15 anos em vigor

Políticas de conscientização ainda são gargalo na Lei Maria da Penha

Lei que incide sobre a violência contra a mulher apresenta avanços importantes no combate ao crime, especialmente na proteção das vítimas, no entanto, ações educativas ainda são necessárias.

Por Pedro Nascimento e Carolina Caetano
Publicado em 03 de agosto de 2021 | 03:00
 
 
 
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Há cerca de um mês a Giovanna*, de 36 anos, se mudou com o filho de 4 anos para Contagem, na casa da mãe. O local passou a ser um porto-seguro depois que ela entrou em um processo de separação contra o ex-marido, que a agredia física e psicologicamente.

“A gente tinha um relacionamento de oito anos. De vez em quando a gente brigava, e sempre tinha um tapa, um empurrão, uma palavra, e eu deixava passar. Começou a ficar corriqueiro, e sempre por causa de ciúmes ou coisas mínimas. Até que chegou um dia que o negócio ficou feio e eu fui parar no hospital, ele me jogou contra a parede várias vezes, tudo na frente do nosso filho”, conta. A revolta do ex-marido começou depois que a mulher avisou que não levaria a relação adiante.

Casos como o da Giovanna acontecem diariamente, e não são poucos. Segundo dados da Polícia Civil de Minas Gerais, até junho deste ano em Minas Gerais foram 70.450 registros de violência contra a mulher contabilizados - uma média de 391 por dia. 

São situações de violência contra a mulher que se enquadram na Lei Maria da Penha, que neste mês de agosto completa 15 anos desde a sua promulgação. Para a professora da UFMG e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), Ludmila Ribeiro, o país obteve avanços importantes na prevenção e combate à violência contra a mulher nesse período, mas os casos de agressão continuam a acontecer.

“A falta de discussão antes do evento acontecer ainda é um gargalo, mesmo que a Lei Maria da Penha preveja esse tipo de política. São ações que vão além da punição ou da proteção, mas impeçam que esse crime aconteça por falta de desconhecimento”, diz

Segundo a pesquisadora, são debates que poderiam ser levados para dentro das escolas, dos projetos comunitários ou de eventos específicos uma discussão sobre o modelo de masculinidade ideal, conscientizando os homens das mudanças na sociedade.

“Se o homem cresce nessa cultura machista e violenta, e não tem um modelo ideal ao redor, é muito provável que isso seja repetido. Então a Lei Maria da Penha fez muito bem ao prever políticas de prevenção e conscientização. Mas isso ainda precisa de mais atenção”, diz Ludmila.

Foco no combate a prevenção

Desde que a Lei Maria da Penha passou a vigorar, há 15 anos, um dos exemplos considerados positivos na aplicação dela tem sido a ‘Patrulha Prevenção à Violência Doméstica’, que é executada pela Polícia Militar de Minas Gerais.

São equipes de militares que vão à casa de vítimas recorrentes de agressão, ou que possuem medidas de proteção em vigor. Essa visita tem o objetivo não só de oferecer proteção, mas também apoio às mulheres.

“É um trabalho de segunda resposta, dando continuidade a um primeiro atendimento que é feito quando ocorre o fato. Com base nessa ocorrência que é registrada, nós realizamos essas visitas para dar apoio, encaminhar a vítima a um órgão para um acompanhamento psicológico, ou qualquer coisa que ela precise relacionada ao processo. É um serviço que visa empoderar a mulher para que ela não se sinta sozinha após essa denúncia", explica o Tenente Clever de Araújo, da 2ª CIA Independente de Prevenção a Violência Doméstica.

Nesta segunda-feira, o tenente, acompanhado da soldado Suelen Vianini estiveram na casa da Giovanna*, que agradeceu o apoio. “Desde o primeiro momento eles me acompanharam, foram ao delegado, me arrumaram um horário, me ajudaram com a medida protetiva, que saiu depois de quatro dias”, conta. “Consegui principalmente atenção, porque eles vem aqui todo dia para saber como eu estou, se meu ex deu sossego e se eu não corro nenhum risco”, diz Giovanna. 

Paralelamente, o agressor também é acompanhado pelos militares para que reflita e tome ciência do que aconteceu. Segundo a pesquisadora Ludmila Ribeiro, esse tipo de ação é fundamental para as políticas de proteção, evitando complicações futuras.

“Por mais que tenha que haver punição, muitas mulheres até desistem das denúncias porque não querem que os companheiros sejam presos. Às vezes ele é o único provedor, e na cadeia essa família seria jogada na pobreza. Por isso investir no grupo de reflexão é tão importante. São soluções ao problema que evitam mais conflitos na Justiça”, diz Ludmila.

*Nome ficíticio a pedido da vítima.

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