Quando atendeu a reportagem no início da tarde da última sexta-feira (18), Juliana Machado, 34, havia terminado suas tarefas na organização de uma festa pensada especialmente para um casal, que seria surpreendido no dia seguinte, quando 30 amigos se reuniriam na casa da redatora, em Belo Horizonte. O encontro comemorativo, que teve os tradicionais comes e bebes e uma decoração temática de boteco, com copos lagoinha personalizados e referências e sinalizações semelhantes às dos bares, pode parecer inusitado à primeira vista, mas traz consigo reflexões interessantes.

“Despedida de sem filho”. Sim, esse foi o evento preparado por Juliana, com a ajuda do marido e de amigos, para Larissa Sousa e Rafael Ferreira. Pais de primeira viagem, o casal terá Bento no fim de outubro. E, inevitavelmente, verá a vida mudar. A redatora, primeiro, quis que a festa fosse sobre o casal, e não com as atenções voltadas para o bebê.

“Foi pensado para ser um evento com cara de adulto, de confraternização entre amigos. Historicamente, a sociedade se organiza com ritos que marcam a nossa vida, somos orientados por isso. Para o bebê, já temos os marcos do anúncio da gravidez, chá de bebê, agora tem o chá-revelação, e também existe o prolongamento disso, os ‘mesversários’, por exemplo. É tudo sobre o bebê”, ela comenta.

Juliana Machado teve a ideia da “despedida de sem filho” justamente em uma conversa com Larissa e Rafael. Como o casal já está mergulhado em questões – de toda ordem, das mais práticas às existenciais – da nova vida que está por chegar, a redatora quis trazer um momento de leveza para a rotina dos amigos: “Já existe uma carga emocional muito forte sobre o casal, todos perguntam se é menina ou menino, como vai ser o parto, qual será o nome. Eles (Rafael e Larissa) já estão passando por coisas muito mais sérias do que escolher a cor da parede do quarto da criança. Fiquei pensando como essa passagem de fase na vida do pai e da mãe pode ser cruel”.

O momento é de celebrar o casal, a amizade, mas o evento abre espaços para algumas reflexões importantes para a vida não só de quem será pai e mãe pela primeira vez, mas também dos que estão no entorno social da futura família. Com a reunião de sábado, um dos objetivos de Juliana Machado era fazer um contraponto à ideia equivocada de que ter filho significa o fim da vida de outrora e o começo de algo que vai sufocar e enclausurar os pais até o fim dos dias.

“Não é uma despedida da vida, existe muito esse discurso. A vida muda, mas não acaba. Tudo é ressignificado, e pessoas próximas, em vez de falarem ‘olha, conte comigo, estou aqui do seu lado’, reafirmam o discurso de ‘nossa, agora é game over’. Acho isso tão bobo, raso e não empático. Se não puder ajudar, fica calado”, observa a redatora.

Juliana pondera que entre as mulheres é mais comum ouvir um “se precisar de algo, conte comigo”. Por outro lado, com os homens, a sensação é de “perdemos um soldado”, e isso é ridículo. Nesse sentido, falar sobre masculinidade, paternidade e rede de apoio construída por e para homens é, segundo a redatora, fundamental “até para aliviar a rede de apoio feminina, de mulheres sobrecarregadas que têm de dizer aos homens o que eles devem fazer”.

Se a “despedida de sem filho” acender uma luzinha na cabeça dos homens, avalia Juliana Machado, já será um grande avanço: “Precisamos alimentar essa discussão. Temos obrigação moral de sermos melhores do que as gerações que vieram antes. A masculinidade e a paternidade precisam ser revistas para ontem, principalmente nessa sociedade misógina que exige mais das mulheres e mantém uma roda que não é boa para ninguém”.

Compreensão de um novo momento  

Psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental e mestre em relações interculturais, Renata Borja acha interessante a ideia de uma “despedida de sem filho” como ritual de passagem para um novo momento da vida. “Achei a ideia interessante de fazer essa marcação para que as pessoas possam compreender que será diferente, que vai ser difícil e os amigos estão ali para ajudar”, sublinha.

A psicóloga ressalta que a transição de casal para pai e mãe exige uma mudança de mentalidade. A festa, segundo ela, também celebra “o último momento em que são marido e mulher, antes de também serem pais”, um papel a mais, que traz responsabilidades, novas dinâmicas sociais e tarefas, mas nada de pensar que a vida acabou: “Eles vão precisar abrir mão de serem marido e mulher para serem pais? Não, mas é uma responsabilidade a mais, sim”.

Por fim, Renata Borja diz que pais e mães de primeira viagem têm o desafio de não alimentarem expectativas demasiadas, fantasiosas, que distorcem a realidade e criam um cenário ilusório e inalcançável: “É fundamental acolher as emoções, elas são necessárias. Pai e mãe vão sentir tristeza, raiva e ansiedade antes e depois do nascimento, não vai ser só alegria como eu gostaria. Não lidar com essa realidade faz com que as pessoas se sintam muito frustradas. É colocar o pé no chão e entender que a realidade é dura, mas é boa”.