Todo taxista podendo utilizar o Uber para transporte de passageiros em Belo Horizonte, com tarifas regulamentadas pela prefeitura. Essa é a proposta prevista por projeto de lei elaborado pela Câmara de Vereadores e que deverá ser entregue nesta sexta ao prefeito Marcio Lacerda. Os responsáveis pelo plano defendem que a regulamentação é justa e irá beneficiar o usuário, colocando um ponto final aos inúmeros atritos entre motoristas que tomaram as ruas da capital nos últimos meses. No entanto, especialistas ponderam que a norma, na prática, nada mais é que uma verdadeira proibição ao funcionamento do sistema Uber na cidade.

As discussões que resultaram no projeto de lei foram finalizadas em reunião na manhã desta quinta, na sede da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans). À frente da comissão de vereadores, sindicatos, aplicativos e BHTrans, formada para discutir o assunto, o vereador Preto (DEM) alegou que, após vários debates, a comissão chegou a um consenso. “É uma iniciativa pioneira no país. Os aplicativos entrarão dentro do sistema de táxi da prefeitura, e serão criadas mais 500 placas de táxis luxuosos”, disse.

Segundo o vereador, as novas concessões serão licitadas, e tanto os novos quanto os antigos taxistas – quase 7.500 – terão liberdade para se vincular a qualquer aplicativo, inclusive o Uber. Preto acredita que a adesão poderá resultar no aumento da média diária de corridas. “A cidade não proíbe o Uber, mas o traz para dentro do sistema de táxi, que é legalizado. E quem ganha com isso é o cidadão, pela melhor qualidade do serviço”, defendeu.

Pela proposta, o Uber não poderá mais dar o seu preço nas viagens, e o taxímetro será utilizado em todos os veículos para regulamentação das tarifas. Os atuais motoristas que prestam serviço para o Uber poderão se cadastrar para serem apenas auxiliares das novas placas licitadas.

Segundo Preto, o Uber administra hoje 450 veículos na capital, frota que poderá ser expandida com a possibilidade de qualquer taxista se vincular ao sistema. “Acreditamos que o Uber vai aceitar. Estavam presentes (na reunião), e não falaram que ficou ruim para eles”, justificou o vereador.
A expectativa é que o prefeito analise o projeto de lei nos próximos dez dias. De volta à Câmara, a proposta seguirá a tramitação rotineira, passando por comissões antes da votação.

Análise. Especialistas acreditam, porém, que a medida vai resultar na retirada do Uber da cidade. “Parece ser um projeto de lei criado para que o Uber não aceite e deixe o mercado. Uma vez que a empresa tem que seguir uma tarifa fixa, você tira o caráter de concorrência que possibilita preços mais atraentes. O aplicativo perde sua essência, e o prejudicado é o usuário final”, avalia Adriano Gianturco, cientista político e professor do Ibmec.

O Uber informou, em nota, que quer continuar a oferecer transporte “seguro, confiável e com preço justo” em Belo Horizonte. A empresa ressaltou que “Uber não é táxi”, explicando que o serviço oferecido pelos motoristas parceiros é transporte individual privado, previsto em lei federal. A empresa informou ainda que está aberta para encontrar uma regulação “que garanta a oferta do serviço”.

Saiba mais

Proposta.
O projeto de lei elaborado pela comissão de vereadores prevê ainda que os taxistas aceitem cartões de débito e crédito para pagamento das corridas. Além disso, será exigida a implantação da identificação biométrica dos condutores.

Panorama. BH tem hoje 6.833 táxis. Com as 500 novas concessões previstas, seriam 7.333 licenças. O valor atual da bandeirada é R$ 4,40, sendo R$ 2,73 o preço do quilômetro na bandeira 1 e R$ 3,28 na bandeira 2 (noite, fins de semana e feriados).

Legal. Representantes da BHTrans participaram da comissão. Procurada para comentar o conteúdo do texto a ser apresentado, a assessoria de imprensa informou apenas que as propostas discutidas para confecção do projeto tiveram embasamento legal.

Taxistas. A reportagem tentou contato com os presidentes do Sindicato dos Taxistas (Sincavir) e da Associação dos Condutores Auxiliares de Táxi (Acat) para repercutir o projeto, sem sucesso.

Rio. A Prefeitura do Rio de Janeiro proibiu o Uber nesta quinta, mas a Justiça cassou a decisão por meio de liminar. Os agentes municipais estão proibidos de autuá-los, sob pena de multa de R$ 50 mil, segundo informações do site G1.

FOTO: MARIELA GUIMARÃES - 3.7.2015
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Taxistas já protestaram várias vezes, inclusive na Câmara

Alemanha conseguiu a conciliação

Em cerca de dez cidades alemãs, inclusive na capital Berlim, o Uber funciona apenas com taxistas, mas lá a tarifa segue as regras do aplicativo e não é determinada pelas prefeituras. Dessa forma, os usuários continuam pagando mais barato do que as corridas convencionais.

Essa foi a estratégia adotada pela empresa para operar, mesmo após a proibição aprovada para toda a Alemanha. “Se houver a possibilidade de o taxista escolher se vai utilizar a tarifa convencional ou os preços do Uber, é possível conciliar o serviço, mas esse não é o ideal”, afirmou Adriano Gianturco, professor do Ibmec.

No caso da proposta para regulamentação em Belo Horizonte, a tarifa seria a mesma praticada pelo táxi. Ainda é estudada a aplicação de uma bandeira 3, que seria mais cara e em situações excepcionais, como tempestades.

Advogado não vê vantagem em texto

Advogado especialista em direito de novas tecnologias e professor da Fundação Getulio Vagas, Wilson Jabur acredita que o projeto de lei proposto pelos vereadores mantém o oligopólio dos taxistas, permitindo que o serviço ofertado à população continue a ser caro e de má qualidade.

“O Uber chegou e expôs uma enorme deficiência do serviço de táxi. Mostrou que o transporte pode ser mais barato e com uma qualidade muito melhor”, afirmou o professor. “Houve uma falência no sistema de concessão de licenças de taxistas, que limitou a oferta de serviço e criou um mercado de venda de placas que chegam a custar R$ 1 milhão. Talvez o que o Uber esteja de fato enfrentando é uma oligarquia de taxistas que nem mais trabalham e se valem desse monopólio para explorar motoristas auxiliares”.

Jabur defende que haja uma regulamentação do Uber, mas que não obrigue o aplicativo a usar os táxis. “É importante para dar segurança jurídica ao serviço”.