DESPEDIDA

Sob aplausos e em clima de protesto, sargento Dias é sepultado em BH

Além da saudade, presentes no enterro do militar mostraram revolta com saidinha para detentos

Por Bruno Daniel
Publicado em 09 de janeiro de 2024 | 20:10
 
 
 
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Os balões brancos voando pelo céu nublado e o som dos aplausos, somados ao barulho do motor do helicóptero da Polícia Militar de Minas Gerais, marcaram os momentos finais do enterro do sargento Roger Dias da Cunha, de 29 anos. O militar foi sepultado no fim da tarde desta terça-feira (9), no cemitério Bosque da Esperança, no bairro Jaqueline, região Norte de Belo Horizonte. Ele foi morto na última sexta-feira (5), durante uma perseguição policial

Desde as 13h, cada espaço em volta do velório 7, onde o caixão de Roger permaneceu durante quase quatro horas, foi tomado não só por familiares e amigos do policial, mas também por integrantes da segurança pública. Além da grande quantidade de policiais militares, também marcaram presença maciça na despedida policiais civis, penais e rodoviários federais. A fila para acessar o velório e prestar as condolências a Roger chegou a dobrar dobrar a esquina do velório 8, bem ao lado. 

Amiga de Dias desde a infância, a microempreendedora Ana Carolina Viana, de 30 anos, descreve o militar como um “amigo incrível” e uma pessoa solidária. “O Roger era um homem muito bom, ajudava muita gente. Era um pai apaixonado pela filha, completamente apaixonado pela esposa. Um menino totalmente responsável desde muito novo. Foi por isso que ele escolheu a polícia com 19 anos de idade”, descreve. 

Na avaliação do comandante-geral da Polícia Militar de Minas Gerais, Rodrigo Piassi Nascimento, os tiros que vitimaram o sargento Dias atingiram toda a corporação. “Existe uma multidão neste cemitério de policiais e bombeiros lamentando a morte do sargento Dias. Mas podem ter certeza: recuar, a gente não vai”, garante.  

A esposa do sargento Roger Dias permaneceu o tempo todo dentro do local onde foi realizado o velório do militar, assim como outros familiares. Durante as honras fúnebres - cerimônia que contou com os tradicionais tiros de festim e com a condução do caixão até o túmulo por seis policiais militares - a mulher se posicionou no corredor de pessoas, com os olhos marejados. Nem ela, nem outros familiares do policial quiseram se pronunciar. 

Revolta 

Além da comoção e da saudade do sargento Roger Dias, a revolta em relação à famosa "saidinha" - benefício que permite a presos em regime semiaberto sairem da cadeia em algumas ocasiões - foi outro sentimento presente na despedida do sargento Roger Dias da Cunha. Faixas de protesto contra o benefício foram dependuradas ao lado do local onde ocorreu o velório. O suspeito de matar o PM com dois tiros à queima-roupa na cabeça recebeu o benefício e não retonou à prisão no prazo estipulado. 

A amiga de Roger, Ana Carolina Viana, de 30 anos, não esconde a revolta com a saidinha e espera que o falecimento do amigo seja um marco para mudar esse ponto na Lei de Execuções Penais.

"Nós não queremos que a morte dele seja em vão. Queremos que mexam na Lei de Execuções Penais e tirem as regalias desses presos. Todo mundo tem escolha. O Roger escolheu ser policial, escolheu o lado bom. E morreu assim, deixando a filha e a esposa. Nós queremos que não seja em vão", exigiu, com voz firme. 

Também presente no velório e enterro de Roger Dias, o sargento reformado da PM José Ailton Cavalcanti, de 63 anos, foi responsável por segurar uma das faixas que protestavam contra a “saidinha”. Ele conta que, por causa do benefício, teme pelos dois filhos, um deles policial militar, e outro guarda municipal.

“A gente tem um certo receio. Mas a gente pede a Deus, que é nosso guarda maior. Temos que mudar as leis para o bandido não ser tão beneficiado. A sociedade paga um preço alto por isso, e os policiais também”, pede. 

O comandante-geral da PM, conorel Rodrigo Piassi Nascimento, entende que a morte do sargento Dias deve provocar uma reflexão sobre a Lei de Execuções Penais no país e faz um apelo aos parlamentares em Brasília. 

“Eu gostaria que todos os parlamentares assistissem ao vídeo em que o sargento Dias foi vitimado. Precisamos muito que esse triste exemplo seja utilizado na discussão das leis que regem não só esse assunto, mas vários outros, e que nosso Congresso enxergue a sociedade e os policiais, ao invés de ficar olhando só para o bandido”, protesta. 

Relembre o caso

O sargento Dias foi atingido por disparos à queima-roupa na noite de sexta, quando guarnições do 13º Batalhão perseguiam dois suspeitos na Avenida Risoleta Neves. Em dado momento, o motorista teria perdido o controle da direção e batido contra um poste. Após o acidente, os suspeitos desceram do carro e continuaram a fuga a pé.

Um deles foi alcançado por um sargento. Imagens de câmeras de segurança mostram o momento em que o militar se aproxima do suspeito e da ordem de parada, mas é surpreendido pelo criminoso, que saca uma arma e atira à queima-roupa contra o policial.

O militar foi socorrido por colegas para o Hospital Risoleta Tolentino Neves, em Venda Nova, mas, dada a complexidade do caso, foi encaminhado para o Hospital João XXIII. O militar, que é pai de uma criança recém-nascida, estava na Polícia Militar há cerca de 10 anos.

Prisão em flagrante é convertida em preventiva

A Justiça decidiu por manter presos os dois homens suspeitos de envolvimento na perseguição que terminou com o sargento Roger Dias da Cunha, de 29 anos, baleado duas vezes na cabeça. O atirador de 25 anos e um comparsa dele, de 33, tiveram a prisão em flagrante convertida para preventiva em audiência de custódia neste domingo (7).

A decisão foi da juíza Juliana Miranda. Ela argumentou que as circunstâncias são “gravíssimas”, argumentando que, além do sargento baleado, outros policiais teriam sido alvos da dupla, que atirou contra a viatura. "Foi necessária uma mobilização policial complexa e longa para captura dos autuados”, observou.

A magistrada ainda lembrou o passado criminal de ambos para provar que há risco caso eles não fiquem em detenção, sendo que o suspeito de 33 anos, que, até a prisão em flagrante, estava em liberdade condicional, ainda está em cumprimento de pena por um assassinato e tentativa de assassinato qualificada. "Tudo isso corrobora para a necessidade da conversão da prisão em flagrante em preventiva para a garantia da ordem pública", concluiu Juliana.

"Saidinha"

O suspeito, 25 anos, de atirar à queima-roupa contra o sargento da Polícia Militar Roger Dias da Cunha, 29, gozava de uma saída temporária do Presídio Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde estava desde agosto. A saída temporária, popularmente conhecida como “saidinha”, é um benefício previsto na Lei de Execuções Penais - 7.210/1984 - para presos em regime semi-aberto. 

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