-19 em Minas Gerais. Nessa modalidade, eles foram liberados da atuação presencial para poderem trabalharem em casa, reduzindo a possibilidade de serem contaminados pela doença. No entanto, apesar de não se enquadrarem nos grupos prioritários definidos pelo Ministério da Saúde e o pelo próprio Governo de Minas, os profissionais foram imunizados mesmo assim. 

Segundo a nova relação, foram vacinados 1.852 servidores que trabalham nas 27 Superintendências Regionais de Saúde. Há assessores, funcionários da Farmácia de Minas, além das pessoas que trabalham no almoxarifado. As justificativas na lista vão desde "acima de 60 anos", passando por "contato com o público" e "trabalho presencial" - além do já citado teletrabalho.

Ainda de acordo com a lista encaminhada à ALMG, apenas 75 servidores vacinados possuem 60 anos ou mais  - atualmente, a campanha de vacinação é promovida de maneira ampla pelo governo do Estado, no entanto, ainda está vacinando os idosos apenas com mais de 75 anos.

Pelo menos 32 servidores que trabalham no setor de almoxarifado também foram imunizados.  Além disso, do total da lista, 101 trabalhavam em contato direito com o público. Há ainda 165 servidores em "trabalho de campo", sendo que não há explicações sobre qual tipo de função era executada por eles.

Segundo o documento, 333 servidores vacinados são trabalhadores de apoio e têm contato com o público, 308 executam trabalho de campo e 549 estão em trabalho presencial. Outros 116 servidores atuam na Rede de Frio Estadual, e 250, nas Farmácias de Minas.

Em entrevista nesta quinta-feira (18), à Rádio CBN Juiz de Fora, o governador Romeu Zema (Novo) confirmou a situação. "As apurações estão em andamento, o Ministério Público e a Assembleia abriram uma CPI, existem divergências de entendimento. Então, até o momento, não há nenhuma conclusão a respeito disso. Eu pessoalmente, como governador, havia dito que eu só seria vacinado de acordo com a ordem cronológica e quando chegar a minha vez eu aceitaria qualquer vacina. Pelo que recebi informações preliminares, foram vacinadas pessoas da saúde que estavam em home office, então me parece que não foi conduzido da forma mais adequada, mas as investigações e apurações que vão determinar isso", afirmou.

Mais servidores que pessoas em 93% das cidades

Somando as duas listas com servidores da secretaria de saúde que foram vacinados, divulgadas neste mês, chega-se ao número de 2.680 pessoas. De acordo com o vacinômetro, do governo de Minas, isso significa que a SES vacinou mais servidores que 93% das cidades mineiras, que estão recebendo as vacinas a conta-gotas semanalmente. Até o momento, 795 cidades mineiras imunizaram com a primeira dose menos pessoas que o número de servidores vacinados. 

No entanto, é importante frisar que ainda não se sabe se todos ou parte desses funcionários públicos furaram a fila da imunização. As listas foram encaminhadas à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) que abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito CPI para apurar o caso. O Ministério Público de Minas Gerais também está investigando o ocorrido. 

De acordo com o presidente da ALMG, Agostinho Patrus (PV), os trabalhadores que, comprovadamente, tiverem furado fila na vacinação podem ser exonerados e responder pelo crime de improbidade administrativa. "Os números assustam e a cada vez, a cada lista, só vão aumentando. Quantos médicos, enfermeiros deixaram de ser vacinados? Até mesmo pessoas que fazem a limpeza dos hospitais?", questiona o deputado. "Estamos apurando quem de fato furou a fila, mas se comprovado temos alguns problemas: quem autorizou a furar a fila e aqueles que aceitaram furar. Por que essa vacinação foi feita escondida e não em postos de saúde se obedecem o critério? Autorizar pessoas a vacinar em home office é um crime, a pessoa sai de casa para vacinar e volta?", avalia Patrus. 

"Vamos sugerir ao Estado que se comprovados os funcionários efetivos sejam exonerados. A CPI é para dar elementos ao processo investigatório. Tenho certeza que o governador vai contribuir e colaborar, porque pessoas que trabalham na saúde deveriam cuidar de suas 'galinhas' e não serem as 'raposas' da história", completa. 

Relembre
O escândalo divulgado pela imprensa culminou na exoneração, no último sábado, do ex-secretário de Saúde de Minas, Carlos Eduardo Amaral. Além dele, o secretário-adjunto, Marcelo Cabral, também não faz mais parte da equipe. O médico Fábio Bacchereti foi nomeado para o cargo de secretário de saúde.

Investigados
O Ministério Público informou que a 2ª Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde de Belo Horizonte já analisa o caso e o inquérito está em andamento. “O objetivo da investigação do MPMG é identificar todas as pessoas vacinadas, sejam servidores da área ou não, terceirizados, comissionados, estranhos aos quadros da administração pública estadual. Enfim, todas as pessoas vacinadas diretamente pela SES, na capital ou no interior, e a sua correlação com o público-alvo ou grupo prioritário, devidamente descrito no Plano Nacional de Imunização (PNI)", informou por meio de nota. 

Procurada, o governo de Minas informou que  cada prefeitura é responsável por operacionalizar sua campanha de vacinação. Ou seja, a vacinação de servidores de uma superintendência regional depende do município onde ela está localizada. Segundo a Secretária de Estado de Saúde, a deliberação acordada entre o Estado e as cidades previa que a imunização fosse feita somente naqueles servidores que têm contato direto com o público.

Até o momento, conforme a pasta, só podem ter recebido a vacina servidores que trabalham na Rede de Frio Estadual, nas Centrais Regionais de Regulação Assistencial, Farmácias de Minas e almoxarifado para garantir o funcionamento desses serviços. O mesmo vale para os servidores que precisam ir a campo para trabalhar, sobretudo em cidades com situação crítica de infecção pelo novo coronavírus.

Outro grupo que pode ter recebido as vacinas, de acordo com o governo, é formado por trabalhadores que precisam executar suas atividades presenciais para reduzir o risco de disseminação da doença e provocar, como consequência, um surto por Covi-19.

Ansiedade entre aposentados

Enquanto as autoridades investigam se houve ou não irregularidades no processo de imunização entre os servidores do Estado, idosos que já poderiam ter sido vacinados aguardam ansiosamente a sua vez na fila. É o caso do motorista de ônibus aposentado Luiz Henrique Assis, 77. Ele mora em Contagem, na região metropolitana. A prefeitura da cidade iniciou nesta semana a imunização de idosos com 79 anos.

"Meu pai me ensinou que não tem coisa mais preciosa neste mundo do que o caráter. Está demorando, mas eu vou esperar a minha vez. Eu prefiro ser enganado do que enganar alguém, como que dormem essas pessoas?", questiona Luiz ao ler as notícias de fura-filas. "A gente sente revolta, essas pessoas não pensam em que já tá cansado de tanto trabalhar? Eu sei que já estou velho, mas meu medo é deixar as minhas filhas sozinhas, essa doença não escolhe hora", afirma. 

Quem também aguarda a sua vez é o aposentado José Rezende da Silva, 74. "Eu estou há um ano sem ir na igreja, é o que eu mais gosto dessa vida e eu não posso mais. Eu só estou saindo para fazer o essencial e tem gente que tem coragem de vacinar sem ser sua hora, isso é falta de caráter", analisa o metalúrgico, que mora em Belo Horizonte. Atualmente, a cidade está imunizando idosos entre 77 e 78 anos.   

"Eu fico com muita raiva por não ter vacina suficiente, por demorar, por ter pessoas que se aproveitam dessa situação. Tem pessoas que usam o cargo que tem para passar na frente, usam o poder", argumenta a aposentada Leia Resende, 76. "Eu só quero poder voltar a usar a minha aliança em paz, porque nem isso eu uso com medo. Não uso nenhum acessório para não correr risco de me infectar, eu quero viver de novo", confessa a professora. "Meu marido já vacinou, todo mundo que eu conheço que é imunizado eu sinto uma alegria como se fosse eu. Eu quero a minha vez", afirma Leia, que também mora em BH. 

Aos 71 anos, o taxista Valdir José Flores não pode se dar o descanso de ficar em casa "As contas não esperam, tenho uma casa para sustentar, tudo está muito caro, o dinheiro da aposentadoria não dá", admite ele que por ser diabético e hipertenso gostaria de se preservar e estar isolado. "A gente trabalha com medo, álcool em gel toda hora e vai levando na sorte para não ser infectado. É o preço que se paga em viver um país corrupto, os mais jovens tirando a vez dos mais velhos", pontua o taxista que diariamente bate ponto nos pontos de taxi da região Noroeste de Belo Horizonte. 

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