Imunização de rotina

Pandemia intensifica queda de cobertura vacinal em BH

No âmbito estadual e nacional, a situação não é diferente; OMS alerta, inclusive, a possibilidade de uma catástrofe absoluta neste ano devido à baixa imunização, principalmente, entre as crianças

Por Letícia Fontes
Publicado em 20 de setembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Ao longo dos últimos anos, cada vez mais pessoas têm decidido adiar a vacinação de rotina, que mantém doenças como a poliomielite, o sarampo e a gripe sob controle. Com a pandemia, a taxa de cobertura vacinal dessas doenças se intensificou ainda mais. 

Em Belo Horizonte, neste ano, a imunização contra as doenças está muito abaixo da meta de 95% definida pelo Ministério da Saúde. Até o momento, na capital, a cobertura vacinal contra a influenza é de apenas 62%, enquanto a poliomielite e o sarampo estão em 78,8% e 88,7%, respectivamente. A queda na campanha de imunização em 2021 é superior a do ano passado, quando diversas medidas restritivas ainda estavam em vigor na cidade. 

 

No âmbito estadual, a situação não é diferente. Em Minas, a imunização contra a poliomielite ficou em 82,21%, enquanto a aplicação da segunda dose da tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) ficou em 75,8%. O temor entre os especialistas é que, com a flexibilização da pandemia e a maior circulação das pessoas na rua, o país enfrente surtos de doenças até controladas. (Veja abaixo) 

Segundo um estudo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, em 2020, menos da metade dos municípios brasileiros atingiu ou superou as metas de cobertura estabelecidas pelo plano de imunização. No caso da vacinação contra a poliomielite, da primeira dose da tríplice viral, da imunização da BCG (tuberculose), da pentavalente (tétano, coqueluche, difiteria, hepatite B e meningite), da hepatite B (em crianças até 30 dias), da hepatite A, da pneumocócica, da meningocócica C e do rotavírus humano, a queda na proteção foi superior a 20%. 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta, inclusive, a possibilidade de uma "catástrofe absoluta" neste ano devido à baixa cobertura vacinal, principalmente, entre as crianças. De acordo com a entidade, 23 milhões de pequenos não receberam as três doses da vacina contra difteria, tétano e coqueluche no mundo. O número é o mais alto desde 2009. 

"Você imagina se em um momento grave como o que estamos vivendo corremos o risco de voltar a ter surtos graves dessas doenças, que já estavam controladas há anos? Percebemos que a queda é em todas vacinas, meningite, HPV. Não tivemos uma explosão de casos ainda, porque as pessoas estão usando máscaras, lavando mais as mãos por conta da pandemia, além da circulação ter diminuído na cidade, mas à medida que as atividades foram voltando se as vacinas não estiverem em dia, iremos ter casos de doenças que há muito tempo não existia", alerta a Diretora de Promoção à Saúde e Vigilância Epidemiológica da Prefeitura de Belo Horizonte, Jandira Lemos. 

"Meningite temos grande risco, é uma doença que provoca surtos. Temos uma outra situação, começamos o período de calor, é fundamental a vacina de rotavírus para as crianças. Além disso, no Sul e Centro-Oeste do país já estão tendo episódios de febre amarela. É preciso se proteger, temos excelentes vacinas à disposição da população gratuitamente. O Brasil tem a maior oferta de vacinas do mundo", completa Jandira. 

Calendário de imunização 
BH. Na capital, a vacinação é realizada de segunda a sexta-feira nos Centros de Saúde do município. Segundo a prefeitura, os espaços de vacinação têm entradas separadas dos demais serviços e os profissionais atendem somente na imunização. Por medida de segurança, pessoas que receberam qualquer vacina, incluindo contra a Covid-19, precisam respeitar um intervalo mínimo de 14 dias para tomar outro imunizante.

Doenças desconhecidas
Logo no começo da pandemia, no ano passado, a pedagoga Raquel Mendes, 34, decidiu atrasar a vacinação da filha recém nascida de dois meses na época por conta das medidas de restrição. Esse ano, ela optou também em não vacinar contra a gripe, porque a vacinação coincidiu na mesma época em que ela seria imunizada contra a Covid-19. "Para a minha filha, acabei atrasando a vacina da pneumocócica, do rotavírus, a pentavalente (contra a difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e meningite) e a VIP (poliomielite). Além do isolamento que me garantiria a proteção de alguma forma, o medo da Covid era grande, tínhamos pouca informação", conta.

"No caso da gripe, não me preocupei, porque é uma vacina que abrange toda a população, então, entendo que não oferece tanto risco. Além disso, me mantenho em isolamento", afirma. 

O presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha, concorda que a campanha de vacinação contra o coronavírus tirou o foco de outras vacinas. Mas ressalta a baixa adesão é um movimento que vem crescendo desde 2015. Um dos principais fatores, segundo ele, é a percepção de baixo risco oferecido pelas doenças.

"Claro, o medo de sair de casa influenciou, mas é preciso considerar que existe uma falsa sensação de segurança, as pessoas não conhecem essas doenças, nunca viram e acham que não precisam se vacinar. Isso é fortemente intensificado também pelas fake news e por um governo que reforça o movimento antivacina, retirando a confiança da população na vacinação", destaca o especialista, que reforça ainda a má estruturação dos cursos de saúde do país e do Sistema Único de Saúde.

"A comunicação é falha, não existe mais campanhas publicitárias como antigamente. O nosso calendário de imunização é complexo, porque engloba muitas doenças. Então, com o sucateamento do SUS, temos a falta de capacitação dos profissionais em entender o cronograma e as regras. Até a formação profissional prejudica a imunização. Muitos médicos e enfermeiros não conhecem o calendário completo", pontua Cunha. 

A reportagem entrou em contato com o Ministério da Saúde, mas até o fechamento desta edição não havia se manifestado. 

Minientrevista
Josiane Dias Gusmão - Coordenadora estadual do Programa de Imunizações da Secretária de Estado de Saúde (SES-MG)

Como está a cobertura vacinal no Estado para as demais vacinas? Em 2020, tivemos reduções, mas se formos analisarmos a série histórica das vacinas de rotina, há uma queda nos últimos anos. Em 2018, atingimos 95% de cobertura contra a poliomielite, já no ano passado esse número caiu para 85% nas crianças abaixo de um ano. Isso também ocorreu com a tríplice viral, que é a responsável pela imunização contra o sarampo, caxumba e rubéola. Neste ano, a vacinação contra a influenza, por exemplo, está em 73%, a meta é 90%. 

Qual é a orientação para quem está com a caderneta de vacinação atrasada?  Para as crianças e adolescentes é muito importante que os pais vão aos postos de saúde, pergunte algum profissional qual vacina está faltando, e aproveite e faça a atualização do cartão da família toda. É preciso se vacinar contra a Covid, mas contra todas as outras doenças. Por falta de vacinação corre-se o risco de doenças que não circulam mais voltarem. Está acontecendo a volta de doenças altamente infecciosas no Brasil, são doenças de alto risco e com sequelas motoras permanentes, como é o caso da poliomielite. 

Quais ações o Estado pretende realizar para aumentar a cobertura vacinal em Minas? No próximo mês, será realizado no país todo a campanha de multivacinação. Vai ocorrer no dia 29 de outubro, é uma ação nacional, estamos organizando todas as equipes. Será uma grande oportunidade de ter o cartão de vacinação atualizado. Tem que ser um esforço conjunto da população, do Estado e dos municípios, se vacinar é uma responsabilidade social importante.

Cobertura vacinal
Veja como está a adesão a vacinação no Brasil e no mundo

Mundo
2020
- 23 milhões de crianças não receberam as três doses da vacina contra difteria, tétano e coqueluche

Brasil
2020
- Menos da metade dos municípios atingiu ou superou as metas de cobertura estabelecidas pelo plano de imunização do país contra o sarampo, caxumba, rubéola, tuberculose e poliomielite

Minas Gerais 
2020

- Tríplice viral (D1. - 12 meses): 92,42%
- Tríplice viral (D2 - 15 meses): 75,8%
- Poliomielite (menos de 1 ano): 86,03%
- Poliomielite (VIP/1º reforço - 15 meses): 82,4%
- Poliomielite (VIP/ 2º reforço - 4 anos): 78,72%

Meta: 95%

Belo Horizonte
2021

- Sarampo: 88,7%
- Influenza: 62%
- Poliomielite: 78,8%

2020
- Sarampo:
102,2%
- Influenza: 95%
- Poliomielite: 90,80%

2019
- Sarampo:
91,5%
- Influenza: 94%
- Poliomielite: 98,38%

Meta: 90%

Fonte: ONU, Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, Secretária de Estado de Saúde de Minas Gerais e Prefeitura de Belo Horizonte

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