Relacionamentos

Divórcio grisalho? Entenda o fenômeno cada dia mais comum no Brasil e no mundo

Aumento das separações das pessoas com mais de 50 anos expõe questões que vão da maior expectativa de vida à sensação de que existe uma nova chance – sozinho ou não


Publicado em 02 de outubro de 2023 | 07:35
 
 
 
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Divórcio grisalho? Talvez você nunca tenha ouvido essa expressão, mas trata-se de um fenômeno que tem acontecido no Brasil nos últimos anos. O “divórcio prateado”, como também é chamado, diz respeito a um significativo aumento nas separações de pessoas que já passaram dos 50 anos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), em 2021, 25,9% dos divórcios confirmados no país na primeira instância da Justiça ou via escritura foram protagonizados pelo público 50+.

Antes, menos de 10% dos divórcios envolviam casais com mais de 50 anos. Para se ter uma ideia, em 2010, o tempo médio de duração de um casamento girava em torno de 16 anos. Já em 2021, esse intervalo caiu para 13,6 anos. O divórcio grisalho, no entanto, não é um fenômeno que ocorre apenas no Brasil. É universal e não vem de hoje. Segundo estudos da Universidade Estadual de Bowling Green, em Ohio, nos Estados Unidos, o número de divórcios grisalhos mais que dobrou entre 1990 e 2010.

Se, antes, menos de 10% das separações envolviam casais com mais de 50 anos, o número chegou a 25% – como no Brasil. Outro exemplo dessa tendência é a Espanha. Em 2021, segundo dados oficiais, 34.449 pessoas com mais de 50 anos se divorciaram oficialmente no país; em 2013, foram 24.894.

Famosa no TikTok, no qual reúne mais de 115 mil seguidores, Aída Sedano, 76, costuma falar sobre como é viver solteira após estar casada por quatro décadas. A mexicana, que é mãe de três filhas e tem seis netos, se separou do marido estadunidense há nove anos. Vídeos nos quais conta como é fazer compras sem ele já superaram 3,5 milhões de visualizações. “Quando o relacionamento não estiver funcionando mais, deixe o vento soprar e levar os restos do seu caminho. E viva. E comece a viver”, disse em uma entrevista à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

Renata Borja é psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental e mestre em relações interculturais. Ela diz à reportagem ter percebido, no seu entorno social e nos atendimentos aos pacientes, um aumento nas separações entre a faixa etária dos 50+ “que antes a gente não via”. “Tenho notado, sim, esse crescimento, porque, em geral, as pessoas mais jovens se separam mais”, ela acrescenta.

A psicóloga afirma que vários são os fatores que podem contribuir para o fenômeno do divórcio grisalho. Um deles é o empoderamento feminino e uma maior autonomia da mulher. “Na geração dos meus pais, por exemplo, a maioria das mulheres não trabalhava. Hoje, esse número é imensamente menor. Da parte da mulher, isso explica um pouco o aumento dos divórcios entre as pessoas que têm mais de 50 anos. A mulher é mais independente, e isso faz com que ela se sinta menos ameaçada para essa tomada de decisão”, comenta Renata Borja.

Na rotina profissional, ela tem visto cada vez mais casais que já ultrapassaram a barreira dos 50 questionando os próprios relacionamentos. A especialista também relaciona o fato diretamente ao aumento na expectativa de vida no país. Nos anos 1980, os brasileiros viviam, em média, até os 62,5 anos; duas décadas depois, em 2000, o número pulou para 69,8 e, em 2022, chegou a 77 anos. Esse cenário, salienta Renata, explica muito o divórcio grisalho.

“É como se eles percebessem que, depois dos 50, ainda têm tempo. Se as coisas não estão bem, ainda podem criar outras possibilidades”, ressalta. “Não estou dizendo que se separar é bom ou ruim. Quando os pacientes chegam ao consultório relatando crises e problemas no casamento, eu vou tentar ajudá-los a melhorar aquilo que não está bom. Esse é meu trabalho como terapeuta”, prossegue.

Ao falar sobre o divórcio entre as pessoas 50+, Renata Borja cita sua pesquisa de mestrado, que investigou o significado de sucesso e o que era ser bem-sucedido para diferentes gerações. As pessoas com idades entre 55 e 65 anos, segundo a psicóloga, valorizam se dedicar a algo que faça sentido para elas. Saúde, tranquilidade, bem-estar, paz, qualidade de vida, sonhos e realização foram palavras bastante citadas pelos entrevistados.

“Essas pessoas estão tendo mais tempo para tomar decisões e fazer coisas que geram mais bem-estar. As que têm filhos já os criaram, podem viajar mais, investir em algo que faça sentido. Elas valorizam o trabalho, mas não querem mais só ganhar dinheiro, querem deixar uma marca. Nesse momento de reformulação é natural que o questionamento sobre o relacionamento apareça”, avalia Renata Borja.

Diferenças se evidenciam, diz psicóloga

A psicóloga e sexóloga Sônia Eustáquia se casou aos 34 anos e se divorciou aos 60 – há 12 anos, portanto. Para ela, a geração 50+ já vivenciou muitas questões em um casamento e passou por tempo suficiente para se certificar que expectativas criadas anteriormente não vão se concretizar.

A sexualidade também traz novas experiências, descobertas e necessidades de adaptação. “É possível ter uma vida sexual estável, saudável, mas ela, muitas vezes, vai ser mais afetivo-sexual do que genital. Quando isso não basta, há uma frustração”, diz Sônia.

A psicóloga enfatiza que o aumento da expectativa de vida e a sensação de que existe uma nova chance podem, sim, explicar o aumento do divórcio grisalho: “É uma segunda chance. As pessoas querem se dedicar mais ao prazer, se já não faz sentido viver como casal, elas vão experimentar outros momentos, com uma relação ou não, e viver mais intensamente, sem ficar em um casamento infeliz”.

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