Dificuldades

Volta às aulas online em BH desafia pais e alunos, que não têm sequer internet

Mães contam que não têm estrutura para que filhos possam acompanhar ensino remoto, que começou nesta semana, durante a pandemia

Por Letícia Fontes
Publicado em 03 de fevereiro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Todos os dias, Ashley, 6, e Keroline, 12, perguntam quando vão voltar à escola. Quase um ano sem nenhuma atividade, nesta semana, as irmãs e a mãe tiveram uma surpresa. 

“Diz que tem um tal de estudo remoto agora, mas ninguém me avisou. Você que está me contando. Não temos computador, o único celular é o meu, que eu uso para trabalhar. A gente até queria uma atividade para as crianças, elas precisam, sentem falta, mas assim no improviso, depois de tanto tempo?” questiona a trancista Lucimara Valadares, 28. 

No caso dela ainda há outro problema: a falta de internet. “Meu filho mais velho é da rede estadual, ele teve que fazer recuperação, porque eu não conseguir comprar crédito no celular para ele enviar as atividades à tempo. Agora vou ter rebolar para ter internet para todos eles, e todos usando o meu celular”, afirma.

Mesmo tendo dez meses – após a paralisação das atividades na pandemia – para programar o retorno delas, estudantes e pais da rede municipal de BH contam que a volta às atividades remotas na última segunda, e programadas para acontecer presencialmente em março – caso os índices de transmissão do coronavírus reduzam – se dá sem planejamento, além de faltar estrutura às aulas remotas.

“Eu estou desesperada, a escola não fala nada com a gente. Tem um grupo no Whatsapp, mas é só mãe com pergunta sem resposta. Dois anos em um é brincadeira. Apareceram aqui um monte de atividade só em dezembro para fazer sem nunca ter dado nenhuma aula, eu tive que me virar. Eu me formei em 1999, não sei ensiná-los”, desabafa Danielle Moura, 39, mãe dos gêmeos Samuel e Sara, 12. 

Alunos do sexto ano na rede municipal, a vendedora teme o futuro dos filhos. "Ano passado eles tiveram aula nove dias, porque a escola estava de greve. O Samuel já tem muita dificuldade no presencial e agora online? O que eu faço? Eu estou desempregada, vivendo de bico e doações, tenho um bebê de dois anos, eu não tenho condição psicológica para ajudar meu filho, porque eu não tenho estudo", lamenta.

Essa falta de estrutura e a demora para o início das aulas online inviabilizam também o aprendizado. Alunos do ensino municipal de 12 cidades estão se matriculando na rede estadual para terminarem o ano letivo. Mais de 75% das matrículas no Estado para a conclusão de 2020 são de estudantes da capital.

“Ter internet, instrumentos para trabalhar é fundamental e precisamos, não basta só enviar o material. Precisamos conversar com os meninos, isso não é secundário. Precisamos ter como comunicar com eles, fazer um acompanhamento afetivo”, destaca umas das diretoras do Sind-Rede BH, Vanessa Portugal, que cobra que mais professores tenham acesso a chips e a celulares para o ensino remoto.

"Eu sempre dei valor aos professores, eu sei o trabalho e a importância que é, mas eu sou só mãe, não estudei para isso. Eu acabo dando as respostas, porque tenho muita coisa para fazer, perco a paciência. Eu me sinto a pior pessoa por não conseguir ajudar eles", admite Lucimara. 

Iniciativas

Segundo a prefeitura, cada escola ficará responsável por contatar as famílias dos estudantes e fornecer material impresso para aqueles que não conseguirem acompanhar as atividades virtualmente. Questionada sobre o planejamento, a PBH ressaltou que as escolas têm realizado contatos com os pais por mensagens em aplicativos, telefonemas e até visitas em domicílios, “em um trabalho contínuo de conscientização das famílias quanto a importância de que os estudantes estejam desenvolvendo as atividades propostas”, disse, em nota. 

O município destacou ainda que está disponibilizando material impresso de modo a garantir o acesso de todos a sem acesso à internet. A secretaria municipal de Educação vai utilizar ainda um projeto-piloto chamado Meta Educação, “que prevê o empréstimo aos estudantes de tablets com acesso à internet”. "A secretaria municipal de Educação traçou estratégias importantes para que fosse possível alcançar todos os estudantes neste período de pandemia", informou.

Até o momento, a iniciativa foi implementada em 73 escolas municipais, 2.000 tablets entregues, e já estão em processo de licitação outros 15 mil.

Rede Estadual

Procurada, a Secretaria de Estado de Educação informou que todo o acompanhamento das atividades escolares foi feito pelos gestores das escolas, que estabeleceram a melhor forma de envio e recebimento das atividades realizadas pelos estudantes ao longo do ano no Regime de Estudo não Presencial. 

A devolução dos Planos de Estudos Tutorados (PETs) para conferência da carga horária e avaliação dos estudantes seguiu a mesma dinâmica de distribuição das apostilas, que poderiam ser entregues nas escolas seguindo todas as orientações de segurança sanitária da Secretaria de Estado de Saúde. Para os estudantes que não tinham acesso à internet, os PETs foram disponibilizados gratuitamente de forma impressa. 

Outras cidades

Betim

Ainda sem previsão para o retorno para as atividades presenciais, o ano letivo na cidade teve início remoto na terça-feira (2) e terminará em 22 de dezembro. Com isso, serão cumpridos 211 dias letivos, contemplando a carga horária de 2021 e parte da carga horária de 2020 que será reposta de forma concomitante.

No primeiro trimestre serão priorizadas as atividades correspondentes à carga horária do ano passado. Segundo a prefeitura, os alunos que não têm acesso a internet receberão o material impresso na sua unidade escolar.

O município destacou ainda que já foi elaborado o protocolo sanitário e pedagógico para ser executado quando houver a liberação para o retorno presencial, que além de priorizar a segurança dentro do protocolo da saúde, também contribuirá para a reorganização das estratégias pedagógicas, formação dos professores e acolhimento socioemocional dos alunos e de seus familiares.

Contagem

As aulas da rede municipal retomam as atividades de forma remota a partir do dia 1º de março. De acordo com a prefeitura, os estudantes que não têm acesso à internet receberão materiais impressos nas unidades onde estão matriculados. Não há previsão para o retorno das aulas presenciais. “Somente serão retomadas no município caso os indicadores usados para o controle do Coronavírus permitam”, reforçou, em nota. 

Leia o posicionamento completo da Prefeitura de Belo Horizonte

"A secretaria municipal de Educação traçou estratégias importantes para que fosse possível alcançar todos os estudantes neste período de pandemia. Os procedimentos de busca ativa se deram com os estudantes que, eventualmente, não tinham feito adesão às atividades ofertadas, na tentativa de viabilizar contato direto com as famílias e com os próprios estudantes.

Esses contatos ainda têm acontecido por meio de mensagens em aplicativos, telefonemas e até visitas aos domicílios, em um trabalho contínuo de conscientização das famílias quanto a importância de que os estudantes estejam desenvolvendo as atividades propostas.

A secretaria municipal de Educação vai utilizar, dentre outras estratégias de ensino remoto, um projeto-piloto chamado Meta Educação, que prevê o empréstimo para os estudantes participantes de tablets com acesso à internet. O objetivo do Meta é melhorar a qualidade da Educação de Belo Horizonte dos estudantes do Ensino Fundamental, incentivando novas formas de aprender e ensinar, principalmente aquelas mediadas por tecnologias digitais, mas não exclusivamente através de tecnologia digital.

Por ser um projeto-piloto, foi implantado em 73 escolas municipais, e 2 mil tablets foram entregues a essas escolas, e já estão em processo de licitação mais 15 mil tablets. As escolas que receberam esse equipamento, foram aquelas que já utilizaram essa tecnologia com alunos de 9o ano em 2020 que estão em regime especial, já que é um ano de terminalidade e cujos estudantes e professores espontaneamente têm apresentado autonomia e interesse na utilização de plataforma tecnológica digital ao longo dos estudos em 2020.
Vale ressaltar que o tablet será usado para realização de atividades e não para uso de aulas ao vivo, como tem acontecido em algumas escolas. Serão utilizadas plataformas de ensino e cada aluno realizará as atividades e devolverá o aparelho para a escola, que após ser devidamente higienizado, será repassado a outro aluno para que o maior número de estudantes seja atendido.

Cabe destacar que o uso de tecnologias é uma das estratégias utilizadas para atingir os estudantes. Há também a disponibilização de material impresso de modo a garantir o acesso de todos.

A Prefeitura de Belo Horizonte está em processo para alugar mais de mil notebooks, e não tablets, para que os docentes possam utilizar, levando em consideração que para o trabalho dos professores o computador móvel será de maior utilidade no momento da produção de conteúdos. Desde julho de 2020 a secretaria de Educação também preparou e orientou todas as escolas da rede municipal na criação de ambientes individuais de trabalho montados em sala de aula. Assim, os professores com dificuldade de conexão doméstica podem agendar o uso individual destas salas conectadas e individuais e totalmente esterilizadas a cada uso. 

Sobre a carga horária, as atividades escolares não presenciais, em 2021, as aulas foram iniciadas em 1º de fevereiro com término previsto para até 23 de dezembro. Essa carga horária será somada àquela já ofertada em 2020, totalizando as 1600 horas previstas para 2020 e 2021."

 

 

 

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