Linha de frente

Rotina dos profissionais de saúde em Minas sofre reviravolta com o coronavírus

Atendimento durante a pandemia passou a exigir muito mais cuidados dos médicos

Por Rafaela Mansur
Publicado em 04 de abril de 2020 | 20:14
 
 
 
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Na linha de frente da batalha contra o coronavírus, profissionais da saúde vivem uma rotina totalmente diferente desde o início da pandemia. Desde as unidades básicas de saúde, passando pelos serviços de emergência até os hospitais de referência, o atendimento passou a exigir muito mais cuidados. Em casa, a vida também não é mais a mesma para minimizar, para os familiares, os riscos a que são expostos todos os dias. A baixa quantidade de testes para a detecção do vírus preocupa, e a falta de equipamentos de proteção individual assusta. Os médicos ouvidos pela reportagem são unânimes ao recomendar o isolamento social, para que o sistema de saúde dê conta do aumento de casos que todos reconhecem que ainda está por vir.

O médico de família e comunidade Alex Sander Ribas, que trabalha em um centro de saúde na região Noroeste de Belo Horizonte, diz que o local normalmente acompanha pacientes com doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, e atende queixas rotineiras e casos agudos. Mas, agora, tem tratado, principalmente, sintomas respiratórios, que podem ser suspeitos de Covid-19. 

“Ainda não estamos no momento de procura absurda, mas já estamos percebendo um aumento gradativo dos casos”, diz Ribas, que acumula 17 anos de experiência e nunca viu nada como essa pandemia. “Tivemos uma epidemia de H1N1 em 2009 e epidemias de dengue que sobrecarregaram muito os serviços no passado, mas nunca passei por nada que causasse tanto impacto como agora”, afirma.

Segundo ele, em algumas unidades de saúde, os equipamentos de proteção individual já estão em falta, o que tem gerado medo apreensão. Além disso, alguns profissionais com mais de 60 anos de idade ou que possuem doenças crônicas foram afastados, devido ao risco maior de complicações em caso de infecção pelo coronavírus, e os que estão na ativa estão sobrecarregados.

“Nesses dias todos, atendi, em média, 30 pacientes por dia, o que é superior a minha média de atendimento em condições normais, quando atendo uns 20 a 24 casos. A falta do equipamento de proteção individual tem gerado um estresse grande nos profissionais, alguns estão se afastando com sofrimento mental, e isso é totalmente atípico”, pontua Ribas. 

Há, ainda, os impactos do isolamento social. Ele e a esposa, que também é médica, tentam ao máximo se proteger para resguardar a família. “A gente deixa o sapato do lado de fora, coloca a roupa em um espaço próprio, toma banho e, só depois de tudo isso, tem contato com familiares. Temos um filho pequeno, e muitas vezes ele não entende”, conta. “Estamos sujeitos aos mesmos impactos que a população em geral, com o agravante de que temos mais informações. Quanto mais informações, mais a gente tende a sofrer”, completa.

Ele reforça, no entanto, a necessidade do isolamento social. “Ele é vital para o achatamento da curva, para que não tenhamos tantos casos que possam colapsar o sistema e impedir que pessoas com outras demandas, como as que tiverem infarto e AVC, tenham acesso aos tratamentos necessários”, afirma.

Médica infectologista há mais de 20 anos em um hospital de Belo Horizonte, que agora atende exclusivamente casos suspeitos ou confirmados de coronavírus, Sílvia Hees de Carvalho, também defende o isolamento social. “Eu não tenho como não estar em casa, se eu pudesse me afastar dos meus filhos neste momento, certamente eu me afastaria. Medo, eu não tenho, se tivesse não teria escolhido essa especialidade, mas tenho muita preocupação com meus entes queridos e meus colegas mais velhos”, diz Sílvia, que passa o tempo que resta se atualizando com artigos publicados sobre o vírus.

O médico Samuel Pires, que atua como médico de família em Belo Horizonte e com emergência na região metropolitana, defende a importância da ampliação da testagem. “Hoje, praticamente, estão sendo disponibilizados testes para pacientes graves e internados. Acredito que a população como um todo deveria ter maior acesso”, afirma.

Ele acredita que o Sistema Único de Saúde (SUS) não está preparado para absorver a demanda que virá – a expectativa da Secretaria de Estado de Saúde é que o pico da pandemia de coronavírus ocorra entre o fim de abril e o início de maio em Minas Gerais. “Nós ainda não estamos sentindo verdadeiramente a pandemia como um todo, acredito que a gente esteja só no começo do processo. A questão dos respiradores é preocupante e, se a gente for acompanhar estatisticamente o que está acontecendo no mundo, teremos também muitos casos. Por isso ressalto a importância do isolamento social, precisamos achatar a curva da pandemia”, pontua.

Com pais idosos e filhos pequenos, Pires sente medo e faz todo o possível para proteger a família, adotando medidas de higiene reforçadas, mas ressalta a importância do material de segurança na rotina de trabalho. “O fato de sermos médicos não nos faz menos cidadãos do que a sociedade como um todo, simplesmente somos os soldados da linha de frente dessa guerra que estamos vivendo. Nós não nos eximimos da nossa responsabilidade, mas temos que ter garantia de condições de trabalho e o fornecimento adequado de todo o material de segurança. O estoque está pequeno e o risco de faltar é iminente, e esse é o nosso maior medo”, diz.

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