Mundo do crime

PCC faz 30 anos, se torna grupo terrorista e força reação conjunta entre Estados

Criada em 1993 no presídio chamado “Piranhão, no interior de São Paulo, facção passou de gangue estadual a cartel internacional reconhecido como um dos maiores do mundo

Por José Vítor Camilo
Publicado em 04 de setembro de 2023 | 06:00
 
 
 
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“Sempre foi assim e sempre vai ser. Onde o Estado abandona, o comando adota”. A frase é de um ex-membro da facção, mas bate com os motivos que levaram ao surgimento do Primeiro Comando da Capital (PCC), segundo juristas, promotores e pesquisadores do assunto ouvidos por O TEMPO. Condenado a mais de 20 anos de prisão, Marcos* diz estar “aposentado” do crime, ter um trabalho formal e viver atualmente com esposa e filhos em Belo Horizonte. O encontro aconteceu em um restaurante, onde o homem, que usava uma tornozeleira eletrônica, conversou com a reportagem por mais de uma hora. Ele deu detalhes sobre o funcionamento da organização criminosa que acaba de completar 30 anos de atuação. Nesse período, o PCC passou de uma gangue dos presídios paulistas para um cartel internacional, que se autointitula como grupo terrorista ao impor medo, sequestrar, matar e traficar na maior parte do Brasil, além de África e Europa. Essa expansão foi confirmada pelo Ministério Público de São Paulo, que tenta frear o avanço da facção também com forte atuação em Minas Gerais.

Após a entrevista, a reportagem verificou, com base nas condenações e penas do homem, as informações repassadas por ele sobre os motivos de suas prisões e, ainda, os anos em que ele disse ter ficado detido. A última prisão dele, que chegou aos mais altos degraus da organização criminosa, foi por envolvimento no chamado “novo cangaço”, ou assalto com explosão de caixas eletrônicos e uso de material bélico de guerra, mais uma das atividades ilícitas do PCC.

A entrada na organização teria sido por busca de oportunidades, segundo ele. “Sou de São Paulo, eu vi a organização chegar. Com 10 anos eu  andava com uma Glock (arma) de pente alongado, já trocava tiro com a polícia. A questão é que o que a gente esperava do governo na quebrada, e não tinha, como segurança, comida no prato e o direito de ir e vir, a gente começou a ter com o comando”, diz Marcos.

Professora do Departamento de Sociologia da UFMG e pesquisadora no Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), Ludmila Ribeiro explica que o PCC surgiu justamente com essa promessa de “combate à violência estatal”. “Essa é considerada a primeira fase, que era mais ‘família’, da solidariedade. Com o tempo, vai crescendo essa parte mais empresarial, que é a face que vai se expandir para os outros Estados da Federação”, garante.

Um levantamento feito pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) indica que, atualmente, existem ao menos 40 mil integrantes da organização criminosa em todo o Brasil. Porém, segundo o ex-integrante do “Sindicato do Crime”, como também é chamada a facção, esse número está bem distante da realidade. “Mano, hoje nós somos mais de 1 milhão. Não é só Brasil mais. Tem gente na Bolívia, Colômbia, Venezuela, Suriname, Guiana, Paraguai, Chile, Argentina. Já deixou de ser facção há muito tempo. A polícia dos Estados Unidos classifica como cartel e grupo terrorista”, argumentou.

Autor do livro “Laços de Sangue: A História Secreta do PCC”, o procurador Márcio Sérgio Christino, do MPSP, afirma categoricamente que, com exceção de alguns Estados mais ao Norte e uma parte do Rio de Janeiro dominados pelo rival Comando Vermelho (CV) , não importa a cidade, onde há tráfico de drogas, a impressão digital da facção paulista é encontrada.

“Essa ideia do pequeno traficante não existe mais. O tráfico hoje é formado por ‘empresas’, são organizações. A facção domina, mesmo sem ter o monopólio do mercado. Por exemplo, você está em Belo Horizonte e alguém vai vender alguma droga, ele está vendendo em território que não é dele. Essa pessoa vai ter duas opções: ou ele passa a trabalhar no PCC, ou é eliminado. Você não tem mais o pequeno traficante, ele é apenas um soldado do tráfico, que vai executar o serviço”, garante.

O procurador explica ainda que, nos últimos anos, o PCC teve um grande salto em sua história, focando os seus negócios no tráfico de drogas após conseguir o domínio da rota da cocaína da Bolívia, país que, inclusive, sofreu um aumento na produção da droga por causa da facção. “Os bolivianos fornecem droga para o mercado da Europa e África. O meio para chegar a essas partes do mundo passa necessariamente pelo Brasil. Com isso, o PCC se uniu aos cartéis do país para levar a droga até os portos brasileiros. Essa rota os fez se tornarem o que são hoje”, detalhou Christino.

As ações criminosas do grupo não se limitam ao tráfico de drogas. Roubos a bancos ou empresas de valores, também chamados de “novo cangaço”, são outros crimes constantemente apontados como atividades paralelas do PCC. “Isso é só para arrecadar caixa”, explica Marcos. De acordo com o procurador Márcio Sérgio Christino, de fato, esses “megarroubos” são uma questão de oportunidade.“Quando acontece a possibilidade de fazer um roubo a banco, por exemplo, eles fazem. Mas a atividade principal mesmo, que move o grupo, é o tráfico de drogas”, afirma.

Minas Gerais aposta em trabalho integrado contra crime organizado

O secretário de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais, Rogério Greco, defende que o combate ao PCC seja feito de forma integrada entre as forças de segurança pública de todos os Estados onde a facção tenha algum tipo de atuação. “É uma preocupação do país todo. Temos nossos trabalhos de inteligência, que são muito importantes para iniciar as ações do PCC”, afirmou.

O gestor conversou com a reportagem no dia em que apresentava a lista com os 12 criminosos mais procurados de Minas, que, inclusive, traz integrantes do PCC. Segundo ele, as ações mais imediatas no âmbito do Estado incluem a prisão e o isolamento das lideranças da facção. “Existem alas específicas do PCC (dentro dos presídios de Minas Gerais) justamente para evitar os chamados ‘batismos’ (adesão ao grupo)”, pontuou o secretário. As ações já estariam trazendo resultados práticos, de acordo com o titular da pasta: “Só para que vocês tenham uma ideia, em 2015 nós tivemos 250 ações do chamado ‘novo cangaço’ em Minas. No ano passado, foram cinco e, em 2023, nenhuma. Então, o trabalho de inteligência tem sido muito efetivo”, finalizou Greco.

Segundo Marcos, o ex-integrante do PCC, um dos locais onde a facção tem conseguido novos integrantes é dentro das penitenciárias. “Está mais forte do que nunca. Tem dia que chega a ter 40, 50 batizados por dia”, garante. O motivo, nesse caso, seriam as “garantias”, como advogados contratados pela facção e certa “segurança” pela influência do grupo dentro das unidades prisionais. “Vem o comando, chama os advogados bons, e acaba com a opressão. Que preso que não vai querer isso?”, indaga.

Segundo o supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) do TJMG, o desembargador José Luiz de Moura Faleiros, a atuação do PCC é uma preocupação também do Judiciário. “Esta é uma das razões que me levaram a visitar a Nelson Hungria recentemente. Saí de lá com uma informação segura de que, atualmente, não há atuação nenhuma deles (PCC) na região metropolitana. Existem algumas preocupações no Triângulo e alguns presídios do Sul de Minas, devido à proximidade com São Paulo”, disse o magistrado.

Para a pesquisadora da UFMG Ludmila Ribeiro, existem alguns empecilhos para o livre avanço da facção na região metropolitana de Belo Horizonte, como a cobrança de uma espécie de “contribuição sindical”. “Quando você entra para o PCC, você não pode resolver os seus conflitos internos, você perde o seu poder de matar a bel-prazer. É preciso consultar a Sintonia (nome dado aos líderes regionais da organização). Outro motivo é o fato de precisar pagar a chamada ‘cebola’, ou ‘taxa’, que é uma contribuição mensal. Ouvimos deles frases como: ‘Veja se eu vou pagar para ser bandido’”, detalhou.

Questionada sobre sua atuação, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp), as forças de segurança do Estado adotam “estratégias conjuntas para a desarticulação de grupos criminosos”. “Todas as ações e informações sobre o tema são tratadas em nível de gestão estratégica e de inteligência; portanto, não é possível qualquer detalhamento sobre o tema”, disse.

A pasta ainda afirmou que o lançamento da 6ª edição do programa Procura-se, com os 12 criminosos mais procurados, é outra ação estratégica integrada que visa “desarticular a atuação de organizações criminosas no Estado”. “Ressalta-se, por fim, que a pasta não compactua com desvios de condutas e que todas as medidas são tomadas quando há o conhecimento de supostas práticas irregulares por parte dos seus profissionais – esta é, inclusive, uma das prioridades da gestão da Sejusp: o combate à corrupção”, finalizou.

Também procurada por O TEMPO, a Secretaria de Estado de Segurança Pública de São Paulo informou, por nota, que “trabalha diuturnamente em diversas frentes para combater o crime organizado”, além de confirmar que isso ocorre, entre outras coisas, por meio do trabalho integrado com outros Estados.

“Como resultado do empenho das forças de segurança, somente nos sete primeiros meses deste ano, mais de 153,5 toneladas de drogas foram apreendidas, sendo o segundo maior total em 23 anos para o período, e 6.500 armas ilegais foram retiradas das ruas de todo o Estado, entre elas 108 fuzis, um aumento de 10,7% em comparação ao mesmo período de 2022”, detalhou.

Ainda conforme a secretaria do Estado, em julho foi lançada uma operação chamada “Divisas Integradas II”, feita em parceria com o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul. “Em quatro dias de operação, as polícias de São Paulo prenderam 1.186 pessoas sendo 880 procurados , detiveram 167 menores, apreenderam 7,9 toneladas de entorpecentes e recuperaram 609 veículos roubados e furtados”, finaliza.

O Ministério da Justiça também foi procurado, mas, até a publicação desta reportagem, o órgão federal ainda não tinha se posicionado sobre sua atuação contra a facção em território nacional.

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