Em menos de três anos e meio, a aposentada Maria Nazaré de Jesus, de 78 anos, viu da porta de casa, no bairro Califórnia, na região Noroeste de BH, uma área verde de 128 mil m² dar espaço a um dos mais modernos espaços para jogos e shows da América Latina – a Arena MRV, inaugurada oficialmente em 27 de agosto. Cerca de um mês depois, período em que houve quatro jogos e dois shows no local, a casa dos atleticanos mudou a vida de Maria e a de outros cerca de 26 mil moradores da região, que terão que se adaptar aos impactos provocados pela nova vizinha.

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“Urinam na minha porta, e o ‘poeirinha’ (apelido dado pelos vizinhos ao ônibus da linha 401) não passa aqui em dia de evento. Dificulta muito”, reclamou Maria, que mora há 25 anos em um conjunto da rua Cristina Maria de Assis – a principal do estádio.

Esses e outros problemas, como poluição sonora, dificuldade de acesso às moradias e ao transporte coletivo, ação de flanelinhas e sujeira nas ruas, relacionados à nova arena, foram relatados à reportagem. Por 14 horas, junto com moradores, o Super acompanhou dois eventos no estádio: um festival de música com duas atrações (6/9) e o jogo entre Atlético e Botafogo, pelo Brasileiro (16/9).

“É carro estacionado nos dois lados, o dia todo. Quando a gente vai sair, é difícil. Os torcedores fecham a rua, e a gente não passa”, reclamou o aposentado Adelmo Faria, de 61 anos, morador do bairro Califórnia há 24.

O momento é de mapeamento de impactos, disse Rodrigo Messano, diretor de operações do Atlético, em audiência na Câmara de BH, em 18 de setembro, para debater os problemas. Segundo ele, houve “melhoras significativas em vários âmbitos, com a diminuição dos gargalos no trânsito e a qualificação na limpeza” desde os primeiros eventos.
 
Tem solução? Os vizinhos do estádio devem reivindicar as contrapartidas, sugere o urbanista Roberto Andrés, professor e doutor em arquitetura e urbanismo da UFMG: “É essencial os empreendimentos contribuírem, seja com recursos, adotando práticas ou assumindo serviços ou obras que melhorem a região. E, se deixado de lado, o entorno fica com o ônus, e o dono do projeto, com os benefícios”.

Barulho de fora do estádio é o que mais incomoda

O Super acompanhou uma medição sonora feita pela Arena MRV em 6 de setembro. Às 22h36, enquanto Ivete Sangalo se apresentava, o decibelímetro registrava 62,8 dB na calçada dos prédios da rua Cristina Maria de Assis e chegava a 68 dB com a passagem de veículos ou pessoas conversando. O permitido para o horário é até 50 dB, em dias normais, e 60 dB às sextas, sábados e vésperas de feriados, até às 23h, diz a lei.
 
Segundo os moradores, o problema não é o som da Arena, mas o comportamento de muitos visitantes, que, além de urinarem em muros, chutam portões, jogam latas no chão e gritam, o que acorda bebês e assusta idosos. “A gente sente falta de fiscalização da Guarda na saída dos torcedores”, disse a enfermeira Elisângela da Silva, de 51 anos, síndica de um condomínio em frente ao estádio.

A PBH informou que não recebeu queixas sobre poluição sonora do estádio ou entorno. A Arena MRV disse que “a percepção do ruído nos eventos por parte da vizinhança foi excelente”.

“Flanelinhas ocupam o passeio do condomínio para estacionar carros. A gente chama a BHTrans, que diz que é com a PM, e a PM diz que é com a BHTrans. Também tiraram o ponto de ônibus da rua Gentil Portugal do Brasil e mudaram para uma área erma.”
Wellington Silva, de 48 anos, comerciante e subsíndico do condomínio Mundi, no Camargos

Flanelinha

Prisão. Um suposto flanelinha foi preso antes do jogo entre Galo e Cuiabá, no sábado (23), após ameaçar torcedores e danificar veículos de quem se recusava a pagar para estacionar em uma rua no entorno da Arena MRV, segundo a Guarda Municipal. 

Dano. Havia um carro com sinais de vandalismo no local.

Autista que mora em frente a bares ‘regride’, afirma mãe 

“Minha vida virou um inferno. Ele voltou a ter convulsões, que já estavam controladas há seis anos”. O desabafo é da técnica de enfermagem Núbia Oliveira, de 57 anos, que mora com o filho, de 21, em um apartamento em frente a bares no entorno da Arena. Segundo ela, o barulho produzido nesses estabelecimentos e nas ruas tem piorado a saúde do rapaz, que tem autismo severo e deficiências visual, verbal e motora. “Ele está descontrolado. Rasga roupa do corpo, fica agressivo comigo e grita ainda mais”, detalha a mãe.

A Arena informou à reportagem que ouviu Núbia e “mantém um contato cordial em busca de alternativas para a situação”. Já a Prefeitura de BH afirmou que o morador pode pedir fiscalização, com medição de poluição sonora, pelo 156. Se constatado o problema, o estabelecimento poderá ser notificado e multado. (Anderson Rocha, com Guilherme Gurgel)

Trânsito

A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) respondeu que o itinerário de coletivos muda em dias de eventos para “garantir acessibilidade e mobilidade”. Já as mudanças (mão única e o ponto de ônibus) objetivam desafogar o trânsito e “resguardar a segurança”. O órgão reforçou que faz ajustes para garantir a fluidez do trânsito, com melhorias gradativas, e que equipes atuam para coibir flanelinhas.

Urina. A PBH informou que atua para punir flagrantes de pessoas urinando na rua, prática que configura ato obsceno. Há banheiros disponíveis na esplanada, segundo a Arena MRV.

Mesas em calçadas. A PBH respondeu que faz ações educativas com donos de bares no entorno.

Sem fonte. Procurada sobre as queixas, a assessoria de imprensa da Arena respondeu por e-mail à maioria das questões, mas não disponibilizou ninguém para dar entrevista.