Em BH

Prefeitura anuncia programa para diminuir fosso educacional durante pandemia

Secretaria de educação quer evitar o mesmo cenário de 2020 e visa mapear problemas para efetivar soluções; para especialistas, a medida deveria ter sido tomada há tempos

Por Rafael Rocha
Publicado em 17 de fevereiro de 2021 | 06:00
 
 
 
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Alunos desanimados, estudantes que desistiram de fazer as tarefas escolares pelas plataformas digitais, famílias com problemas de acesso à internet. Lá se vai quase um ano de pandemia, mas os problemas do ensino remoto ainda se mantêm presentes. Para evitar que em 2021 aconteça uma reprise do cenário educacional precário visto no ano passado, a prefeitura de Belo Horizonte tenta criar alternativas que possam minimizar esses problemas.

Uma portaria publicada no último sábado (13) no Diário Oficial convoca entidades a propor medidas para diminuir a distância entre aluno e ambiente escolar, sem descumprir o isolamento social, já que as escolas continuam fechadas na capital.

A iniciativa visa atender a quatro eixos: buscar os estudantes que abandonaram o vínculo escolar, acompanhar ações pedagógicas, promover formação continuada dos professores e alcançar também as equipes técnicas da Secretaria Municipal de Educação (Smed). A amarração entre esses objetivos foi batizada de Programa Contínuo de Atenção Individualizada, a qual agora depende do recebimento de propostas de terceiros, por meios das chamadas OSC (organizações da sociedade civil).

Medidas atrasadas

Especialistas em educação assumem que a pandemia trouxe implicações pedagógicas que fogem à normalidade e frisam que não há respostas prontas. No entanto, eles também apontam a falta de investimentos mais efetivos na educação. “O município de BH não providenciou o acesso das crianças a equipamentos que melhorem essa proposta educacional”, avalia o professor de pedagogia Teodoro Zanardi, da PUC Minas.

Essa estratégia de convocação externa também é alvo de críticas. Para Paulo Henrique Santos Fonseca, diretor do Sindicato dos Trabalhadores de Educação da Rede Pública de Belo Horizonte (Sind-REDE/BH), a medida acaba transferindo obrigação para outros atores. “Não houve a devida discussão com a categoria. A preocupação nos vem por ser uma forma de terceirizar responsabilidades”, diz.

Para Zanardi, o professor é o maior especialista em educação, e a categoria deveria ter sido consultada sobre qual a melhor solução para o contexto escolar. “Me causa estranheza (a proposta), por que aquele que participa com mais efetividade do processo de ensino é o professor e a professora. Não vejo a construção de projetos educacionais sem a participação desses sujeitos”, observa.

Abrir espaço para a sociedade participar não é ponto de discordância de Priscila Boy. No entanto, a pedagoga e consultora em educação considera a atuação do Executivo municipal retardatária. “A gente lamenta que a prefeitura não tenha tomado uma atitude há mais tempo. O aluno da rede municipal ficou muito prejudicado pela morosidade da prefeitura. Já faz 1 ano que esses meninos estão funcionando de forma muito precária”, critica. “A desigualdade foi ainda mais acirrada agora. A rede pública ficou estacionada, tinha que ter tido mais celeridade. Os prejuízos são muito grandes”, completa a especialista.

A única certeza do momento é o inegável dano que as aulas remotas têm causado junto a crianças e adolescentes. O próprio documento da prefeitura reitera esse argumento. “O que trouxe grande impacto em relação aos processos de ensino e aprendizagem, principalmente, aos estudantes com maiores índices de vulnerabilidade social”, diz a portaria.

Mãe de cinco filhos e sem internet em casa

A prefeitura da capital também busca identificar qual o tamanho do problema, e quer saber exatamente quantos alunos apresentam falta de equipamentos, como celular e internet, e quantos não têm acesso a pacote de dados de internet. Essas informações formam o chamado mapa socioeducacional da cidade, que deve ser aprimorado a partir de agora.

A empregada doméstica Luciana Vieira testemunha o problema diariamente. Moradora da Vila Ventosa, na região Oeste da capital, ela precisa sair de casa às 7h30 para trabalhar, e não tem com quem deixar seus 5 filhos que estão em idade escolar, com idades que vão dos 6 aos 17 anos. Todos eles, segundo ela, estão desanimados com a escola e não conseguem fazer as lições de casa. “Só tenho meu celular e não consigo colocar internet na minha casa. Não tenho condições de pagar reforço”, afirma.

Luciana afirma que até foi ameaçada de ser denunciada ao Conselho Tutelar, já que os filhos não estão participando das atividades escolares. “Minha filha recebeu exercícios pelos Correios, mas eu tenho só a 7ª série, ela não sabe (fazer a tarefa) e não tem como ver na internet. Eu tô quase ficando doida”, desabafa.

Mesmo quem tem internet não se livra de problemas, conforme explica a pedagoga Priscila. “O professor não está sabendo o que fazer, precisa de orientação de como usar as ferramentas tecnológicas”, pontua. Essa desconexão é sentida por Rúbia Fernanda, professora da rede municipal. Ela relata que perdeu o contato com diversos alunos durante a pandemia. “O que mais angustia a gente enquanto professor é não ter o resposta daquilo que é proposto aos alunos. O retorno é muito baixo, porque passa por isso, acesso à internet”, informa.

Aquisição de tablets

Para tentar resolver essa falta de tecnologia, a secretaria municipal de Educação prevê a compra de 15 mil tablets para serem entregues às escolas municipais. Com acesso à internet, os equipamentos serão emprestados para melhorar a qualidade da educação dos alunos da capital. Dois mil tablets já foram adquiridos e enviados a 73 escolas, por meio do projeto-piloto chamado Meta Educação.

Respostas

A reportagem de O TEMPO consultou o Conselho Municipal de Educação sobre a proposta, mas a entidade não quis se pronunciar. Desde segunda-feira (15) também foi solicitada entrevista com Ângela Dalben, a secretária municipal de Educação, mas a resposta foi igualmente negativa.

A rede municipal

Atualmente existem 168.122 alunos na rede municipal, que atende crianças de 0 a 14 anos e EJA. As atividades escolares não presenciais em 2021 foram iniciadas em 1º de fevereiro, com término previsto para até 23 de dezembro, totalizando a carga horária de 1600 horas previstas para os anos de 2020 e 2021.

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