Transfobia

Mulher trans deixa hospital meses depois de ser espancada no Carnaval de BH

Nascida em Belém, Cibelly Pamela saiu para um bloco quando foi cercada por grupo de homens que quase a matou; até agora, ninguém foi preso

Por Laura Maria
Publicado em 11 de junho de 2020 | 09:38
 
 
 
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Assim como as quase cinco milhões de pessoas que passaram por BH durante o Carnaval, a mulher trans Cibelly Pamela, nascida em Belém, no Pará, queria apenas curtir a folia. Mas sua alegria em participar daquela que é considerada uma das maiores festas do país foi interrompida de maneira brutal no dia 22 de fevereiro.

Cibelly foi espancada, no centro da cidade, por um grupo de homens, quando ia se encontrar com amigas para acompanhar um bloco. Ela ficou entre a vida e a morte, e o estado de saúde era tão delicado que, somente após quase quatro meses, ela recebeu alta. Cibelly deixou o Hospital João XXIII no último sábado (8) em uma cadeira de rodas e perda de voz. No hospital, ela passou por cirurgia para afundamento de crânio e traqueostomia.

Passado todo esse tempo, a polícia não tem nenhuma pista de quem possa ter cometido a tentativa de homicídio. A Polícia Civil informou, por meio de nota, que ainda investiga o caso, mas que “nenhuma câmera captou o momento das agressões ou mesmo os agressores”.

Além disso, não encontrou nenhuma testemunha do crime, mesmo tendo chamado pessoas para “prestar informações”. A demora para registrar a tentativa de homicídio pode ter dificultado o trabalho da instituição: apenas seis dias após o espancamento de Cibelly é que a Polícia tomou conhecimento do fato. 

Enquanto não pode contar com ajuda das autoridades, Cibelly recebe apoio dos familiares, amigos, de ONGs e de uma igreja. O pastor Sandro Lúcio Almeida Pereira, de 49 anos, que congrega na Igreja Cristã Contemporânea, com sede no Rio de Janeiro, tem dado apoio material “e principalmente espiritual” para a paraense.

“Sensibilizei-me com o caso da Cibelly e convoquei a rede trans para ajudá-la. Conseguimos entregar cesta básica para o pai dela, que veio do Pará exclusivamente para cuidar da filha, e entregamos o restante do dinheiro a ele”, diz.

 

A professora, ex-candidata ao Senado e coordenadora da ONG Tranvest, Duda Salabert, informou que a ONG se comprometeu pagar as passagens aéreas e translado para o pai e para Cibelly voltarem ao Pará. Também disse que a instituição vai dar uma renda mensal para a família dela.

“Estou imensamente triste, revoltada, sem palavras. Até quando continuaremos assim? Segundo relatórios anuais, 83% dos assassinatos contra travestis ocorrem com uma violência exagerada: paus enfiados no ânus, corpos esquartejados... Tristeza”, escreveu em seu perfil no Instagram.

Além disso, a Rede Trans Brasil criou uma vaquinha para custear os gastos com o tratamento da paraense. Até agora, 161 pessoas contribuíram com um total R$ 10.086, e a meta foi alcançada. Caso queira contribuir, acesse.

Amor salvou Cibelly, diz pastor

O pastor Sandro Almeida, que estava em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, na época do Carnaval, por ocasião de um retiro, recebeu um telefonema de uma pessoa pedindo que ele fosse até o hospital onde Cibelly está internada. Ele afirma que, mesmo sem conhecê-la, tomou caminho do hospital.

“Ao chegar lá, vi que ela estava entubada, com sonda, em coma induzido e com afundamento de crânio. Ela estava com um corte de orelha a orelha e respirando com ajuda de aparelho. No momento em que a chamei pelo nome, os batimentos cardíacos dela caíram, e eu orei: ‘Jesus, não deixa ela morrer’”, e ela foi se restabelecendo.

O religioso afirma que o pai de Cibelly “parou a vida dele” no Pará para poder cuidar da filha, em Belo Horizonte. “Ele veio se dedicar a ela, sempre com muito carinho, foi a ajudando a voltar à vida”, conta. “A nossa igreja acolhe a classe (LGBT) com amor e mostra como Deus os ama como precisam ser amados”, pontua.

Segundo ele, a  Igreja Cristã Contemporânea é inclusiva e possui uma rede de solidariedade para acolher pessoas trans. “Estamos pensando em criar um projeto para resgate espiritual mas também social. Muitas dessas pessoas trans estão na prostituição porque não conseguem outro tipo de trabalho”, acentua. 

A reportagem entrou em contato com o pai de Cibelly, por meio de mensagens, mas não foi respondida. 

Minas foi o sétimo estado com mais números de mortes LGBT+ 

Por pouco, Cibelly não entrou para a triste estatística de mortes violentas de LGBT+ no Brasil. No ano passado, morreram 329 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais morreram vítimas da homotransfobia, de acordo com o relatório anual do Grupo Gay da Bahia. Dessas, 19 foram em Minas Gerais, que ocupa o 7º lugar do ranking da lista de estados onde mais LGBT+ morrem vítimas da violência. 

 

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