A exposição de situações da vida privada nas redes sociais, como a de possíveis traições, pode gerar consequências judiciais como ações por difamação e injúria, além de pedidos de indenização por danos morais pelas partes envolvidas. O alerta vem à tona após um vídeo viralizar no qual Natália Knak, do Rio Grande do Sul, expôs supostas relações extraconjugais do então companheiro, Rafael Eduardo Schemmer.
José Santiago, advogado e professor de direito penal da PUC Minas, explica: "a veracidade do fato não exclui a possibilidade de responsabilização criminal. Difamar alguém, mesmo que seja com algo verdadeiro, pode configurar crime”, adverte.
Diante da repercussão que o caso ganhou, Schemmer, agricultor de 27 anos, buscou uma conciliação judicial. Em entrevista ao G1 publicada na última quinta-feira (17/7), a advogada de Natália Knak informou que o homem entrou na Justiça contra ela cobrando R$ 100 mil por danos morais.
Segundo Giovana Sassi, que representa Natália, o advogado de Schemmer entende que há responsabilidade solidária à ex e a uma familiar dela, que teria gravado o vídeo - ele foi feito há cerca de seis meses, em um encontro familiar que, conforme Natália, seria para anunciar uma gravidez. A defesa de Schemmer pede ainda o pagamento de R$ 0,01 para cada visualização do material e dos conteúdos derivados nas plataformas digitais.
Dor não justifica exposição
O procurador do Estado de Minas Gerais e professor da PUC Minas, Rodolpho Barreto Sampaio Júnior, reforça que a dor emocional não valida a exposição pública. “A pessoa traída pode até sentir-se moralmente autorizada a divulgar, mas isso não justifica juridicamente uma violação de direitos fundamentais do outro”, afirma. A traição é considerada uma questão de foro íntimo, com possíveis repercussões na esfera cível, como nos casos de guarda de filhos ou separações com pedido de indenização por humilhação.
Os impactos na saúde mental da exposição nas redes sociais também preocupam. Rubens Ferreira do Nascimento, professor de psicologia social crítica na PUC Minas, questiona o impulso contemporâneo de demonstrar vulnerabilidade publicamente. "Por que precisamos da aprovação de pessoas distantes em vez de resolvermos questões em espaços privados ou íntimos?Talvez mostrar fragilidade nas redes seja uma forma de buscar apoio. Ainda que à distância e sem compromisso real”, afirma.
No caso de Natália e Rafael, o psicólogo ainda pondera: “Foi uma tentativa desesperada de ser ouvida ou uma estratégia pensada? Mostrar vulnerabilidade era a intenção? E para quem?”. Ele também chama atenção para o fato de que o silêncio do homem envolvido pode tê-lo colocado, para parte do público, no lugar de vítima.
O professor de psicologia defende que a supervalorização da traição amorosa precisa ser relativizada. Embora dolorosa, ela também pode servir de ponto de partida para ressignificações na relação. “Muitas vezes, uma traição expõe fragilidades antigas e leva o casal a se repaginar ou a se separar”, diz.
Quais crimes e punições podem ocorrer?
De acordo com o Código Penal, crimes contra a honra cometidos na internet se consumam no momento da publicação, já que o ato de tornar o conteúdo disponível online tem potencial para causar danos à imagem da pessoa. “Rede social não é terra sem lei. Aplica-se o Código Penal e os direitos civis. Isso não é liberdade de expressão”, reforça o professor José Santiago.
O compartilhamento do vídeo por terceiros, segundo os especialistas ouvidos, dificilmente configura crime, mas comentários ofensivos podem, sim, caracterizar injúria, conforme o artigo 140 do Código Penal.
De acordo com o procurador Rodolpho Barreto, quem expõe uma traição nas redes sociais pode responder na esfera civil por danos morais à honra, imagem e vida privada. Já na esfera criminal, a pessoa pode responder por:
- Injúria, calúnia ou difamação (arts. 138 a 140 do Código Penal);
- Divulgação de conteúdo íntimo sem consentimento (art. 218-C), se houver nudez ou teor sexual;
- Violação de correspondência ou dispositivos eletrônicos, se houver acesso indevido a mensagens privadas.
Expor o traidor pode sair caro
Mesmo que tenha ocorrido traição, o cônjuge exposto pode acionar a justiça, caso se sinta humilhado ou ridicularizado publicamente.
“A suposta traição não retira os direitos fundamentais da pessoa à honra, imagem e intimidade. Se a exposição for vexatória ou feita fora do contexto necessário, como no divórcio, ela pode responder civil e criminalmente”, explica Rodolpho Barreto.