Ser perfeccionista é uma qualidade ou um defeito? A pergunta não surge do nada. Há não muito tempo, era comum que pessoas, ao serem questionadas em uma entrevista de emprego, dissessem que seu único defeito era ser perfeccionista. Muitas vezes, ao responderem sobre sua principal qualidade, também escolhiam o perfeccionismo como a maior virtude.
Quando ouviu a pergunta da reportagem, a psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental e mestre em relações interculturais Renata Borja tratou logo de ponderar sobre a questão: “Perfeccionismo é um extremo, e extremo nunca é bom. Ponto”. Para a especialista, a necessidade tantas vezes desmedida de ser ou parecer perfeito ou acreditar que é possível atingir essa tal perfeição pode trazer sofrimento e grandes frustrações.
A psicóloga considera fundamental distinguir as situações. “Querer fazer as coisas certas, se esmerar, fazer o seu melhor, não é um problema. Isso não é ser perfeccionista. Posso ser uma pessoa responsável, gostar de fazer as coisas com qualidade dentro das possibilidades, e isso é positivo”, pontua Renata.
“O perfeccionista faz tudo isso com uma cobrança de resultados fora do comum, cobra de si mesmo e dos outros. É possível garantir esforço e empenho, o que pode levar a um ótimo resultado, mas não há como garantir um resultado 100%, e o perfeccionista não aceita um resultado menor do que aquele esperado por ele”, completa.
Há, inclusive, diferentes perfis de perfeccionistas: os que executam; os que procrastinam e nunca entregam o que lhes foi proposto; também há os que adiam, adiam, e adiam mais uma vez, até terem certeza de que tudo está como planejado, mas acabam terminando o trabalho fora de um prazo estipulado.
Em vez de focar o que está bom, o perfeccionista quer tudo tão perfeito, cria um ideal inatingível, que realça e dá mais importância ao que não lhe agrada. Por isso Renata Borja diz que o perfeccionismo está muito ligado a um desejo de controle – de horários, do futuro, das emoções e até do outro.
O publicitário e administrador de empresas Bruno Cotta admite ser uma pessoa controladora. Essa característica cria muitas expectativas e outras tantas frustrações. No fim das contas, é negativo tanto no ambiente de trabalho quanto nas relações pessoais: “Preciso ter noção do que está por vir e como isso está por vir para conseguir administrar da melhor forma possível. É uma falsa percepção de que você tem controle sobre tudo, e isso acaba gerando angústias e ansiedades”.
Se convida alguém para sair, o publicitário diz que precisa saber de imediato o local e o horário, com qual roupa ele vai, como ele vai chegar até lá e se vai chover ou fazer sol no dia marcado. “Às vezes, preciso saber a que horas vou dormir, almoçar, se vou ter horário para fazer atividade física. Não acho isso saudável, é um excesso que me desgasta”. Renata Borja acrescenta: “O perfeccionista vai viver frustrado e pode ter dificuldades nas relações interpessoais. O perfeccionismo é uma busca pelo controle, mas um controle que não se atinge”.
Autora do e-book “Combatendo o Perfeccionismo: Abraçando a Vulnerabilidade”, a especialista observa que quem carrega o desejo da perfeição tem resistência a aceitar as suas próprias vulnerabilidades e inseguranças – e as alheias também. No livro, Renata Borja escreve que “não é incomum que perfeccionistas tenham problemas como: dificuldade e conflitos constantes nos relacionamentos; autocrítica severa e autoconceito negativo; excesso de culpa, vergonha; dificuldade de trabalhar em grupos e pessimismo”.
Compulsão
Quando a busca pela perfeição atinge extremos a ponto de prejudicar a pontualidade e eficiência de um trabalho ou processo, ela se torna um sério problema. Rigidez e prudência em excesso podem ser indícios de algum tipo de distúrbio psicológico e, dependendo dos níveis e danos, podem caracterizar o que se conhece como Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). “As pessoas com TOC são todas perfeccionistas, mas nem todo perfeccionista tem TOC”, alerta Renata Borja.
Muitos pacientes chegam ao consultório da psicóloga e professora Patrícia Alvarenga buscando ajuda após serem encaminhados por gestores, esposas ou maridos, preocupados com os impactos de um perfeccionismo que já ultrapassou os limites e gerou crises de relacionamento no ambiente de trabalho ou no espaço familiar. “Quando começa a ter crises de psicose de perfeccionismo exacerbado, a exigência em excesso leva ao sofrimento psíquico, e a ajuda de um psicólogo se torna necessária”, sublinha Patrícia.
O transtorno psiquiátrico é o extremo do perfeccionismo, e é importante estar atento a sinais que denunciem essa condição. “A caneta tem que estar a um centímetro do lápis, que tem que estar a um centímetro dos cartões, milimetricamente colocados, porque a pessoa começa a ter um posicionamento de que a vida dela tem que ser pautada dentro desses limites”, adverte a psicóloga.