O câncer

UMA LUTA  de 13 anos contra o câncer

Ângela fez duas cirurgias e passou por cinco tipos de quimioterapia, que lhe fraquejaram o coração

Por Joana Suarez
Publicado em 28 de julho de 2016 | 03:00
 
 
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Ângela só ia ao médico para “ganhar menino”, nas palavras dela. Nunca adoecia. Quando o caroço do tamanho de um feijão, mas visível, surgiu na mama esquerda, ela pensou que fosse um machucado passageiro e ficou quase um ano com ele crescendo. “Naquela época (em 2004), eu tinha pouca informação, não pensava que uma doença dessa ia aparecer em mim, não era como agora, que tem um tanto de gente com essa doença” – ela não gostava de falar a palavra ‘câncer’. “Se arrependimento matasse, quase 14 anos atrás, comigo não tinha acontecido isso, eu tinha muita saúde”, ressentia-se.

No ano de 2004, eram 15.866 pessoas em tratamento de câncer, em Minas Gerais. Em 2015, passou a ser mais do que o dobro: 36.576, de acordo com a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). Quando os médicos falaram com Ângela que seu caroço era um tumor maligno, foi um baque, lembrou ela, que nesse dia voltou para casa chorando sozinha: “Minhas meninas eram pequenas, seria difícil aceitar. Achei que já fosse morrer e estou aqui até hoje”; ela se foi justamente seis meses depois de nos ter dito isso. Sobreviveu 13 anos, entre recaídas e recuperação. “No começo, achei que fosse melhorar”, disse. Mas o câncer alastrou da mama para osso, pescoço e pulmão.

Procedimentos

Ângela fez cirurgias para retirar o seio esquerdo e os nódulos do pescoço, passou por cinco tipos de quimioterapias, sendo que umas duravam quatro horas, outras duas horas, 40 minutos, 20 minutos. Ficava quase um ano em tratamento, o cabelo caía, depois parava, os fios começavam a crescer um pouquinho, e já era hora de voltar para a hospital e começar tudo de novo.

Desse jeito, aos trancos, criou quatro filhas – a mais velha tinha 12 anos quando a mãe descobriu o primeiro tumor, e a mais nova, 5. O neto Thiago Henrique, 8, a quem ela criou como filho, não conheceu a avó sadia. Enquanto pôde, Ângela segurou as rédeas da casa – guardava o dinheiro do sustento da família no lenço da cabeça. Só se deixou cair de cama, sem ter condições de comer ou ir ao banheiro sozinha, na sua última semana de vida. “Muita gente nem sabia que eu estava doente”, orgulhava-se do período em que estava mais ativa e não usava a mangueira de oxigênio para respirar.

Não gostava de faltar a nenhuma consulta. “Já vi sete morrerem (com câncer), a vizinha morreu porque não quis se tratar. Quem cuida da gente é só a gente; se não fizer isso, não tem cura”, afirmou na primeira vez em que a visitamos, quando ela tinha começado com os cuidados paliativos e já não tinha mais chance de ser curada. Naquele momento, Ângela deixou claro que não desistiria fácil, independentemente do prognóstico, pois o que mais aprendeu na vida foi a lutar.

Com o passar do tempo, que avançava contra ela, começou a tomar consciência da situação e a encarar com dignidade. “Eu acho que, no fundo, o câncer não cura, prolonga a vida da gente, deixa a gente ficar bem um tempo. Tem vez que eu penso em desistir, mas Deus me deu essa oportunidade, então tenho que continuar lutando. Todos os dias eu agradeço por ter tido fortaleza para criar meus filhos”, incluindo Tiago e os sobrinhos criados por ela.

“Inimigo”

Ângela precisava agarrar-se a qualquer esperança, como a de deixar de usar o oxigênio, mesmo sabendo que sem ele não continuaria viva. “Eu fico o dia inteiro sem, pensando que consigo me libertar, mas não”, reconheceu. No último ano de vida, aquele tubo enfiado no nariz e o barulho da máquina 24 horas incomodavam, às vezes mais do que a úlcera do câncer que tomou toda a mama direita.

Entre usar o aparelho e nada – ou ficar internada, ou sentir falta de ar –, ela o aceitava a contragosto. “Infelizmente, a gente se acostuma com tudo que é ruim. Ele fortalece meu coração, que só fica fraquinho, não sei por que isso”, disse. Na verdade, ela desenvolveu alterações cardíacas por predisposição e por ter sido exposta aos medicamentos (quimioterapia) mais ativos, com mais chances de combater a doença, explicou a oncologista Vanessa Almeida. “Dona Ângela é uma guerreira”, comentou.

Ângela via o oxigênio como um inimigo porque iniciou o uso dele quando o câncer avançava nos pulmões. Preferia pôr a culpa no aparelho, que a fazia sentir-se estranha na rua aos olhos dos outros e limitava suas saídas de casa, a não ser que carregasse o cilindro móvel apelidado de “cachorrinho”, que lhe dava uma hora de ar. “Depois do oxigênio, não melhorei nada, só fico com mais cansaço. Nunca me entreguei, mas essa é a fase que eu estou mais fraca, desde quando descobri essa ‘bendita’ dessa minha doença, que eu falo que é minha, mas não é”, queixou-se.

Sem um seio
 
O câncer não agredia Ângela apenas fisicamente. A ferida na mama direita ardia e coçava, não tinha outro jeito a não ser passar cremes. Estava tomada de nódulos, mas ainda representava um seio. O outro lado vazio, no fundo, lhe entristecia. “Sinto vergonha de mim mesma. Quando tomo banho me dá um nervoso esse ‘trem’ liso”. Já tinha passado por muitas cirurgias, dolorosas e longas, de extração dos nódulos que apareciam. Enfrentar uma reconstituição da mama ou retirada do seio esquerdo de nada adiantaria. “Só faltam dois pedacinhos da mama, o resto já tem caroço”. Mas os seios saudáveis ficaram guardados na memória: “Eram grandes, bonitos, eu era gostosa, colocava umas blusinhas com decote; agora tem que tampar tudo. Tem hora que dá uma saudade”.

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