RESTAURAÇÃO

Técnica clona árvores em extinção em Brumadinho e muda futuro das espécies; veja

Mudas começam a dar frutos e flores dez anos mais rápido e aceleram recuperação da área afetada pelo rompimento da barragem

Por Isabela Abalen
Publicado em 19 de dezembro de 2023 | 03:00
 
 
 
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Algo inovador está acontecendo dentro das estufas e laboratórios da Sociedade de Investigações Florestais (SIF) da Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Zona da Mata mineira. Pesquisadores que estão responsáveis pelo reflorestamento em Brumadinho, onde o rompimento da barragem no Córrego do Feijão matou 272 pessoas e dispersou lama em uma área de 300 hectares em janeiro de 2019, descobriram uma forma de prolongar o tempo de vida de árvores em risco de extermínio. O resgate do DNA das plantas passa, então, a ser replicado em mudas que se tornam clones, e a espécie é multiplicada em um ritmo acelerado: ao invés de demorarem até oito anos para dar frutos e flores, o fazem em seis a doze meses. 

A técnica chamada “Resgate de DNA e indução de florescimento precoce em espécies florestais nativas” é fruto de uma dissertação de mestrado na UFV que despertou o interesse da Vale. Há um compromisso por parte da mineradora de restauração e reflorestamento de toda a área impactada pela lama em Brumadinho, e o estudo poderia acelerar esse processo. “Logo na sequência da defesa da pesquisa, a Vale nos procurou para tirar esse conhecimento da universidade e levá-lo para o campo”, explica o professor de Conservação e Melhoramento Genético do Departamento de Engenharia Florestal da UFV (DEF/UFV), Gleison dos Santos.

O teste da técnica foi feito ainda em junho de 2020, 1 ano e cinco meses após o rompimento da barragem, em três espécies nativas da mata de Brumadinho: Jacarandá, Ipê e Jequitibá. O resultado de sucesso quis dizer não só que a floresta matriz poderia ser resgatada, mas que uma nova ciência acabara de nascer. “Nós conseguimos resgatar o DNA de árvores que iriam morrer e voltamos com as mudas a campo, plantando as espécies diversas vezes. A técnica deu tão certo que a Vale nos convidou para mais três anos de pesquisa. Vamos plantar 6 mil plantas e enriquecer toda a área nativa, não só na região de Brumadinho, como ao longo dos 150 km onde o resíduo se espalhou”, continua o pesquisador. 

Ao todo, foram recolhidos os materiais genéticos de 30 espécies ameaçadas de extinção e protegidas por lei. O sucesso da técnica está em duas inovações: na replicação de uma espécie em risco e na aceleração da produção de frutos e flores. “Agora eu posso fazer 30, 40, 50 cópias de uma árvore que iria morrer. Inclusive, esse DNA que está em um só local da calha do rio, por exemplo, eu posso espalhá-lo por todas as áreas”, diz Santos. “E nós também aplicamos na universidade um processo de aceleração do florescimento. Nós desenvolvemos um conjunto hormonal que faz com que essa planta floresça até 10 anos mais cedo. Algumas mudas começam a florescer dentro de quatro meses”, continua, com entusiasmo. 

Equipe responsável pelo projeto de resgate de DNA e florescimento precoce de plantas nativas

Técnica acelera reflorestamento, devolve biodiversidade e vira opção para a economia local 

Quando o DNA de uma árvore madura é aproveitado em uma muda jovem, essa planta entende que já está pronta para dar flores e frutos, e o processo de biodiversidade da floresta começa mais cedo. “Quando a planta está dando flores e frutos é quando ela está fazendo a sua máxima função na natureza. Ela atrai agentes polinizadores e, após a polinização, sua semente serve de alimento para roedores e pequenos animais. Eles vão dispersar essa semente em regiões mais distantes, e o ciclo recomeça. Esse processo de biodiversidade é crucial para a renovação da floresta”, explica o coordenador Gleison dos Santos. 

Para a comunidade local, o retorno da vegetação é, além da recuperação de uma área degradada e melhora da qualidade de vida, possibilidade de economia criativa. “Estamos trabalhando com espécies frutíferas, o Pequi, o Jatobá, que servem de alimentação para as comunidades locais, e não só: elas também podem fazer produtos. Sucos, chup-chup, sacolé, sorvete de vários sabores naturais da mata atlântica e do cerrado. Então, também podem gerar economia para os pequenos e médios proprietários da região, assim como os assentamentos e comunidades indígenas ao longo do rio Paraopeba”, acrescenta. 

O passo o passo: como funciona o resgate e a multiplicação do DNA das plantas 

  •  1- Colheita de ramos da árvore em risco 

Colheita de ramos da árvore em risco

Os pesquisadores, junto com as equipes técnicas da Vale, vão a campo em Brumadinho e recolhem galhos das árvores maduras e escolhidas pelo projeto. Os técnicos escalam as árvores para recolher ramos do topo da planta, onde ela é mais madura. “Um ramo de aproximadamente 20 cm da árvore contém todo o DNA dela intacto. Se pegarmos 10 galhos, teremos novas 10 árvores. Então, colhemos esse material e trazemos para a universidade. Na estufa, aplicamos a técnica de enxertia que permite copiar esse DNA”, explica Gleison dos Santos. 

  • 2- Enxertia 

Enxertia nas plantas

Os ramos chegam embalados e refrigerados em Viçosa para que comece o trabalho de enxertia. Esses propágulos são enxertados em mudas, onde passam a se desenvolver. “A importância dessa parte do processo é que estamos coletando o material de uma planta já adulta e em fase reprodutiva. Então, quando o ramo é enxertado em uma muda jovem, ela vai manter essa característica e florescer e frutificar de forma acelerada”, afirma a agrônoma, pós-doutora e coordenadora operacional do projeto, Thaline Martins Pimenta. 

  • 3- Micropropagação de espécies nativas

Micropropagação de espécies nativas

Algumas plantas, mais sensíveis, precisam de um cuidado extra para sobreviverem e gerarem cópias. Nesse caso, elas são levadas para o processo de micropropagação dentro do laboratório. “É onde nós conseguimos criar um ambiente controlado e melhor para a espécie. Por exemplo, uma sala a 26ºC o tempo todo, um regime luminoso controlado, um ambiente com gel, que é um meio de cultura com nutrientes necessários. Isso permite que essa espécie seja favorecida e se desenvolva melhor. Quando ela consegue criar raízes, ela já pode ir para o viveiro com as demais plantas”, explica Alex Júnior da Silva, responsável pela área de biotecnologia florestal na UFV e pela micropropagação das espécies nativas de Brumadinho. 

  • 4- Aplicação de hormônio para florescimento 

Aplicação de hormônio para florescimento

Por último, antes do retorno das mudas para a área de reflorestamento em Brumadinho, as plantas recebem a aplicação de um conjunto hormonal desenvolvido na UFV que faz com que as mudas passem da fase juvenil para a adulta. “Ele faz com que ocorra na planta um balanço hormonal favorável ao florescimento. Assim, uma planta ainda jovem, recém enxertada, já pode produzir flores e frutos”, diz o coordenador Gleison dos Santos.

Portas abertas para um novo futuro 

A técnica mostrou uma nova forma de fazer restauração de uma área afetada no Brasil e em todo o mundo. Desde que a experiência em Brumadinho começou a dar resultados positivos, outros projetos também passaram a aplicar o resgate de DNA e a indução de florescimento precoce em espécies em risco. Já há grupos em atuação com a técnica em áreas da Gerdau, Anglo American e da hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia. 

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