Comportamento

Efeito manada: você faria o mesmo se estivesse sozinho?

Comportamentos coletivos e irracionais revelam nossas fragilidades, mas não podem justificar crimes, abusos e atos violentos; casos como o dos alunos de medicina no interior de São Paulo são exemplos


Publicado em 28 de setembro de 2023 | 07:51
 
 
 
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Na semana passada, uma cena grotesca viralizou nas redes sociais e foi assunto em diversos veículos de comunicação. Durante uma competição universitária em São Carlos, no interior de São Paulo, cerca de 20 alunos – todos homens – do curso de medicina da Universidade Santo Amaro (Unisa) correram com os shorts abaixados – alguns exibiam e tocavam as partes íntimas – em uma quadra onde mulheres disputavam um jogo de vôlei. Em outro momento, o mesmo grupo simula uma masturbação coletiva para provocar a torcida adversária. Quinze estudantes foram expulsos por cometer atos obscenos, mas a Justiça determinou que eles fossem reintegrados pela Unisa.

O caso ficou conhecido como “punhetaço” e foi repudiado por instituições de ensino, Ministério da Educação e diversos setores da sociedade, além de ter sido amplamente reprovado na internet. Ao vermos o bando na quadra e nas arquibancadas do ginásio em São Carlos, ficam algumas perguntas: um estudante sozinho teria coragem de invadir um jogo de vôlei e correr nu pela quadra mostrando o órgão genital? Provavelmente não. Por que pessoas em aglomerações fazem coisas que não fariam se estivessem sozinhas?

A esse fenômeno comportamental dá-se o nome de “efeito manada”, que é quando nós, seres humanos, reproduzimos a conduta de um grupo. Onde um vai, outros também vão; o que alguns fazem, tantos outros repetem. Segundo o doutor em psicologia social e professor Cláudio Paixão, da Escola de Ciência da Informação da UFMG, o efeito manada tem uma relação direta com vieses cognitivos: “Erros de julgamento e decisão resultantes de ‘atalhos mentais’ que a gente toma para resolver problemas ou para simplificar o mundo e, geralmente, que levam a julgamentos imprecisos, ilógicos e irracionais”.

De acordo com o psicólogo, existem mais de 200 vieses cognitivos catalogados, e um deles, o pensamento de grupo, está por trás do que conhecemos como efeito manada. “Os vieses cognitivos são, geralmente, individuais e influenciados por hábitos, crenças e histórias de vida. Já o viés de pensamento de grupo surge em várias pessoas simultaneamente e, provavelmente, se essas pessoas estivessem separadas das outras, elas não cometeriam o mesmo tipo de erro de julgamento”, acrescenta Paixão.

O psicólogo ressalta que há três pré-requisitos para que o pensamento de grupo apareça: alta coesão do grupo (“um elemento de identificação”), as falhas estruturais (“elementos problemáticos do grupo, por exemplo, o isolamento de um grupo ou desejos ou preconceitos compartilhados”) e o valor emocional da decisão. “Nesses casos, falar algo contra essa decisão é muito penoso e exige muito esforço, dessa forma, é difícil se opor a esse pensamento”, explica.

O efeito manada ocorre nos diversos espaços sociais em que estabelecemos nossas relações. Em bando, seja ele de 20 pessoas, seja ele de 200 ou 2.000, é muito frequente que alguém não queira desagradar os que estão ao seu lado, então esse sujeito segue o que está sendo feito pela “equipe”. Shows, manifestações políticas e cultos religiosos são ambientes extremamente propícios para o efeito manada emergir. Muitas vezes, situações nesses espaços só acontecem porque, irracionalmente, as pessoas imitam umas às outras, num jogo de representação que anula individualidades: o que importa é seguir o todo.

Há, também, um sentimento de unidade, pertencimento e a busca por uma aceitação. É frequente, sublinha Cláudio Paixão, que, coletivamente, se produza um alinhamento de ideias muito ruins e atitudes extremadas. Alguém apoia tal ideia e outras pessoas, por receio, medo ou dificuldade de dizer não, replicam – às vezes sem concordar com o que está sendo feito.

Ao mesmo tempo, o efeito manada é um fenômeno tão forte que regras e certas éticas sociais parecem não existir e se diluem no comportamento e nas ações daquele público organizado. Desejos e agressividades afloram. “Há um rebaixamento do nível mental, desliga-se a capacidade de raciocinar e questionar, ao mesmo tempo em que a pessoa se entrega aos impulsos coletivos”, pondera Paixão.

O doutor em psicologia social afirma que o que aconteceu naquela quadra de vôlei no interior paulista pode, sim, ser resultado de um efeito manada com componentes machistas e sexuais: “Nosso relacionamento é muito marcado por uma sexualidade reprimida, que encontra formas de expressão nessas frestas de comportamento ao mesmo tempo em que revela como as pessoas identificam as mulheres e o que elas representam para a sociedade no sentido da objetificação”.

Movimento humano

“Existem várias manadas por aí. Movimentos de torcidas organizadas, adolescentes em grupos. É um movimento humano, gera sensação de unidade e proteção, os indivíduos se disfarçam no meio”, observa Gabriel Portella, psicólogo especialista em clínica analítico-comportamental e mestre em psicologia.

Portella avalia que o efeito manada é, quase sempre, uma demanda infantil e imatura e é um movimento que acontece desde sempre na história da humanidade. O psicólogo diz que nossos comportamentos são regidos por valores éticos, morais e religiosos: “Na manada, os valores caem por terra, e outras coisas tomam poder. Talvez a gente se torne mais inconsequente porque não avaliamos as consequências individuais, por estarmos com a sensação de anonimato, como se isso tirasse a responsabilidade do indivíduo”.

Para Cláudio Paixão, o efeito manada pode explicar e nos ajudar a compreender crimes, atos violentos e abusos, mas jamais justificá-los: “Não é uma brincadeira que saiu do controle. As pessoas continuam sendo responsáveis pelo que fazem e precisam ser punidas”.

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